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Mestre

Bibi

Deoclécio Soares Diniz

Mestre Escultor

Publicação no Diário Oficial do Estado

21 de dezembro de 2011

Cidade/Residência

Canindé - Região Norte

Nascimento

26 de dezembro de 1936

Falecimento

29 de maio de 2022

(recitanto)

Pessoal, quando eu morrer /
que vocês forem me enterrar /
num quero ver ninguém chorando /
porque eu não gosto de chorar /
vocês levem um violão /
pra na minha voz cantar /
cante música de reisado que eu gostava de cantar /
Gente, quando eu morrer /
eu não quero choro profundo /
eu quero um boi no meu enterro /
pra eu brincar no outro mundo /
pra eu brinca lá com São Pedro /
que é o chaveiro do mundo.

“Para ser mestre, eu acredito que tem que ter valores, tem que ter capacidade de fazer um trabalho pra honrar esse nome de mestre.”

O meu nome é Deoclécio Soares Diniz. Conhecido como Bibi. Eu comecei a trabalhar com oito anos de idade. É hereditário: meu pai já trabalhava em esculturas e eu trabalhava escondido. De vez em quando, ele saía pra pescar, pra caçar e eu pegava as ferramentas dele e começava a cortar um pedacinho de madeira, fazendo aquela brincadeira de imagens. Então eu fiz a primeira escultura com oito anos de idade. Eu morava em Iguatu. Depois vim pra Fortaleza. Aqui, eu me empreguei no comércio e à noite eu ia para o colégio. Comecei a fazer desenhos de Capitão Marvel, Super Homem, Homem Morcego …..eu fazia figurazinhas também em barro, em argila.  

Fui morar em Canindé em 1958. No tempo de uma seca grande que teve aqui no Ceará. Lá, eu comecei a fazer imagens de gesso pra lojas, fazer formas.  Trabalhava com argilas e depois eu comecei a aprimorar mais o meu trabalho. Em 1960, mais ou menos, eu vim novamente para Fortaleza servir o exército.  No quartel  do 23 BC, no corpo da guarda General Sampaio, eu fiz um busto. Fui tomando gosto. Aí fui para o Rio de Janeiro. Eu levei várias imagens de madeira, esculturazinhas pequenas, imagenzinhas, São Francisco, Nossa Senhora… 

Nesse tempo, lá no Rio, tinha as  Casas da Banha.. Eu fazia compras lá para a minha casa e botavas as imagenzinhas dentro na sacolazinhas da Casa da Banha.

Eu cheguei na praia de Copacabana e vi de longe um restaurante muito bonito, com muitas pessoas, então, eu cheguei com aquela sacolinha e fui  vender as imagens… 

Estava lá um cidadão de camisa branca de bolinhas pretas, com as sobrancelhas grossas, cabelos grisalhos que me chamou. Eu disse:  “pois não!?” E ele: o que você está vendendo aí? Eu mostrei as imagens. Ele me perguntou: você não quer estudar, não?  Eu respondi: estudar como? E ele disse:  estudar numa escola de belas artes. Eu disse: cidadão, eu sou pobre, sou do Ceará… não tenho condições. O sujeito me olhou e falou: eu vou lhe dar um cartão, você vai na escola de belas artes e fala com o Professor Tico. Diga que foi o Presidente da República que mandou. Era o Presidente Médici e eu não sabia! Quando eu cheguei lá… quando o rapaz viu o cartão… “por ordem do Presidente”!. Eu disse “pois é, é do Presidente”! Ele disse: 

– você vai ali pro salão, se junte aos alunos e pegue o material que você quer trabalhar; vá  fazer alguma coisa… e me mostre! 

 Então  eu vi argila, que aqui nós chamamos de barro de louça, né?! Peguei aquela argila e fiz um busto de São Francisco… ele olhou o que eu fiz e disse: 

-Rapaz aqui não é pra você ser aluno, não! Você tem se ser é  professor.   

– Mas,  meu amigo, eu  não queria aprender a esculpir, eu queira aprender a aumentar. E de  fato, o meu estudo é pouco.  Eu queria era  saber fazer uma peça grande!

 Foi como eu consegui me expressar, naquela hora.  Ele então  entendeu  o que eu queria dizer:  

– Você quer aprender anatomia!

 – Deve ser  isso mesmo!  Eu respondi. 

Eu passei uns seis meses estudando anatomia. Depois voltei para o Ceará, fiquei por aqui trabalhando e comecei a fazer monumentos. Tive a felicidade de ser escolhido para fazer a estátua de São Francisco em Canindé –  nesse tempo o nosso Governador era o Doutor Lúcio Alcântara. Ele mandou fazer a estátua de São Francisco e eu fiz ela com 31 metros e 25 centímetros. 

Depois, ele lançou, ainda no tempo da gestão dele, esse concurso pra Mestre da Cultura do Estado do Ceará. Eu nunca na minha vida achava que ia aparecer uma pessoa que lembrasse dos artesãos do Ceará. Nós temos muitos artistas bons aqui,  sem reconhecimento.   Eu então participei  e ganhei o diploma e uma pensão vitalícia e estou muito grato com isso. Depois desse diploma, eu não dou conta do trabalho, é rodando o Brasil todo, até para fora  do Brasil eu fui convidado. Eu tive um trabalho pra fazer em Mar del Plata, na Argentina. Não fui porque a agenda aqui tá alta, tá grande. Graças a esse diploma que eu recebi  de  reconhecimento pelas autoridades competentes.

Agora, para ser mestre, eu acredito que tem que ter valores, tem que ter capacidade de fazer um trabalho pra honrar esse nome de mestre. Por que não sendo assim é só mesmo um artesão. O trabalho de um mestre tem que ter aceitação geral.  Então, ter esse nome de mestre dá muito valor ao artista. Só em você dizer, eu sou um mestre da cultura do Estado do Ceará é muita honra.

Eu gostaria muito de participar de aulas em colégios, dar aula de escultura, de pintura, aula de desenho. Eu acho que  os artistas mais velhos que ganham esses diplomas  poderiam  fazer isso, eu mesmo gostaria de repassar minha profissão pra alunos de colégios, seria um prazer para mim ensinar a escultura, ensinar como trabalhar com argila… Às vezes a gente já nasce artista e precisa apenas de um ponta-pézinho pra poder chegar lá. Daqui a pouco, os artistas  de hoje vão se embora e não tem mais o hereditário, ninguém para dar continuidade do seu trabalho. Nem todo mundo gosta de trabalhar com esculturas.

Cada artista de um modo geral tem uma coisa que ele gosta mais de fazer. Eu adoro trabalhar com imagens de São Francisco. E principalmente em madeira. Eu gosto  de desenhar… Criar imagens…, gosto de fazer esculturas grandes, de um a cem metros, de desenhá-las e botar toda no esquadro e fazer… Tenho  um filho adotivo que tá comigo trabalhando aqui e que  tem muito progresso. Ele é muito bom. Eu tenho fé em Deus que ele vai dar continuidade ao meu trabalho.