Mestra
26 de fevereiro de 2019
Crato (Região do Cariri)
6 de agosto de 1940
Dona Edite é mãe de 10 filhos e avó de muitos netos. E eles vivem todos perto. Assim a casa está sempre povoada e ela com sorriso, boa vontade e solicitude. Conversamos no pátio onde acontecem os ensaios e a reunião para trabalhos coletivos. Formou-se um plateia dos participantes do grupo: crianças, pais dos brincantes e as mulheres que vieram fazer uma roda de coco para a gravação. Relações muito verdadeiras e alegria de partilhar a vida juntas.
“A nossa ideia foi sempre de ter essa união das mulheres.”
Eu sou Edite Dias de Oliveira Silva que mora aqui no Crato, nesse bairro Batateiras, desde os anos de 1969.
Eu vim de Pernambuco, da cidade de Bom Conselho. Cheguei aqui pra criar minha família. Sou agricultora. Quando vim aqui eu tinha 4 filhos que trouxe de Pernambuco. Aqui nasceram mais uns 6. E nós, eu e meu marido, criamos os nossos filhos indo para roça. Uns estudando pela manhã e trabalhando à tarde, outros estudando à tarde trabalhando pela manhã. E demos continuidade a nossa vida.
Depois com 56 a anos de casada, fiquei viúva. E fiquei tocando o barco, sozinha, com essa turma minha. E, com fé em Deus, pensando de ir até na frente, ainda muitos anos.
Quando eu cheguei aqui no Crato, esse local onde estamos era muito esquisito. Não existia essas casas que se tem hoje. Era uma casinha aqui e outra lá mais na frente. Bem distante. Era uma época muito difícil para se estudar. Mas quando eu cheguei aqui também tinha dificuldade para esse pessoal que morava aqui. Chegou então as aulas do Mobral e do MEB. Foi quando, uma pessoa me levou para fazer o treinamento do Mobral e eu fiquei sendo uma monitora do Mobral, dando aulas para os analfabetos, de 13 a 60 anos. Na escola do Mobral criamos nosso grupo do coco.
Isso foi em 1979. Falaram para nós que iria ter a Semana do Folclore e era para a gente levar uma turma para se apresentar na Praça da Sé. Foi o Senhor Eloi Teles quem falou para a gente ir se apresentar lá com os alunos. Em uma das salas, tinha um casal; ela sabia dançar o coco. Na outra, uma aluna que sabia cantar as músicas do coco. A gente combinou de juntar as duas salas e formar a dança do coco. Foi muito bom, todo mundo gostou e aplaudiu. Foi uma coisa maravilhosa. Nós adoramos essa dança. Nós gostamos mesmo de verdade e demos continuidade. E ficamos brincando.
Quando foi desativada as aulas do Mobral e do MEB a gente ficou brincando na comunidade. Nas casas das amigas, das vizinhas da gente, das mães dos alunos que estudavam com a gente. Nas noites de São João e São Pedro, nos batizados, em renovação. A gente fazia as festinhas em casa com a dança coco e ficamos desde essa época até hoje. No grupo de dança, dançava todo mundo da comunidade. Era desorganizado mas todo mundo dançava.
E eu imaginei: será que não era melhor a gente formar um grupo? Tinha a Associação das Mulheres do Crato. Então, foi na Associação das Mulheres do Crato que a gente combinou de fazer o grupo de senhoras. Na época, era todo mundo jovem. Eram todas bem novas. Não era essa idade que estamos hoje. Não tinha ninguém dessa minha idade agora. Era tudo jovem. A gente deu continuidade.
Depois veio a orientação do Mestre Eloi para a gente convidar os maridos da gente para dançar também. Quando a gente convidou eles não aceitaram, não queriam dançar. Alguns, se tivessem incentivo tinham ido. O meu marido, pelo menos, ficou calado, mas muitos diziam: “Eu vou lá dançar isso. Isso é dança de corno, é dança de viado, isso é dança para cabra sem vergonha. Vou dançar coco, não”. Seu Eloi orientou de novo: “vocês façam assim: vocês fazem umas roupas de homem e vestem em uma mulher. Aí fica um cavaleiro e uma dama. E vocês vão dançar o coco.” E foi isso que nós fizemos até hoje. Foi uma beleza!
No grupo eu danço, organizo e faço tudo. Só não faço cantar nem bater instrumento nenhum. Até hoje, nós continuamos essa jornada e vamos até em frente até quando Deus disser chegou a hora de terminar. Eu tenho fé em Deus que não vai terminar porque a gente já está criando esses grupos pequenos é para dar continuidade. Porque o grupo dos pequenos é formado pelos filhos de quem dançou com a gente desde pequenininha. Que começaram lá atrás com seis e quatro anos a dançar o coco. E hoje os filhos já dançam o coco também. Eu confiando nelas e fé em Deus para elas deem continuidade a esse grupo quando eu não existir mais.
Quase todo mundo que me pergunta o que é ser uma mestra, eu ainda não entendi para dizer essa resposta. Eu acho que é a gente saber organizar uma coisa e aquilo que a gente organizou tem um futuro e tem uma segurança para que alguém não chegue dê um sopro e apague. É isso que eu acho que seja uma mestra, é a pessoa que sabe fazer isso.
Ser Tesouro Vivo eu ainda não achei o que foi que mudou. Estou achando que mudou umas coisas e outras não. O que mudou foi um orgulho, dentro do grupo e as perguntas de por que por que tinha sido eu a escolhida. Mas não foram todas. Com o meu dinheiro eu estou dando continuidade na melhoria: comprar cadeira, mesa. Não tinha nada, nós já temos as mesas as cadeiras. Tem esses panos para gente enfeitar aqui fora. Com isso, eu estou levando.
Sou reconhecida como o grupo do coco. Eu fique feliz por que era uma luta que já vinha de muitos anos, de muito tempo. Pelejamos, pelejamos, pelejamos. Quando foi em 2018 deu certo. A gente já tinha mais material mais trabalho, mais CD, DVD, mais história. A gente já tinha o grupo das mulheres saboeiras – que faz sabão. Já tinha o grupo das bonequeiras, o grupo das mesinheiras. Com tudo isso a gente fez um caderno de trabalho e reforçou mais o trabalho da gente.
O grupo de criança tem 10 participantes. E é muito importante o estímulo dos pais quando eles querem que as crianças venham. E também quando elas estão interessadas para vir pra brincar com a gente, por que a gente sempre dá uma coisinha pra eles brincar. A gente dá um bombom, dá um brinquedo, uma bolinha, qualquer coisa quando eles terminam de brincar. Dá uma merenda. E brinca com eles. Fica aqui a vontade e eu acho que por isso que eles vêm. E tem umas mães que se interessam de trazer o filho. Tem filho que nem quer vir, mas a mãe fica incentivando até que eles aceitam e vem.
Repassar o saber não é muito desafio. Segurar eles grupo é que é difícil. Por que já vamos com o terceiro grupo de criança e quando completam 12 ou 13 anos já não querem mais vir. Querem namorar, casar, ter os filhos. A dificuldade é sustentar um grupo para que ele vá em frente igual a gente faz com esse hoje, nessa idade nossa dos mais antigos.
Eu convido muitas pessoas para participar da dança do coco. Convido para vir e ouvir as histórias da dança do coco. E ver como é a coisa linda, maravilhosa. Todo mundo que vem na primeira vez fica encantado com as velhinhas sapateando o coco. E tem gente nova doida para dançar e não aprende. Acho que não interessa. Devem ter vergonha, ou uma coisa assim, porque não é tão difícil, é fácil. As roupas continuam com o mesmo modelo de antigamente.
Eu acho que eu ainda estou nesse pique devido a essa dança do coco, porque é uma terapia, uma saúde para gente. Por que a gente pode estar “incriquiadinho” sem coragem de acender um cigarro, nem beber um gole de café. E vai dançar um coco!!! Quando a gente volta vem que nem uma pimenta malagueta vem queimando mesmo. É uma beleza dançar a dança do coco para os ossos da gente.
Se eu não dançasse a dança do coco ou eu já tinha morrido ou estava que nem as outras que não dançam, ou da minha idade, ou mais nova. Tem tanta gente mais nova do que eu que já vive paralítica em cima de uma cadeira, numa cama, num canto. Por que além da dança coco a gente ainda tem três dias de exercício aqui no CRAS de perto.
No grupo de mulheres somos 17. Começamos com 17 e ainda hoje continuam. Mesmo sem as seis que já faleceram. Assim que a gente percebe que a pessoa não pode mais vir a gente substitui. Para o grupo continuar.
As 17 são amigas do peito. Vamos na casa uma das outras, a gente se junta para fazer sabão, se junta para fazer xarope. Somos sete que faz xarope, remédio caseiro. A gente faz lambedor, faz boneca, faz tapete de fuxico, faz um monte de coisinhas.
Quando nós criamos essas atividades, a gente já estava com um grupo. A gente já sabia fazer, mas não praticava, só dentro de casa com o povo da gente. Uma reza, um xarope. Só que depois a Cárita Diocesana levou a gente para fazer um treinamento de meisinheiras. E a gente fez uma oficina no Sítio Jenipapo. Fizemos outra na Praça da Sé e fizemos outra no pé da Serra Raimundo Pinheiro, Com essas três oficinas fomos receber reforço lá no São Miguel que lá tem uma mulher que faz meisinha. E lá recebemos o diploma e se espalhamos fazendo o remédio, e fazendo tudo que a gente sabia. A gente sabia, mas não praticava.
E a nossa ideia de praticar foi de ter essa união das mulheres. As mulheres juntas, porque as mulheres fazem a força. E o lugar das mulheres é aonde ela quiser estar, do jeito que ela quiser e do jeito que ela estiver. Nome disso agora é empoderamento, né?! E os homens?… Eles ficam só olhando.
E estamos pelejando para aprender mais coisa, porque a gente nas feiras leva essas coisas para vender. Todo mundo leva um pouquinho de coisa: meisinha, remédio, de pó, de xarope, defumador, de banho e reza também, a gente leva um pouquinho das rezas, por que tem gente lá que diz você levantou fulano, reze em mim também. E gente tocando vai o barco pra frente. Tudo dentro do grupo do coco.
99th Keliling street, Pekanbaru
62+5200-1500-250
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