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Mestra

Expedita Moreira

Expedita Moreira dos Santos

Mestra na Dança de São Gonçalo

Publicação no Diário Oficial do Estado

04 de março de 2010.

Cidade/Residência

Tianguá ( Sítio Croatá) - Região Norte

Nascimento

09 de outubro de 1939.

Relato de Viagem

O caminho até o Sítio Croatá é de vias sinuosas de terra, que serpenteiam e avançam sobre um local ainda pouco visitado. Foi tateando, por assim dizer, e contando com informações dos transeuntes, já que por aquelas bandas o sinal do GPS não era favorável, que chegamos até a casa da Mestra. Era final de tarde e o clima ameno da serra àquela hora já se fazia sentir. Ela nos atendeu desconfiada. Explicou que não andava bem de saúde. Combinamos então voltar no dia seguinte. Ela já estava mais tranquila, se arrumou, colocou as roupas da dança de São Gonçalo e conversou conosco na varanda da casa, sob o olhar do bichano de estimação e de onde podíamos ver a plantação de bananeira e seu jardim de hortênsias e rosas-meninas bem cuidadas.

“Uma pessoa que recebeu a categoria de ser mestra é porque alguém entendeu que ela dá conta da tradição. E eu dei conta mesmo!”

Meu nome é Expedita Moreira dos Santos. Nasci em Taboca, município de Ubajara. Casei no dia 18 de novembro de 1960 e vim morar aqui em Croatá, município de Tianguá. E fiquei continuando só tendo filhos, tendo filhos. Tive 13.

Já tenho passado por muita coisa, mas eu mesma me acho forte porque eu ainda hoje me acho assim autorizada da minha saúde, da minha memória, graças a Deus.

Meus pais eram pobres e me botaram pra trabalhar na idade de dez anos. Eu era pequena. Nesse tempo uma criança com dez anos, era criança. Comecei a trabalhar no roçado.

Nós também fazíamos chapéu, da boca da noite até duas horas da madrugada. Vendia a 2 tostões um chapéu, na Ubajara. Mas dava para nós nos vestir bem, calçar bem. E como se diz: ”era um tipo de luxar”. Eu fui parteira 30 anos. Depois entrei no trabalho de agente de saúde, trabalhei 18 anos como agente de saúde.

Quando eu me entendi no mundo já tinha o São Gonçalo, a dança. Era tudo de saia longa, chapéu na cabeça, enfeitado. Com dez anos eu já comecei a dançar o São Gonçalo. Aí quando chegou a era de sessenta, eu me pus moça, me casei, tive filhos e foi aparecendo muito movimento, televisão, essas coisas e o São Gonçalo ficou pra trás. O derradeiro São Gonçalo que eu dancei, antes de casar, foi em 1958.

Quando foi na era de 2000, uma filha minha chegou aqui e disse: mamãe vamos fazer uma dança aqui! Ela perguntou se eu ainda sabia fazer a dança e eu respondi: sei minha filha. Chegou tudo na minha cabeça, no fundo do poço, da minha memória. E eu dei conta, mesmo eu na idade de cinquenta e tantos anos. Aí ela disse: vamos fazer. Ajeitamos aqui com as mães, compramos o enxoval – esse primeiro enxoval foi comprado com o nosso dinheiro. Botei 24 pessoas. O primeiro São Gonçalo foi aqui na minha casa. E aí passamos a ser chamadas para apresentação em Olinda, Tianguá, Ubajara. Pra toda parte. No Limoeiro, a gente foi para o Encontro dos Mestres. Só nunca fomos pra Fortaleza.

Eu tinha gosto de preparar o grupo. As roupas, a costureira fazia mas eu era que enfeitava. Com a continuação, uma filha minha adoeceu, morreu. Meu tocador do São Gonçalo também morreu, já era velhinho, 88 anos. Eu também adoeci. Mas eu não quero que se acabe não! O que eu espero é ficar uma pessoa no meu lugar. É o que me vem no sentido, eu ainda ensinar um grupo pra ficar uma pessoa no meu lugar. Eu ainda tenho os apontamentos… enquanto eu for viva e puder movimentar, eu movimento e posso doar para qualquer pessoa que eu ensinar.

Eu mesma fui dar aula em Ubajara, um mês. Cinquenta pessoas. Cinquenta idosos , foi muito lindo, foi maravilhoso. Lá o vestuário foi todo branco. Depois eles vieram para cá. E foi uns festejos muito grande.

A dança é tradição. Pode ser dançada em qualquer dia. A festa do santo mesmo é no mês de julho. Para fazer a dança a gente forma duas filas. Tem o rapaz que representa São Gonçalo, a gente chama o Gonçalo vivo. Ele representa junto comigo e a gente faz as duas filas, tipo quadrilha.

Aí faz a caminhada cantando, busca dois lá atrás e vem na frente onde está o tocador e o altar com São Gonçalo. Os primeiros que fazem a dança, sou eu o Gonçalo vivo. Eu começo. A gente faz um “m” – imprialzinho um “m”. E quando é para terminar a gente faz um “T”. É importante o povo saber da dança. O povo gosta. E é uma dança religiosa com as pessoas bem vestidas mas tudo com os pés descalço.

Quando eu fui escolhida para ser a mestra da cultura eu fiquei muito feliz. Eu acho que uma pessoa que recebeu a categoria de ser mestra é porque alguém entendeu que ela dá conta da tradição. E eu dei conta mesmo. Graças a Deus!

Eu era muito feliz quando as pessoas me chamavam para ir pra frente da igreja, para as praças, polo de lazer em Tianguá. Em toda parte que a gente ia, eu sentia uma felicidade muito grande. Ai fez essa paradeira. Fico com uma saudade… Mas eu sou uma pessoa que ainda penso de levantar o grupo. Se conseguir minha saúde, eu vou levantar, Mas só com as crianças. Eu gosto e sei fazer… Eu sonho fazendo minha dança de São Gonçalo.