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Mestra

Dona Rita

Rita de Cássia da Cunha

Mestra Doceira (Fartes)

Publicação no Diário Oficial do Estado

15 de maio de 2018

Cidade/Residência

Sobral ( Sertão de Sobral )

Nascimento

4 de dezembro de 1933

Relato de Viagem

Ao chegarmos na casa de Mestra Rita, no centro da cidade de Sobral, fomos recebidos por Tomásia, sua sobrinha. Contrastando com a quietude da tia, Tomásia a quem dona Rita reputa a continuação de seu legado, era puro burburinho. A Mestra estava meio insegura para nos contar sua trajetória. Numa demonstração de modéstia, ela parecia não entender que a maestria com que executa os Fartes lhe valeram um título de destaque na Cultura do Ceará. Já Tomásia… E foi nessa mistura de humores que conversamos com Dona Rita, na cozinha de sua casa. Aos poucos, ela ficou mais a vontade, nos mostrou como faz os doces e, para nosso deleite, nos presenteou com algumas caixas recheadas dessas iguarias de origem portuguesa.v

(Cantando)

Padrinho Ciço, fundador de Juazeiro e protetor do romeiro desse imenso sertão /  Padrinho Ciço, fundador de Juazeiro e protetor do romeiro desse imenso sertão / Frei Damião que era nosso capuchinho, ele está com Jesus Cristo, já cumpriu sua missão / Frei Damião que era nosso capuchinho, ele está com Jesus Cristo, já cumpriu sua missão / Eu nunca achei um mestre pra dá ni mim, se já deu já levou fim ou anda no  mundo encantado /Eu nunca achei um mestre pra ni dá mim, se já deu já levou fim ou anda no  mundo encantado / Tô preparado pra brincar, brinco bonito / Eu sou o Mestre Expedito e sou um mestre respeitado / tô preparado pra brincar, brinco bonito / Eu sou o Mestre Expedito e sou um mestre respeitado.

“O Fartes é um pastel de forno. Eu fui fazer porque eu gostava de comer.”

Meu nome é Rita de Cássia. Eu nasci em Sobral numa casinha bem pequena. Eu morava lá com a minha mãe. Depois a gente foi crescendo, eu e meus irmãos, que são quatro. E a gente vivia nessa casinha. Aí depois minha vó disse que tinha uma casinha pra vender por cinco tostões. Então a gente comprou.

Aí começou aumentando a casa de pouco. Comprando de pouco, e fazendo e terminando e a gente foi crescendo. Eu trabalhava de ajudante de costureira, fazia chapéu. Aí a gente foi levando a vida dessa maneira.

Agora os doces… A minha madrinha Semírames, era quem fazia os doces de Sobral. Na época só tinha ela. E eu entrava muito lá na casa dela para ver ela fazer. Eu sempre gostei de cozinha. Achava bom porque tinha doce. Ela fazia pastel, fazia sequilho, queijada. Eu achava bom e fazia parte também. O povo encomendava e ela, às vezes, dizia que não queria fazer porque era muito trabalhoso. Fui vendo ela fazer e pensei: vou aprender. Olhava… até que eu aprendi.

O Fartes é um pastel de forno. Antigamente era grande e agora é pequeno. Minha madrinha que me ensinou. Ela nunca falou de onde veio. Nunca teve receita. Nunca falou nada. Acho que foi da cabeça dela. Juntou as coisas, foi experimentar e deu certo.

Fazer fartes é difícil porque é muita coisinha para fazer. Os ingredientes são: farinha de trigo (se faz a massa), castanha, gengibre e farinha de mandioca (a castanha, o gengibre e a farinha de mandioca, tudo misturado eu piso para o recheio). Faço uma massa bem fininha e no rolo vou fazendo os pastéis. Tem também o mel. E depois de prontos eu passo o mel e açúcar por cima. Dá trabalho muito. Demorado. Porque é um doce difícil!

Comecei a fazer. Tinha pouco encomenda. Talvez uma vez por mês. Mas o pessoal foi dizendo que estava bom. Começou essa fama desde a reportagem do Diário do Nordeste. Eles queriam fazer uma reportagem , e eu disse: pode vir. Quando saiu no jornal , aí era gente, muita encomenda.

Fartes é doce de adulto. Pouca criança gosta. Eles comem e quando arde, eles botam pra fora. É mais para gente grande. O povo mais antigo gosta. Eu fiz no dia dos cem anos da minha Madrinha. Quando ela fez cem anos eu disse: eu vou fazer fartes. Fiz ! As pessoas que estavam lá, mais velhas e também os mais novos, começaram a comer e gostar. Ficaram perguntando: quem faz, quem faz? Eu disse que eu tinha feito.

Eu fiz muito fartes para o Renato Aragão. Ele vinha para Fortaleza e a Dona Ivete, que mora aqui, a irmã dele, encomendava logo os fartes. Ele gostava muito. E o Padre Zé Linhares também gostava muito. Toda vida que ele vinha, o pessoal encomendava esperando ele chegar. A gente faz também para casamento, aniversário de 15 anos. Quando eles fazem as festas, eles encomendam. Mas a maior encomenda foi a de Giovane Sabóia. Fiz 300 fartes. A Dona Minerva Santos também encomendava muito.

O título de Mestre me deram por fazer um dos doces mais antigos e tradicionais, com muita perfeição. Todo mundo falava, muito jornal, foi até televisionado. Eu nem gostava muito das reportagens, porque eu não gosto de me mostrar. Mas o titulo mesmo é muito importante. E ser mestre é repassar o que se sabe para os outros. Para quem quer eu repasso, eu ensino.

Depois que eu fiquei Mestra, as encomendas aumentaram. Achei bom também porque fui receber o título de doceira de Sobral. O pessoal escrevia no jornal, saiu numa revista também. Uma revista que tinha todas as doceiras; quem fazia doce antigo. E até o bumba-meu-boi de Sobral fez eu ser homenageada do carnaval.

Quem vai ficar fazendo os fartes é Tomásia Maria Cunha. Ela gostava muito e se interessou e eu ensinei a ela. Eu entreguei e ela tomou conta e até hoje ainda faz. E, às vezes, faz melhor do que eu. Também eu fiz uma oficina, “Doces Lembranças”, na Casa de Capitão-Mor. Eu fiz durante dois anos. Todas as terças-feiras. Era para 20 pessoas e deu muito mais.

Eu mesma não como muito fartes hoje. Só um ou outro. Já comi muito. Eu fui fazer porque eu gostava de comer. Para quem nunca comeu eu digo para experimentar. Sempre acham bom.