Mestra
16 de maio de 2005
Ipu ( Localidade de Alegria) – Região da Ibiapaba
17 de julho de 1941.
Dona Branca começou a trabalhar com o barro ainda criança. Sua motivação não era por simples brincadeira, o que seria natural por sua pouca idade. Ela queria ter uma renda. Foi com essa determinação que continuou a trabalhar duro para dar conta de sua sobrevivência e de sua família. A mestra, uma mulher de pele clara, olhos azuis e fisionomia tranquila nos passou a sensação de que nada lhe tira a paciência. Com extrema habilidade, que adquiriu com essa larga experiência, ela nos mostrou, sentada no chão, em um canto da sala, local onde costuma trabalhar, como faz de um punhado de barro louças utilitárias.
Eu subi terra de fogo, com alpargarta de algodão. As alpargartas se queimaram eu desci com pé no chão. Desci na ponta da nuvem por um estralo de um trovão. Pisei em terra firme, com dois crucifixos na mão. De um lado São Cosme e do outro São Damião. Em prece acode o cruzeiro da virgem da Conceição.
“Minha história vem de geração pra geração.”
Meu nome é Maria Alves de Paiva. Conhecida por Dona Branca. Sou filha de Antonio Alves Pereira e Nizia Irene de Paiva. Nasci no Bom Jesus e com cinco anos vim pra cá. Me criei na cidade de Ipu. Na localidade de Alegria. Já estou aqui com 75 anos. 70 de moradia na Alegria. Comecei neste trabalho com minha avó. Eu tinha dez anos de idade. Meu pai não queria… mas eu tinha que trabalhar que ele não podia dar o que eu precisava. Eu precisava de uma roupa, de um calçado e ele não podia me dar. Aí eu tinha de trabalhar. Comecei a trabalhar escondido e ele brigava. Dizia que se me pegasse com barro me dava uma pisa. Mas eu sempre trabalhando escondido. Quando ele ia para o roçado eu ia para a casa da minha avó, pegava um bolãozinho de barro, começava a fazer uma panelinha mal feita. E minha vó também brigava dizendo: eu não quero esse bolão de barro porque menino tem as mãos sujas, não faz as coisas direito. Aí eu guardava e ia treinar quando o papai não estava em casa.
Quando foi um dia, minha madrinha, irmã do papai disse assim: Maria, deixa essa panelinha aí que eu vou endireitar. Ela endireitou e ficou bem bonitinha. E aí combinou: quando o compadre Antônio voltar para o serviço você venha para aprender a cortar e a alisar. E assim eu fazia. Papai arranjou cinco cargas de loiça para a cidade de Monsenhor Tabosa, trepado em jumento, levando em animal. Minha mãe então pediu: leve uma loiçinhas que a Maria tem. E ele disse: e a Maria continua pegando em barro…? Minha mãe então disse: deixe Antônio que sua família é toda loiceira. A menina quer aprender a fazer loiça. Eu já ensinei a fazer o croché, ela não se dedicou. Só se dedica e quer o barro. Deixa a menina fazer loiça. E ele falou enjoado: pois vão buscar. Eu fui buscar mais a mãe e ele socou nos garajal e levou para vender. Passou 12 dias de viagem, que era de pé. Quando ele voltou disse pra gente fazer loiças grande porque as miúdas não tinham muita saída não!
Aí eu fiquei alegre porque não fui mais trabalhar escondido, ajeitei as coisas pra trabalhar em casa. Fui trabalhar para o papai e ajudar a criar a família também. Só tinha um dia – dia de quarta-feira – que eu fazia as peças para mim. Ainda ia ver lenha no mato pra queimar e levava as peças na cabeça daqui pro Ipu. Aquele dinheirinho, se eu fizesse 10 tostões, era cinco tostões pra mim e cinco tostões para a minha mãe. Dali eu ia juntando para comprar um vestido. Porque de um vestido de saco não passava. Saco de açúcar porque papai só dava outro quando não cabia mais remendo, e comprava outro saco de açúcar e minha mãe fazia um vestido. Calçado não tinha. Eu ganhei uma afilhada, com 12 anos de idade. Fui ser madrinha de uma menina. Tinha um vestidinho de dois pedaços mas não tinha a chinela. Mas com o continuamento do meu trabalho eu fui me vestindo, calçando e ajudando meu pai a criar os irmãos, que a família também era grande. Nós éramos dez irmãos.
Me casei cedo, com 16 anos. E fui começar a criar os filhos. Tive três anos encarriado, foi três meninos. Redobrou mais o trabalho, mas graças a Deus eu criei, Deus criou, que a força é de Dele. Quem ajuda a gente é Deus. E até hoje eu ainda estou fazendo.
Eu comecei a fazer panela e prato. Depois eu fui fazer cuscuzeira, tacho e panela de planta, jarro de planta e agora eu tirei da cabeça este jarro que eu tô fazendo. Foi tirado da cabeça, que ninguém fazia. Fiz também peças com arabesco. Foi o Tulio, no curso que eu fui fazer, que deu nome de arabesco,. Mas eu já fazia de cabeça. Essa pecinha… aí mudou muitas coisas… aprendi fazer botija, porquinhos, aprendi a fazer jarra, pote de carregar água, que a gente carregava água na cabeça. Muitas outras coisas, potinho de leite, torrador, alguidar, muitas peças de loiça. Toda peça de loiça eu sei fazer. Jarro de parede. Tudo. Todo jeito eu faço um jarro. Filtro, filtro de barro eu sei fazer e faço.
Depois da idade, com mais de sessenta anos, chegou um senhor aqui, e me entrevistou e mais duas pessoas. Mas das três entrevistadas a história que valeu foi a minha. Minha história vem de geração pra geração. Veio dos meus bisavôs. Eu não conheci, mas eles eram loiceiros. E eu aprendi com a avó. E as minhas filhas eu ensinei e quiseram as loiças. Minhas meninas tudo queriam ser loiceiras. Minhas loiças não são melhores que as das outras que foram entrevistadas. O que mais valeu foi a história. Quando foi em agosto de 2005 eu fui chamada para receber o certificado de Mestre, no Crato. E tá pendurado na parede. Foi uma benção que Deus me deu. Que nunca pensei que meu trabalho, depois da idade fosse tão valorizado como foi. Lá no Crato fui convidada para ir ao primeiro encontro dos mestres, no Limoeiro do Norte. 16 de agosto eu fui receber o certificado e dia 24 fui para o encontro em Limoeiro do Norte. E daí todos os anos tinha os encontros pra a gente ir. Que eu nunca pensei. E tô hoje com muita força e coragem e vontade.. que eu quero bem meu serviço. Eu gosto do meu serviço. Eu amo meu trabalho.
Ser mestra é uma felicidade, é uma benção. Porque ser mestre é o saber. É saber e aprender mais. Quando a gente se acha no meio dos outros mestres ver que sabe e também vai aprendendo mais. Com a união, com a felicidade, com o prazer… Eu sou muito feliz com o meu trabalho, com a minha cultura. Por causa dela que eu ganhei o certificado de mestre da cultura.
Eu ensinei a cultura do barro para as minhas filhas. Eu botei as minhas seis filhas mulher, com sete anos de idade, para trabalhar, cavar barro e ir fazendo as peças porque eu não podia dar o que elas queriam. Elas tinham de trabalhar para comprar as coisas delas. Tudo são loiceiras.
Porque nas antigas, na era de 1950 o tempo era muito difícil. Não é como agora que você tem tudo nas mãos. Agora menino não trabalha, menino é só pra estudar e vai pro colégio e não estuda. No meu tempo as coisas eram muito difícil. Se você não trabalhasse você não se vestia, nem se calçava.
O trabalho de fazer loiça eu penso que não vai se acabar porque eu já tô dessa idade e faço, tem outras mais novas que tem gosto de fazer, tem outra mais velha do que eu que também tem gosto. Minhas filhas não deixam de fazer também. Eu penso que não se acaba não! Não pode se acabar essa cultura de loiça. Só se não vender mais de jeito nenhum. Porque tem muita saída aqui pra Fortaleza,
Para fazer a loiça de barro primeiramente eu vou no barreiro, trago um barro vermelho. Volto e despejo em uma vasilha. Vou pegar um barro roxo na baixa. Junto os dois e vou aguando. Agou quatro vezes pra ele ficar no ponto de amassar e começar a fazer a massa com uma areiazinha do riacho também. A gente tem que amassar com a areia e é desse jeito. Se eu fizer hoje, se for um alguidar ou um prato, já tá boa de queimar. Pra queimar eu enfurno no forno, cobre com uns caco todinho, bota o fogo fora da boca do forno e vai botando só as brasas pra ir esquentando. O vapor vai subindo. Com uma hora você bota o fogo mais pra dentro do forno. Com quatro horas pega um pouquinho de água e salpica em cima dos cacos e quando está chiando aquela água em cima, aí pode encher o forno de lenha. Aí caldeia, fica vermelha assim. Aí tá no ponto!
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