Mestra
23 de outubro de 2015
Cascavel (Sítio Moita Redonda) - Região do Litoral Leste
3 de julho de 1939
Dona Tarina é uma mulher firme e resoluta. Estes dois atributos foram fundamentais em seus 78 anos de vida e de labuta. Duas palavras permearam nossa conversa: o barro e o trabalho. No terreno herdado da mãe hoje há varias casas: a dela – onde vive com o marido e uma filha, as de outros filhos e a sua oficina, onde passa muitas horas do seu dia sentada no chão trabalhando. Dezenas de peças armazenadas na oficina e, em praticamente todos os cômodos de sua residência, dão a dimensão do trabalho que ela faz questão de fazer todos os dias, “para se entreter”.
Eu subi terra de fogo, com alpargarta de algodão. As alpargartas se queimaram eu desci com pé no chão. Desci na ponta da nuvem por um estralo de um trovão. Pisei em terra firme, com dois crucifixos na mão. De um lado São Cosme e do outro São Damião. Em prece acode o cruzeiro da virgem da Conceição.
“Barro é uma coisa da gente. Se não fosse o barro a gente não vivia.”
Meu nome é Maria Quirino da Silva e me chamam de Tarina. Na Moita Redonda todo mundo me conhece como Tarina. Eu eu moro aqui, no terreno da minha mãe. Nasci e me criei e hoje ainda estou aqui. Estou na idade de 78 anos e ainda moro aqui no terreno da minha mãe, a Deus querer.
Antigamente, quando era pequena, comecei a trabalhar com oito anos com minha mãe. Ela fazia as quartinhas. Ela cortava e eu alisava e relava mais minha irmã. Minha mãe criou a gente com a quartinha porque meu pai morreu eu tinha 4 anos de idade. A quartinha era um trabalho da tradição. Antigamente era o pote e a quartinha. Muita gente que eu conheci, que já morreu, tudo trabalhava somente na quartinha e no pote. Depois foi que veio as panelas, os pratos, essas loiças diferentes.
Foi minha mãe que me ensinou a trabalhar no barro. Eu fazia as quartinhas bem pequenininhas. Aí ela dizia que estava malfeita. Tornava a fazer de novo. E fazia de novo até quando ficasse bem-feita. Trabalhava todo dia, junto com ela. Minha avó também trabalhava no barro. Eu trabalhei com minha avó, depois com minha mãe. Com minha mãe foi que nós continuamos. Eu, meus irmãos, minhas irmãs… Todo mundo trabalhava no barro. Eu fazia 20 quartinhas todo dia, antigamente, quando era moça. Amassava o barro, cortava, alisava, relava e fazia 20 quartinhas todo dia. Por semana fazia um cento de quartinha. Quando era sexta feira queimava e vendia.
Continuando, fui trabalhando, crescendo e me casei e tive 15 filhos. Depois que eu me casei comecei a fazer outro trabalho. Eu e meu filhos que sempre me ajudavam, começamos a fazer a jarra, a panela, o pote, o prato, a bacia e a quartinha também. Os 15 filhos criei tudo com o barro. Trabalhando de dia e de noite. Vendia no Cascavel. Todo sábado eu vendia no Cascavel. Sexta feira eu queimava no forno. Carregava lá prá fora. Vinha um carro buscar. E eu ia de madrugadinha, negócio de 4 horas, cinco horas já tava lá. Vendia minhas loiças, os potes, as quartinhas, panela, prato, tudo o que eu fazia. Botava lá e vendia e depois comprava minha comida. E assim fui vivendo e criando tudim.
A maior graça que Deus me deu foi o barro. Desde que eu nasci vivo com o barro, criei meus filhos com o barro. Tudo o que eu tenho é do meu barro, graças a Deus. O barro é a felicidade pra todo mundo que trabalha na Moita Redonda. Porque aqui todo mundo trabalha em barro. Barro é uma coisa da gente… Se não fosse o barro a gente não vivia. O barro é que é nossa felicidade e nós viemos tudo do barro, né?!
Aí foi o tempo que chegou o seu Técio, do projeto Beija Flor. Chegou na Moita Redonda convidando o pessoal mais de idade pra gente ensinar o povo, as crianças nos colégios. E nós fomos para Cascavel. Eu e as meninas pegamos a trabalhar e veio muita gente, alunos. Foi o tempo que seu Técio começou o trabalho do Espaço do Barro. Graças a Deus seu Técio e Dona Sabina, mulher dele, são pessoas boas que gostam muito de ajudar a gente.
Um dia a gente eu tava lá na casa da Dona Sabina e ela viu esse projeto do Tesouro Vivo e ela botou meu nome. Foi ela que me ajudou nesse projeto. Quando passou um tempo ela e Técio me disseram: Dona Tarina, a senhora ganhou o projeto da cultura. Eu disse: que coisa boa! E foi aquela alegria medonha! Graças a Deus foi bom demais pra gente! Eu fiquei muito alegre, muito feliz, eu gostei muito. Tenho que agradecer muito a Deus e a eles que fizeram essa bondade pra mim. Sou muito feliz porque estou recebendo, todos os meses estou recebendo o tesouro vivo.
Eu ensino muito. Já ensinei muito também. Já fui pro Rio de Janeiro, com seu Técio e Dona Sabina. No Dragão do Mar, em Fortaleza, eu fiquei três dias lá ensinando. Seu Técio levou os instrumentos pra tocar, eu levei minhas loiças pra vender e lá eu dava o curso. Já ensinei no colégio de Cascavel. Os meninos do colégio tem a animação de ver e fazer o que eles têm vontade, se animam pra fazer aquelas peçinhas de barro. Nos passamos bem seis meses ensinando por lá. No SESC Iparana, por exemplo, quando eu chego as meninas ficam tudo atrás de fazer a oficina. A gente leva o barro pra amassar e leva todo o material: a rodeira, a placa, o pau… Leva tudo. Aí as meninas, de idade mesmo – não é só criança não – tem vontade de fazer e eu ensino. Quando eu chego lá, ave maria, é a maior festa! É como eu digo: tem que ensinar, pra todo mundo aprender, pra poder ter o pé de nunca se acabar. A gente ensina o pessoal que quer aprender pra poder não se acabar a tradição do barro.
Toda qualidade de peça eu gosto de fazer. Mas a quartinha e o pote é o que eu acho melhor porque é peça antiga. Agora o povo inventou essas peças pintadas, muita loiça, tudo pintada. Tem o toá vermelho que a gente passa pra relar com a semente de mucunã. Depois de relar com a mucunã a gente vai riscar com toá branco. Só riscado. Eu não gosto de peça pintada com tinta não. Eu gosto somente ela de tradição mesmo. Os desenhos a gente faz da cabeça da gente. Faz um imbuá, uma flor, uma cobra. O que a gente pensar na cabeça a gente faz. Tem um pauzinho pra pintar com toá branco e fazer o desenho das quartinhas. Depois de riscar aí vai queimar no forno.
O trabalho mais dificil é cortar e alisar. Pra fazer a peça num instante a gente faz. Mas pra cortar, alisar e relar é que dá mais trabalho. Porque tem de cortar bem cortadinho com uma faca, depois de cortar tem que alisar com um pau ou sabugo, depois vai alisar com o pau bem alisadinho, depois vai passar o toá, depois relar com a mucunã pra poder ter o pé de ficar bem reladinha. Quando ela tá brilhando bem reladinha bota num canto pra secar. No dia que vai queimar é que risca. Faz aqueles bordados. Dá trabalho minha filha! Tá por fora! O trabalho do barro é uma tradição que dá muito trabalho a gente.
Antigamente a gente vendia muito pote. Pote pra água. Agora as pessoas não querem mais os potes porque diz que tem geladeira. Mas a gente faz sempre! Quem chegar um dia precisar comprar uma quartinha, que tem muita gente que tem vontade de ter. Eu bebo água de pote! Eu não gosto de água de geladeira. E muita gente não gosta também. Muita gente quer beber água do pote porque a geladeira….muita gente vai beber água gelada e cai é doente. Do pote não! Você vai e bebe toda hora!
A venda tá mais fraca. Muita gente não vende quase nada. A gente vai para uma feira vender a loiça e chega lá pouco vende. Aqui no Cascavel era pra ter uma feira boa, pra gente vender essas coisas da cultura. Não tem. Na feira que tem em Cascavel, não tem um lugar pra gente. Eu vendia no Beberibe, deixei até de ir. Tem vezes que a gente vende e tem vezes que não vende. E é o povo a dizer: eu quero é panela de alumínio, eu quero é a geladeira. Mas a gente faz. Tem de fazer. Fazer e guardar. Um dia chega uma pessoa, gosta e compra. Ninguém vai deixar de fazer o barro.
Inventei de fazer umas bonecas e o povo está gostando. Já mandei pro Rio de Janeiro. Mandei 15. Vendeu. Mandaram dizer que gostaram muito das bonecas e pediram mais 400 peças. Faço o “udu” também, da música do seu Técio. É a quartinha mas chama “udu” porque a gente faz aqueles buraquinhos que é para tocar. Quem inventou foi seu Técio e a gente fez o instrumento do barro. Eu faço meu trabalho com muita vontade. Porque eu tenho vontade de trabalhar. Eu tenho 78 anos mas, graças a Deus, ainda trabalho no barro. Se fosse outro nem pegava mais. Eu ainda faço.
O barro vai acabar não. Se acaba não! É uma tradição pra nunca se acabar. Que venda, que não venda. Até um dia arranjar um freguês, um canto, uma pessoa que compre. Mas se acabar? Se acaba não! Porque a gente vai morrendo e os filhos se interessando vai fazendo. Muitos não querem, mas muitos já aprenderam. Muita gente que sabe fazer não vai deixar de fazer seu barro.
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