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Mestre

Antônio

Antônio Ferreira Evangelista

Mestre em Reisado

Publicação no Diário Oficial do Estado

26 de fevereiro de 2019

Cidade/Residência

Juazeiro do Norte – Região do Carriri

Nascimento

1 de janeiro de 1962

Relato de Viagem

Encontramos Mestre Antônio em dois momentos: antes e depois de ser titulado. Um Mestre com comando carinhoso, atencioso, sorriso nos lábios e nos olhos. Visitamos suas sedes, assistimos várias apresentações arrebatadoras por suas caprichadas vestimentas, pelos brincantes vigorosos, pelo canto forte e uníssono e pelas crianças que dão um encantamento especial ao grupo. Pelo vigor, entusiasmo e comprometimento dos brincantes com o Mestre, a tendência é vida longa ao grupo para encantar plateias do Ceará, do Brasil, do mundo.

“O reisado significa muita coisa prá mim, o reisado é minha vida!”

Meu nome é Antônio Ferreira Evangelista, trabalho num colégio de arte CRAS com a comunidade daqui, do nosso bairro, e comecei a brincar Reisado com nove anos de idade. Brinquei mais Zuza Cordeiro, Manuel Cordeiro e, finalizando, com Mestre Pedro, que era um irmão meu adotivo, que a minha mãe criou.

Fiquei brincando com ele até me tornar rapaz, eu e o meu irmão.

Ele chegou a falecer em 82 e tinha pedido pra gente dar continuidade ao Reisado dele. A gente havia falado pra ele que era muito complicado ser um mestre de reisado, a gente não tinha oportunidades, e a resposta foi que a gente tinha que dar continuidade ao reisado dele.

Quando ele chegou a falecer, a gente ficou desgostoso, não queria mais fazer cultura e teve que ir embora pra São Paulo.

Lá, com saudade do Reisado começamos a brincar com a vizinhança. Aquela saudade bateu forte e a gente voltou pra cá. Quando nós chegamos aqui, passamos uns dias e fomos procurar os brincantes do meu irmão, e reunimos todo mundo  – aí nessa rua Pio Norões, que fica  logo aqui do lado – e debaixo de uma caixa d’água,  porque  a casa  era muito pequena, estreita, não cabia todo mundo.

Nós começamos a falar com eles para dar continuidade ao Reisado, o reisado de mestre Pedro.

Então…. ou a gente continuava fazendo o reisado de mestre Pedro ou colocava outro nome. Eles falaram que a gente tinha de colocar outro nome. Aí, caçaram um bocado de nome. Tentando; um dizia um nome, outro dizia outro e, meu irmão, ele foi e falou assim: “se a gente foi brincador dele, a gente vai colocar discípulo de Mestre Pedro.” Todo mundo aprovou. E ficou a questão do Mestre: quem ia ser mestre? Meu irmão disse: “é você!. Ele disse que era você, é você. Você vai ser o mestre.

Então, nós demos continuidade, começamos os ensaios, começamos brincando. Fazendo aqueles ensaios, passou uma senhora e perguntou : que reisado é esse?

E a gente falou pra ela do nosso reisado.  

Ela disse: “vão lá na Secretaria de Cultura amanhã que a gente vai fazer o registro desse reisado. Eu acho muito bonito, a voz muito entoada, então eu quero que vocês vão lá!”

Nós fomos lá! Era na época que a Secretaria de Cultura estava dando um tecido pra todos os grupos de dentro de Juazeiro, vestindo todos os grupos e colocou o nosso nome para isso também. Após 20 dias, a gente e todos os mestres fomos pegar os materiais, que o prefeito já estava entregando. 

Quando chegamos lá, vimos todos os mestres recebendo aquelas caixas enormes e ficamos esperando chegar o tempo da gente e, quando chegou, o que eles falaram pra nós foi que os mestres se reuniram tudim e disseram que nós não tínhamos capacidade de ser mestre, então nós não iríamos receber nada para o grupo. Mas, se  agora sobrasse alguma coisinha, algumas fitas, alguma coisa, depois, era pra gente passar lá  que eles iam  doar pra gente.

Quando chegamos em casa, tristes minha mãe ficou assim do lado, assim olhando, e disse: “aconteceu alguma coisa com vocês?”

Contamos a história todinha. Ela respondeu: “por isso não! Vocês vão fazer o reisado!

Juntou os parentes e saiu arrecadando alguma coisa pra comprarmos os materiais. Compramos tecido, compramos lâmina pra fazer espada, compramos papelão pra fazer coroa.  Resumindo, a gente fez tudo que tinha de fazer e quando foi no dia 22 de dezembro, que era pra todos os grupos de Juazeiro se apresentarem na Praça Padre Cícero, pra o prefeito ver o que ele tinha dado, nós não fomos. Nós fomos benzer o nosso vestuário todinho no Horto do Padre Cícero. Chegamos lá, fizemos a nossa promessa e voltamos. 

A gente vinha descendo –  os grupos já estavam na Praça Padre Cícero, e encontramos com o secretário de cultura. A gente estava dentro duma casa, fazendo um Divino.

Ele perguntou: 

“esse grupo, de qual é a cidade?”

Aí … o pessoal disse

– “esse grupo aqui, é lá do João Cabral.

“Do João Cabral?-
“Do João Cabral,vsim.” 
“Mas ele num tá na lista dos mestres que estão lá na praça, não?”
“Não”. 
“E quem é esse grupo? Conheço esse grupo não”. 

Aí alguém disse:

– “É de um dos irmãos, uns irmãos que tem um reisado.

– “Chame ele aí”. 

 Eu fui lá. Ele olhou pra mim e disse: 

“é você?”

Eu disse:

“sou eu”. 
“Mas rapaz e quem foi que fez esse vestuário todinho seu?” 
“Foi por conta da minha mãe e minha família. Esse reisado que vocês tão vendo é aquele que vocês disseram que não tinha possibilidade de ter um reisado aqui dentro daqui de Juazeiro”. 

Aí ele foi e falou:

– “mas eu quero que você vá na Praça Padre Cícero”. 

Eu disse: 

– “rapaz eu não vou não, porque eu não faço parte desse negócio de vocês, então, a gente vai tirar nosso reisado pra cá”.

– “Eu quero que você faça parte. 

Nós então seguimos em cortejo e, quando chegamos na Praça Padre Cícero, eles fizeram o cordão –  todos os grupos fizeram o cordão –  e nós fizemos uma apresentação.

O prefeito foi pedir desculpas pra gente, porque ele viu que o reisado estava bonito, estava mais bonito do que os outros. 

Pediu desculpas e falou que a gente fosse na secretaria no outro dia que ele ia ajeitar tudo.

Eles continuaram a vestir os grupos, mas não o nosso.

Nesses 25 anos que a gente tem de grupo, a gente faz as nossas apresentações por conta da secretaria porque é cadastrado lá , mas o material de vestimenta, a gente tá seguindo o exemplo que minha mãe deu pra gente, mesmo ela  já tendo falecido.

Quando eu comecei a brincar mais meu irmão, ele dizia: Mestre, pra ser mestre, ele tem que passar por várias coisas. Ele tem que começar do coice, do último lá de trás e vai passando por cada um até chegar no mestre. Eu fui contra-coice, que era o último, depois passei pra bandeirinha, de bandeirinha passei pra figurinha, de figurinha passei pra contra -guia, de contra- guia  passei pra embaixador, de embaixador passei pra contra -mestre, de contra – mestre passei pra rei, pra poder chegar a mestre.  Então, o mestre ele tem que passar por esse processo todo. Muitos mestres podem até estar cadastrados na secretaria de cultura, mas o saber não tem. Eu tenho que dizer pra todos eles  que passei por todos esses processos. E eu quero que todos passem também, pra chegar aonde eu cheguei. 

A gente já tem esse dom, porque a gente já vem de raiz.

Meu pai mesmo, ele foi rei de reisado, ele foi Mateu de reisado. Ele não era daqui de Juazeiro, ele era de Aurora, tinha um reisado lá. Ele e meu tio. Então, acho que é assim, a cultura da gente vem do sangue e hoje eu digo com sinceridade: passei por esse processo e um reconhecimento como Mestre da cultura, mestre do mundo.

Eu tô achando que realizei meu sonho, porque eu agora posso dizer que eu sou um mestre, posso dizer pra todos os mestres que eu sou um mestre, sou mestre da cultura. Então pra mim é uma glória. Era a coisa que eu queria mais na vida mesmo, chegar nesse nível de Mestre do Mundo. 

Ser mestre da cultura faz mudar alguma coisa na vida da gente. Mudou tanto pra mim como pra meu grupo todo, A gente tá sempre junto e eu com parte desse salário, eu tô investindo no grupo, porque eu quero é investir mais no grupo. Isso foi uma coisa mandada por Deus. Eu fiquei muito feliz. Eu chorei na hora que os meninos chegaram e me abraçaram – o grupo todo me abraçou –  e eu fiquei chorando de emoção e lembrando do que passou, do que minha mãe me falou, que a gente tinha que ser humilde, e tinha fazer por onde todo mundo aceitasse a gente. A gente tá seguindo isso aí, a gente quer conseguir chegar mais pra cima com nosso grupo, se Deus quiser. 

A gente tem vários grupos aqui dentro. Tem o maneiro pau, que é do meu irmão, Mestre Raimundo. Temos um grupo só de guerreira, que é de mulher.  E uma banda cabaçal, que se chama meninos maluvidos. Esse grupo quando começou era só com criancinhas. Eles disseram que queriam botar uma banda e a gente disse a eles que não dava.  Eles disseram dá, dá dá e eu mais meu irmão dissemos: vamos botar! E como eles eram muito insistentes botamos o nome meninos maluvidos, O nome pegou. Já são rapazes, pais de família. A banda é deles e eles não abrem vagas pra ninguém.

O reisado significa muita coisa pra mim, o reisado é minha vida! Quando eu comecei tinha nove anos de idade. Eu entrei com corpo e alma e me dediquei mesmo dentro do reisado. É tanto que o reisado, para mim, significa uma família. Todos aqueles  brincantes, eu considero como irmãos, outros como filhos e a gente faz de tudo pra comunidade tá junto com a gente, A gente faz festa de ano em ano pra comunidade e é uma coisa que vem de dentro da gente mesmo para  resgatar essa cultura. Isso é o que mais nós precisamos, porque a gente sem a cultura não é nada não, e, pra mim, a cultura é minha família. 

Tem canto que a gente vai que o pessoal não sabe o que é o Reisado. No Rio de Janeiro, quando a gente foi passar 30 dias lá, numa universidade,  eles não sabiam o que era o Reisado. Eles pensavam que a gente estava fazendo era um grupo de jongo.  A  gente foi explicar pra eles como era que a gente fazia o Reisado, como surgiu, como é que se vestia. A gente fazia uma apresentação num dia e dois dias  eram de oficinas para a universidade. 

Em São Paulo, eles adoram quando a gente chega com o Reisado lá. As apresentações lotam de gente porque eles querem brincar também, porque eles acham muito bonito. Quando a gente foi fazer a última apresentação no SESC POMPÉIA, o teatro lá não coube, por que era gente demais e ficou gente do lado de fora pedindo pra entrar porque não tinha mais como caber. 

Aqui na nossa comunidade, no bairro João Cabral, muitas e muitas crianças, a gente tirou de alto risco, crianças que estavam se prostituindo e homens que estavam entrando no mundo da droga. A gente acolhia as crianças pra ir pra dentro da sede, pra fazer bordado, fazer pintura, e tinha um menino pra dar aula de reforço pra eles. Então, aqueles que não tinham escola, a presidente ia atrás de um colégio para matricular aquela criança.

Eu e meu irmão, nós temos um aluno que hoje é secretário do Secretário de Esporte. Quando a mãe dele encontra a gente, ela abraça a gente, e diz: “se não fosse vocês, meu filho não era o que ele é hoje não, porque o resto dos meus filhos nenhum prestou e só quem prestou foi o que estava acompanhando vocês”.

Mas é assim mesmo, a vida continua e a gente vai fazendo esse trabalho comunitário pra tirar essas crianças de rua. Ainda hoje em dia, a gente vai para os sinais pra falar com as crianças e conversar com os pais, pra dizer se eles não tiverem onde estudar a gente tem como obrigação, lá do CRAS, de procurar um colégio e se for pela manhã eles ficam na escola, no período da tarde ficam com a gente. 

Eu abraço a cultura mais do que tudo na vida. E eu tenho certeza de que quem vai salvar essas crianças é a cultura.