logo.png

Mestre

Antônio Rafael

Antônio Rafael Sobrinho

Mestre em Poesia Popular

Publicação no Diário Oficial do Estado

15 de maio de 2018

Cidade/Residência

Tarrafas (Região do Cariri)

Nascimento

4 de fevereiro de 1950.

Relato de Viagem

Chegamos em Tarrafas depois da hora marcada, bem atrasados. Mestre Antônio Rafael, num misto de ansiedade e  de impaciência, com razão, teve ainda que  aguardar enquanto  montávamos o cenário para entrevistá-lo. No começo, um pouco descontente, ele observava a adaptação que era feita por nós no ambiente da  sala de sua casa – vizinha à Associação dos Artistas do município. Aos poucos, foi ficando menos tenso e, mesmo antes de iniciarmos a gravação, ele ia nos contando sua história, nos mostrando os cordéis e falando de seu programa de rádio. Não se esquivou de repetir novamente tudo o que falou, agora durante a entrevista, que se estendeu até o fim da tarde. Ele gosta de conversar. A entrevista acabou mas a conversa com o poeta  prosseguiu na calçada, bem ao gosto cearense, sob o ar já mais fresco do sertão, regada a churrasquinho e boas risadas.

“O poeta, ele se inspira muito no inverno, mas também na seca. Eu digo para alguém que vai escrever, que procure aonde está a cultura para poder fazer poesia. “

Meu nome é Antônio Rafael Sobrinho, conhecido por Antônio Rafael, Mestre de Cultura do estado do Ceará e de Tarrafas. Nasci na Lagoa da Caiçara, na época munícipio de Assaré que hoje é Tarrafas, e sou poeta. Poeta de nascença mesmo, por que desde seis anos que eu escrevo, faço versim. Vim publicar o primeiro cordel  com 25 anos de idade, porque não tinha aonde –  de primeiro não tinha a evolução que tem hoje –  na gráfica do poeta também, saudoso Manoel Caboco.

E a minha vida de poeta é uma vida mista dentro cultura, porque além de escrever, a música e a poesia, eu também apresento o programa Nordeste, Povo e Cultura incentivando os mais novos  a valorizar a cultura e resgatando os mais velhos. Através desse programa, gente que não tocava mais forró,  que estava parado, se animaram, viram que o forró não morreu. Tem vindo do Juazeiro muitos tocadores de viola, e alguns sanfoneiros.

Eu estou com 43 anos de programa de rádio. Comecei na Vale do Cariri, de 78 pra 79, só recitando com o grande mestre Patativa do Assaré e o meu sogro o Alberto Brandão. O Nordeste, Povo e Cultura, eu fazia na Rádio Iracema do Juazeiro, e daí pra cá, passei por várias rádios, a Dinâmica, a Rádio Carius,  a Princesa, a Rádio Patativa do Assaré. Aqui, nos arredores, tem umas catorze cidades que frequentam o meu programa, incentivando a cultura. 

Tocar Sanfona, eu não toco! Violão, não  toco! Cantar, eu não canto! Mas incentivo, levo um programa que mostra quem toca a música de raiz,  que fala no poeta popular, na cultura de raiz. Podem procurar o maior incentivador da cultura aqui na região Cariri, na região Centro Sul; não digo que é o Antônio Rafael, é o programa Nordeste, Povo e Cultura, que o Antônio Rafael representa. E apresenta. Porque é dentro da nossa cultura, aonde eu faço esse programa, não o Antônio Rafael, mas os artistas da terra. É primeiro lugar de todos os programas, bate televisão, bate rádio, tudo; porque ali nossa cultura chega. É o nosso Folclore. Completo. Viola, cavaquinho, bandolim, tudo quanto é cultura está dentro do programa Nordeste, Povo e Cultura. 

E cordel tem muita gente escrevendo. Eu comecei a incentivar e trazer para o programa e mostrar o valor que a poesia tem. E valorizou muito mais a poesia, quando alguém que não fazia fé, viu que o Antônio Rafael, hoje, é Mestre de Cultura do Estado. Isso veio pra enriquecer a nossa poesia. Por isso que tenho dito nas palestras que eu faço aqui, em várias escolas, em Tarrafas e nos municípios vizinhos, mesmo sem remuneração, que não é só ser Mestre de cultura e dizer: eu me aposentei agora não preciso mais trabalhar. Não! Agora é que eu trabalho! E agora é que eu incentivo o povo a acreditar que a poesia está tomando conta da cultura e a valorizar, porque se a gente não acreditar, não vai, não acontece. Então, esse projeto de Mestre de Cultura, enriqueceu muito, ajudou muito a gente e quem tá começando. Por que não havia fé no poeta. Hoje, quando eu sou procurado para apresentações, entrevistado, eles veem que o poeta tem valor. Quando veem o poeta dentro de uma sala de aula, eles veem que o poeta tem sabedoria, tem ensinamento, tem aprendizagem pra eles que pretendem escrever também. 

A poesia  nasce de um dom. Mas tem que, realmente, esse dom vir de uma inspiração. Porque a inspiração é a vontade de escrever. É a alegria de escrever,  é a sabedoria que aparece naquela música que vem até a gente. Então, ela nasceu dentro do poeta Antônio Rafael, deve ter sido com Geraldo Amâncio a mesma coisa, Patativa, a mesma coisa. Patativa, ele dizia, que  admirava muito o Catulo – Catulo da Paixão Cearense – e se inspirou nele. Eu admirava …, admirava não, admiro muito o Patativa, que ele não morreu. Morreu o Antônio Gonçalves, o Patativa tá vivo. Então eu me inspirei muito no Patativa. Copiar é feio, e vergonhoso, e até crime. Mas se inspirar é uma obrigação do poeta, se inspirar em alguém antes dele, pra poder ele se apaixonar pela poesia, e ver o valor da poesia. 

Meu pai comprava cordel nas feiras. Nessa época, vendia muito cordel em  feira. Ele levava pra casa pra ler.  Colocava numa cadeira, ficava pé em cima da cadeira, nas bocas de noite lá no Sítio Lagoa onde eu morava, lendo um cordel. E tinha gente doido pra ver, ouvir ele ler um cordel; às vezes, caía até da cadeira com tanto interesse. Eu sou um que caí muito da cadeira pra poder ouvir , e é porque era em casa!

Pra começar a escrever foi ouvindo o cordel do Pavão Misterioso, os versos feito pelo Leandro de Barros, Zé Pacheco, Zé Cordeiro… os grandes escritores que já se foram. Então a gente foi se apaixonando e procurando os materiais que são cultura, que é o Lampião, é o Patativa, é o Padre Cícero, é o Antônio Silvino e  as nossas coisas do sertão. 

O poeta, ele se inspira muito no inverno, mas também na seca. Aonde eu tenho feito alguma palestra, digo para alguém que vai escrever,  que procure aonde está a cultura, para poder fazer poesia. 

Eu gosto até de dizer assim, como uma brincadeira,  que a pessoa feia demais ou bonita demais dá um poema, mas uma pessoa média não dá. Pessoa boa demais, ruim demais, dá um poema, mas aquela pessoa média não dá. Então, ruim demais, bom demais, velhaco demais, pagador demais, direito demais, desmantelado demais, malvado demais, humilde demais,… é daí que nasce o poema. 

Mas tem pessoas ainda  com outras histórias, como eu tenho aqui um poema 

“saudade do meu engenho”, que  fiz com Zacarias. Porque o Zacarias juntava centenas de pessoas no engenho dele.  O engenho dele foi o símbolo de todos, contando história, daqueles boi de canga, pessoas mexendo a garapa pra fazer o mel, a rapadura, o alfenim e, aquele movimento, era uma paixão que ele tinha, igualmente pela poesia  e pela moagem. Vinha do pai dele, plantando cana e fazendo moagem de rapadura. Às vezes não recompensava nem tanto, mas fazia pelo amor que tinha, àquela luta de lutar com o povo. Porque lutar com o povo, dá trabalho, tem hora que dá um sacrifício, tem hora que dá até um pouquinho de raiva, mas dá muito amor e o sabor de lutar com o ser humano é muito gostoso. 

Pois bem, tem muita gente que não tinha um passado da saudade do engenho.   Gente que só tem  enxada mesmo e a roça, Mas chegou aqui e sentiu  a saudade, e  aí chegou em Geraldo Amâncio, em Pedro Bandeira, naqueles que  escrevem também, no saudoso Geraldo Gonçalves. Sentiu, pra poder fazer um poema e sair bom daquele jeito. 

Ser um Mestre significa muita coisa. 

O poeta, ele era muito discriminado nessa questão de saberes , principalmente um poeta que não tem nível superior como eu não tenho. Hoje, um Mestre de cultura é um Tesouro Vivo, que tem diploma e é doutorado, é professor também, mesmo não falando correto igual a quem é formado. Ele não tem a palavra, o português certo, mas ele tem palavra certa, e é cheio de palavra, cheio de pensamento, cheio de história pra levar. Aí eu me sinto muito feliz em ser Mestre de cultura. Sou Mestre de cultura, porque Deus me deu esse pensamento, e nem eu acreditava, mas, hoje, eu acredito nos homens da cultura, e acredito que o Mestre de cultura, o poeta, tem uma grande sabedoria que é encantada e que as escolas precisam muito dela. Os professores devem procurar levar muitos livros da sabedoria poética para orientar o jovem na escola. Eles precisam ver o valor da poesia e entender o que é a poesia.

Depois que eu recebi o título de Mestre de Cultura, eu acho que, como poeta, nasceu outro Antônio Rafael, sendo Mestre de Cultura. A minha vida mudou muito porque o povo do lugar da gente custa muito a ver a gente, conhecer a gente. E agora é que estão reconhecendo o Antônio Rafael como, eu posso dizer, um dos poetas bons. Porque, realmente, se eu não fosse bom, o povo não me chamava nas escolas, não me chamava em nenhum canto, e não tinha também esse título que não foi dado por político, não  foi dado por ninguém.  Foi porque pessoas que tem grande sabedoria, viram o que eu escrevo, viram o que eu faço e me elegeram. Agradeço o apoio do governador, agradeço o apoio de quem criou esse programa de Mestre de Cultura. Mas eu agradeço mais a Deus que me deu essa sabedoria.

Eu fui político, mas eu sou um crítico político. Pois muito bem, eu andei por esses caminhos. Eu fui vereador, mas eu não pude defender o povo como vereador. E nem acredito que vereador e deputado defendam o povão. Eles defendem o partido, eles defendem o candidato. O grupo, a tendência.

E eu sempre digo isso pro jovens. Vocês procurem escrever, vendo o que acontece no Brasil, no município. Que é assim que eu faço, é escrever defendendo o povo. Então vocês comecem escrever e façam como eu fiz, como o Patativa fez. Eu enjeitei ganhar dinheiro pra escrever história, pra dar nome a quem não tem. 

Eu sempre mando o jovem escrever e procurar aquilo que é certo. Eu faço realmente isso. Eu não dou valor a critica se você não tiver a solução. Eu sou crítico, mas o homem, ele só é crítico de moral e com vergonha, e a mulher também, quando tem a solução. 

E pra crescer o jovem,  dentro da história poética e  fazer o certo pra nossa economia, pra nossa política do Brasil, tem que começar em casa. 

Então, vamos escrever coisas que tenham aprendizagem, ensinamento, para o nosso futuro, vamos deixar uma cartilha pra ser lida nas escolas. 

Eu não tenho nível superior, eu que sou quase analfabeto mas oriento a vocês que tem formação: continuem escrevendo. Mas, olhe; escrever a verdade. Mesmo como eu faço, com palavras erradas, mas em linha certa. 

Eu não gosto de dizer, como falam, que pra gente saber de tudo basta ser poeta. Não, pra saber de tudo tem que estudar. Sempre digo isso, vá para a escola, e estude. Porque eu tenho esse valor, mas se eu tivesse uma formatura eu teria outro valor maior ainda. 

Então, eu vou recitar aqui um poema, que me identifica. quero que todo mundo veja O Poeta sem Leitura, que eu sou, o tanto que eu sofri e, graças à Deus, hoje eu cheguei aqui. 

“Eu só sei do ABC  e assim mesmo é decorado / É bem difícil me entender/porque eu só sei falar errado / Também nunca tive escola/ violão nem viola pra enfeitar minha cultura/ eu tenho força e não tem fama/ Por isso vocês me chama de poeta sem leitura/ 

Aprender ler não pude por ser filho da pobreza/ na época essa virtude precisava ter riqueza/ fui criança no pesado, criando porco e gado, brincando com fartura/ 

Sou mão grossa, pé de lama/ por isso vocês me chama de poeta sem leitura/ 

estudante, professor/ escuta minha canção/Sou poeta mas não sou, se vocês não der a  mão/No meu fraco português, eu preciso de vocês, pra divulgar minha cultura, espaiar também a fama/ Embora vcs  me chama de poeta sem leitura/ 

O formado tem sucesso que estudou e aprendeu/ mas talvez não faça um verso igualmente este meu/ Foi Jesus quem me ensinou este é meu professor/ este sim que tem cultura, Deus Pai que cria, pois ele também me chama de poeta sem leitura/ 

Eu me chamo de Rafa, nasci lá em Lagoa, Distrito de Tarrafa/ moro junto os passarinho, asa branca e o vimvim, sariema e saracura, pássaro e peixe grande/natureza que me chama de  poeta sem leitura/

Choupana velha de barro, é a casa que a gente mora/ La eu acendo o meu cigarro, pra contar minha história/ Ouço os vento nas palmeiras/ As água na cachoeiras/ ouço rio na agricultura/ O peixe solta a escama e o louro passa e me chama; é -o poeta sem leitura! /

Reboulo pé rachado, coro grosso, mão de cal, corpo velho manchado a estrume de curral/ Eu tenho a cabeça chata só de carregar lata, nata, queijo e rapadura/ tomo leite em minha cama, a esposa e os filho também me chama de poeta sem leitura/ 

O meu rádio, meu jornais, meu cinema e televisão é o campo dos animais sofreu  burro carão/ relâmpago de madrugada, trovão pra dá coaiada que nas águas se mistura/ a floresta faz programa e os passarinhos também me chama de poeta sem  leitura/ 

Geraldo em Fortaleza, Patativa em Assaré, dois poeta de grandeza quem eu falo e boto fé/ Rock, Samba e pagode só quem tem direito e pode dá sucesso sem cultura, a indecência virou fama, só talento e ninguém chama o poeta sem leitura/ 

O poeta, maior do mundo, Patativa do Assaré, os seus versos tão profundo e demoraram botar fé/E eu que pequeno sou pra simplório meu senhor secretário de cultura, abra aí um programa pra ver se ainda chama o poeta sem leitura.”