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Mestra

Dona Fransquinha

Francisca Rodrigues Ramos do Nascimento

Mestra em Cerâmica

Publicação no Diário Oficial do Estado

16 de maio de 2005.

Cidade/Residência

Viçosa (Sítio Tope) - Região Norte

Nascimento

03 de janeiro de 1939.

Relato de Viagem

Um pote gigante na estrada dá a indicação precisa da casa de Dona Fransquinha, loiceira – como gosta de ser chamada – mais conhecida do Sítio Tope, onde já exerceu a liderança da Associação dos Moradores e da Associação das Ceramistas. Por um brilhante chão de cimento queimado vermelho, a Mestra nos conduz ao amplo quintal cheio de formas e cores de sua arte: anjos e santos gordinhos, jarros de vários tamanhos, galinhas, luminárias, baianas, plantas, muro de garrafas pets e um cajueiro frondoso que abriga toda a família em dias festivos. A Mestra, que já não trabalha mais, demonstra um sentimento de dever cumprido na família, na comunidade e na arte de moldar o barro que ajudou a consolidar no estado.

(Cantando)

Padrinho Ciço, fundador de Juazeiro e protetor do romeiro desse imenso sertão /  Padrinho Ciço, fundador de Juazeiro e protetor do romeiro desse imenso sertão / Frei Damião que era nosso capuchinho, ele está com Jesus Cristo, já cumpriu sua missão / Frei Damião que era nosso capuchinho, ele está com Jesus Cristo, já cumpriu sua missão / Eu nunca achei um mestre pra dá ni mim, se já deu já levou fim ou anda no  mundo encantado /Eu nunca achei um mestre pra ni dá mim, se já deu já levou fim ou anda no  mundo encantado / Tô preparado pra brincar, brinco bonito / Eu sou o Mestre Expedito e sou um mestre respeitado / tô preparado pra brincar, brinco bonito / Eu sou o Mestre Expedito e sou um mestre respeitado.

O que faço pra mim é uma arte. Porque nem todo mundo tem essa vocação de ser, de fazer arte.

Meu nome é Francisca Rodrigues Ramos do Nascimento. Conhecida por Fransquinha.

Eu nasci e me criei aqui mesmo no Sitio Tope. Só que não neste lugar que nós estamos. Nós morávamos mais em baixo, no Manguerial.

Depois papai comprou esse terreno e a gente veio morar aqui. E a gente fez as casas da gente perto da casa deles. Então foi aqui que a gente começou a trabalhar.

Quando eu morava lá embaixo eu já comecei a trabalhar com a minha tia, Adelaide, irmã do papai. Eu aprendi com ela a fazer alguidar, prato, tijelinha de tomar café, quartinha (que chama moringa)… Nessa época, a gente usava coisas feitas de barro.

A gente tirava o barro, pisava, peneirava, amassava o barro em casa e depois reamassava e começava a fazer as coisas. Nessa época eu tinha 12 anos. Trabalhei na roça, trabalhei apanhando café, apanhando feijão, milho, fava, arroz, trabalhando por dia. Tudo eu comecei com12 anos. Também comecei a catequizar o povo da minha comunidade.

Depois que eu comecei a trabalhar com minha tia aprontando o barro, ajudando a botar a rodilha nos potes ela me ensinou a modelar. Ela só fazia mais era pote. A gente pegava a tábua, colocava um bolão de barro abria batendo com a mão e modelava.

Aí eu comecei a fazer pote, modelar, botar rodilha e ela ia ajeitando. Até que chegou a época de eu já saber fazer pote. O que eu aprendi com ela eu já fazia, então eu vim fazer em casa, na casa dos meus pais.

Na casa dos meus pais eu fazia meus potes, minhas panelas, meus alguidar, meus pratos, camburãozinho de barro. E todas essas coisas a gente usava. Usava o prato de barro prá comer dentro, a panela de barro prá cozinhar, os camburãozinho de barro prá cuar o café.

Eu me casei com 22 anos, tive oito filhos. Graças a Deus cada qual já tem suas casas, suas famílias. Eu moro só com meu marido mas tenho duas filhas que mora, cada uma , de um lado da minha casa. Qualquer coisa eu chamo.

A minha vida foi uma vida de muito trabalho. Eu fazia pote, vendia, meu marido levava, no lombo de animal, prá vender na feira. Saía pra Tianguá na boca da noite e ia chegar lá de manhã. Era uma viagem muito cansativa mas ele levava pra feira, levava pra Tianguá, pro Quatiguaba, pro sertão. Depois a gente começou a arranjar pessoas pra comprar aqui mesmo no forno e a gente levava pra Viçosa, pra vender na feira.

Antigamente a gente botava os filhos pra ir buscar o barro de secar, o barro de botar de molho. Um menino batia um barro, o outro já amassava, outro já fazia uma acabamento. Eu botei minhas filhas todas pra aprender. Mas só quem ficou fazendo a minha arte foi a Vanusa, que toma de conta do Galpão de artesanato.

A construção do galpão foi um trabalho muito forte que bateu na comunidade. Todo mundo se empenhou no trabalho. Depois que fizemos o galpão a gente trabalha numa mesa sentada, numas cadeiras, porque antes a gente só trabalhava no chão. Sentava no chão e botava a tábua, amassava e remassava o barro e fazia as coisas tudo no chão. Só se levantava para botar a boca no pote ou então em jarro grande. Tudo, tudo era no chão e era ruim. Trabalhar sentada fazendo as coisas na mesa foi uma grande mudança e ótima de boa.

Foi nessa época da construção do galpão, em 1997 que CEART começou a trazer modelo que a gente não fazia, que eles trouxeram de outros lugares. Modelos diferentes, trouxeram as revistas e as coisas foram mudando. O pessoal do galpão ia tirando das revistas, dos retratos e fazendo do mesmo jeitinho que a CEART pedia.

Foi interessante também que de 1997 prá cá foi mudado o nome de loiça pra cerâmica. Foi quando a CEART começou a pedir prá fazer os novos modelos que eles chamaram de cerâmica. Nós dissemos: mas nós não conhecemos como cerâmica. Eles disseram: de agora prá frente é cerâmica.

Porque antigamente quando o povo vinha encomendar peça, perguntavam: onde é que moram as loiceiras? No Tope. O que a gente fazia era loiça. Faz muita diferença prá mim a mudança do nome. Porque agora a pessoa diz que vai comprar barro. Não! Barro é o bolão de barro. Depois de fazer a peça, é outra coisa. É loiça. Hoje a gente já tá acostumado eles chamarem de cerâmica, mas antigamente era loiça.

Em 2004 a gente fez um passeio pra Bahia. E lá na Bahia eu vi muitas baianas, pessoas e baiana feita de barro. Eu botei na cabeça que quando eu chegasse em casa eu ia fazer aquelas baianas. Como de fato… eu comecei a fazer baiana e teve muita saída. Vendi muito. Até para essa minha casa as bonecas foram uma ajuda grande.

Depois eu, por causa da catequização na igreja, comecei a pensar que eu tinha de fazer presépio. E comecei a fazer. Com muito trabalho, muito sacrifício, mas eu fiz.
Fiz presépio grande e depois fiquei fazendo pequeno e tiveram muita saída.

Meu trabalho é uma arte porque o que a gente pensa de fazer – como eu pensei o presépio – eu fiz. E se eu pensar de fazer uma boneca, do jeito que eu quero, eu faço. Então pra mim, o que eu faço é uma arte. Porque nem todo mundo tem essa vocação de ser, de fazer arte. É uma arte e é uma sobrevivência. Porque a gente trabalhou muito na roça. Mas depois a gente já procurou uma arte que ajudava a gente ganhar um dinheiro.

Quando eu recebi o diploma de mestra da cultura eu me perguntei: como é que tinha acontecido aquilo? Porque a minha vida tinha sido muito difícil e prá mim, chegar até ali em cima daquele palco… sendo homenageada… Coisa que a gente nunca pensava na vida. Foi muito forte!