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Mestre

Antônio Pinto

Antônio Pinto Fernandes

Mestre em Luthieria de Rabecas

Publicação no Diário Oficial do Estado

30 de maio de 2006.

Cidade/Residência

Aurora (Sítio Caboclo). Região do Cariri.

Nascimento

18 de outubro de 1922.

Relato de Viagem

No alto de um pequeno morro encarpado, com um açude quase seco embaixo, em uma casa toda alpendrada, um senhor encimesmado, talvez por causa da pouca audição, nos aguardava afinando a rabeca que acabara de lixar. Chegar na casa de seu Antônio Pinto, seguindo as dicas de seu filho José, exige conhecimento do sertão: vai por uma vereda, passa por um pé de Juá, vai margiando uma cerca e quando chegar num colchete branco, entra pras esquerdas e já está na estrada da casa. A vista é bonita e o vento é forte. Seu Antônio mantém a oficina no alpendre e segundo Dona Galega, sua mulher, ele passa, quase todo tempo lá.  Além das rabecas ele, mesmo aos 95 anos, cultiva de tudo. Agora, sua nova distração, são as parreiras que ele plantou ao lado de casa. Com tranquilidade e a firmeza própria do nordestino. Foi na casa de Seu Antonio Pinto que nos foi servida a melhor coalhada de todas as viagens.

“Quando caí na idade, fiquei velho, aí eu disse: agora eu vou fazer rabeca. Não posso mais trabalhar em serviço pesado. Vou trabalhar que nem os doutô, sentado!”

O nome e aonde eu moro, né? Antônio Pinto Fernandes, moro no sitio Caboco, no município de Aurora. Aí tem o nascimento…Eu nasci no sítio cobra, no município de Aurora também.

Eu fiz a primeira rabeca, criança, com idade de oito anos. Meu pai tinha um molde – só o molde, sabe?! Aí ele não ia mais fazer a rabeca e eu inventei de fazer a primeira. Aí fiz. Peguei um serrote velho, uma faca velha, um escopo… Comecei a trabalhar, a cavar… 

Cavei a primeira, fiz o arco, depois botei o texto derradeiro – texto é o fundo traseiro. Fiz o braço todo emendado. Mas deu uma rabeca tão boa! Mas não era de cedro, não. Era de umburana rasteira. Umburana de cambão, de espinho.

E fui aprender a tocar. Não tinha tocador, mas eu fui procurar um que sabia tocar e me ensinou a afinar.  Afinei e comecei a tocar. Quando já sabia tocar umas músicas fui chamado para tocar num lugar chamado Alpercata. Cheguei lá comecei a tocar e pegou a aparecer gente e prá findar a história toquei até às 8 horas do outro dia. 

Acharam bom… e eu dizendo: vou embora!… Não, toca mais. Também não ganhei nada, foi de graça. De vez em quando me chamavam para uma festa, um leilão, aniversário e eu tocava. E fui tocando mas toquei pouco tempo. 

Comecei a trabalhar na arte de pedreiro, carpinteiro, montando engenho, montando motor, automóvel. Trabalhava na agricultura também. Aí trabalhei a vida, levantando prédio, edifício. Deixei de tocar. 

Eu trabalhei muitos anos… Não sei nem quantos anos eu trabalhei. Quando caí na idade, fiquei velho,  aí eu disse: agora eu vou fazer rabeca, não tem outro serviço pra eu fazer, não posso mais trabalhar em serviço pesado! Vou trabalhar que nem os doutô: trabalhar sentado! 

Fui caçar a madeira. Primeiro arranquei a raiz de um cedro acolá, um toco que tinha derrubado, num sei quando. Eu arranquei e fiz outra rabeca. Rabeca boa, de cedro!

Ai fomos ali num lugar que chama Mufumbo, longe daqui umas três léguas e comprei nove toras de cedro. Já tava tirada essa madeira. Ninguém pode tirar mais, né?!. Pra trazer foi uma mão de obra medonha. Trouxe pra cá, pra Aurora, lavrei, cerrei, fiz tábua. Ainda hoje tô trabalhando, nelas.

Ser mestre é ensinar os outros. Quem nem o professor ensina a criança, os adultos. Mas quem só faz o que aprendeu não é mestre. Mestre é quem nasce com o dom, faz tudo. O mestre é pra ensinar como é que faz. Eu só não ensinei a muita gente porque não tem quem queira. Ensinei ao meu filho, José. Espero um dia, quando eu desaparecer, ele fique no meu lugar. Ele faz tudo do mesmo jeitinho que eu faço. Ensinei também a outra pessoa, lá no Araçá. É o Gil. Ele é mestre de escultura. Ele fez uma rabeca e trouxe lá em casa e me mostrou. E eu aprovei. Rabeca boa, bem feita. Agora outros eu não ensinei porque não querem. Não tem quem queira. Procurei muita gente pra ensinar, mas ninguém quer. O povo novo não quer aprender. Querem achar feito. Mas pra fazer, é dificil! Eu não tenho nada na minha vida prá só prá mim. O que eu sei é de todo mundo. 

Eu achei bom ser escolhido Mestre. Fiquei satisfeito, graças a Deus. Eu fui menino e não pude estudar. Não aprendi a ler porque precisava pagar o professor, precisava comprar o livro, tinteiro, lapis, comprar tudo. Eu não tinha condições, não podia pagar, nem nada. Aprendi a assinar o nome, somente. Mas estudar… E depois de velho, sem ter estudo, sem ter nada, receber o diploma… Dei graças a Deus. Recebo meu salário e o que eu faço tenho direito de vender, né?! E assim vou tirando o resto do tempo. 

Podia ter sido quando era novo! Tinha sido melhor. Mas inventaram a cultura depois da gente velho, idoso. E aqui e acolá vêm me chamar pra ir prá Fortaleza, Limoeiro, Russas, Crato, Juazeiro. Pra onde me chamar eu vou. Eles vem buscar e vem deixar.

Da rabeca eu faço tudo. Só não faço é acabamento, porque a cultura não exige. Bom, lixar prá ficar bonitinho, eu posso lixar, mas não pinto. Eu tenho plano de pintar uma pra mim. Pra quando eu morrer botar lá no caixão pra eu levar. Assim, quando eu chegar lá dizer: aqui eu trouxe uma rabeca prá mostrar o que eu estava fazendo lá! Vamos ver se aqui eu vou continuar a fazer isso também.  

Eu gostava de tocar. Hoje eu tenho vontade mas não posso.  Porque não tenho mais ”óiça”. A gente se esquece dos toques e se esquece das posições. Não dá! Sai fora do rumo. E de trabalhar já sou acostumado, não me enfado, não! 

Eu sonho fazendo rabeca!. Tão bom eu acho! De vez em quando eu perco o sono pensando como é que eu vou fazer.