Mestra
04 de março de 2010.
Cascavel (comunidade Balbino, distrito de Caponga) - Região do Litoral Leste.
15 de dezembro de 1943.
Uma estrada de areia branca que ladeia o mangue do distrito da Caponga, dentro do povoado de Balbino, conduz a um coqueiral onde a Mestra Francisca mora com seu marido, na última casa, antes da duna. Em um primeiro contato, sua fala mansa não deixa transparecer a força e a firmeza da líder que esteve à frente da luta pela preservação das moradias e da terra dos nativos da sua comunidade.
À sombra do cajueiro ao lado de sua casa, acompanhada do som de uma insistente cigarra, ela nos falou com clareza de como viveu e fez da renda de bilros um trabalho e uma terapia. E ainda nos brindou com um suco de caju para refrescar o calor do litoral.
Padrinho Ciço, fundador de Juazeiro e protetor do romeiro desse imenso sertão / Padrinho Ciço, fundador de Juazeiro e protetor do romeiro desse imenso sertão / Frei Damião que era nosso capuchinho, ele está com Jesus Cristo, já cumpriu sua missão / Frei Damião que era nosso capuchinho, ele está com Jesus Cristo, já cumpriu sua missão / Eu nunca achei um mestre pra dá ni mim, se já deu já levou fim ou anda no mundo encantado /Eu nunca achei um mestre pra ni dá mim, se já deu já levou fim ou anda no mundo encantado / Tô preparado pra brincar, brinco bonito / Eu sou o Mestre Expedito e sou um mestre respeitado / tô preparado pra brincar, brinco bonito / Eu sou o Mestre Expedito e sou um mestre respeitado.
“Eu nunca deixei de trabalhar na minha almofada por causa de meus filhos. Eles ficavam brincado e eu trabalhando na almofada.”
Eu me chamo Francisca Ferreira Pires. Casada com José Argemiro Pires. Trabalho em renda desde de sete anos de idade. Sou rendeira.
Eu via minha vó trabalhar de almofada e pedi a ela me ensinar. E ela me ensinou. Eu aprendi com sete anos de idade. Com oito anos eu já trabalhava, já fazia renda que a minha mãe vendia e comprava roupinha para mim. Com oito anos de idade eu já me vestia com dinheiro de renda que eu fazia.
Trabalho aqui no Balbino. Ainda faço minhas rendas, caixinhas de renda pra vender, arranjar dinheiro e me orgulho muito do meu trabalho. Minhas filhas e minhas netas, todas, também sabem trabalhar de almofada. Até hoje tenho duas almofadas. Eu me sinto feliz fazendo minhas rendas prá vender. Me orgulho de ser rendeira.
Na minha época a gente tinha muito interesse na renda. Porque era o trabalho que tinha pra fazer. Hoje não. Hoje as meninas estão estudando, já querem um emprego melhor. Porque a renda demora mais a apurar o dinheiro e com outros trabalhos, todos os meses elas tem. Eu ensinei dez meninas. Porque mesmo que eu não fizesse mais renda já tinham elas que podiam passar para outras pessoas. Eu acho que não pode sair da tradição. Essa tradição não pode se acabar.
E todos os meses a gente tem uma feira da cultura, em Cascavel. Os mestres levam seus trabalhos. Eu vou e levo minha almofada para ficar trabalhando. Começa 5 horas da manhã e termina 10. E eu fico trabalhando na almofada e muitas pessoas vem tirar fotos. Pegam nos bilros. Eu ensino como é que faz o trocadinho. Tem muita gente que se admira e compra a renda.
Quando eu recebi o convite para ir receber o certificado de Mestra da Cultura eu fiquei muito feliz, mas eu fiquei tão feliz! Eu fui para Limoeiro e lá eu recebi e trouxe e botei na parede. Quando vem os colégios e mais pessoas que vem prá fazer a entrevista eu tenho o maior prazer de mostrar o certificado comprovando, mostrando que sou mestra da cultura.
Muitas pessoas perguntam: você é mestra da cultura? É rendeira? Eu respondo: sim, sou. Muitas vezes eu puxo a almofada, mostro como é que eu faço. Vou buscar as rendas, trago a caixa de renda e mostro. E digo, isso aqui é fruto do meu trabalho. O que eu faço eu estou mostrando para você. Para mim ser Mestra da Cultura é o meu aprendizado do trabalho. Aprendi a trabalhar e mostrei, e mostro, o trabalho que eu sei fazer. Aquilo que eu já sei, que aprendi e sei passar para outras pessoas. Aí sou uma Mestra. O Certificado foi muito importante para mim e para a comunidade. Quando eu fui mestra as outras rendeiras ficaram satisfeitas, ficaram alegres e contente porque foi valorizado o trabalho da renda.
Se eu trabalhar bem eu faço dois metros de renda durante o dia. Às vezes eu não trabalho muito, para eu não me apurar, aí eu faço um metro. Os desenhos a gente faz assim: de uma amostra de papelão a gente fura outros e assim vai indo. Tendo uma amostrazinha que tire a gente faz qualquer modelo. Não é difícil não. É bem fácil.
Fazer a renda era importante. Porque eu juntava oito peças, dez peças e ia vender na feira de Cascavel. Já tinham as pessoas que compravam. Apurava o dinheiro e já fazia a feira. Comprava roupinhas para os meninos, ajudava. Meu marido era pescador, ia pro mar. Passava de três dias no mar e eu ficava com as crianças, mas trabalhando na almofada. Eu nunca deixei de trabalhar na minha almofada por causa de meus filhos. Eles ficavam brincado e eu trabalhando na almofada. Às vezes de noite eu botava para dormir e ficava trabalhando com uma lamparinhazinha acessa aqui pertinho. Nesse tempo não tinha energia aí eu botava a lamparinha ficava aqui pertinho e ia trabalhar na almofada. Até dez horas, nove horas… Toda vida eu gostei de trabalhar. É muito bom a gente trabalhar.
Eu me sinto bem quando vem as pessoas conversar comigo sobre o meu trabalho, sobre a luta que a gente teve aqui no Balbino. Foram 13 anos de luta para segurar as terras dos nativos, que é dos nativos mesmo. Prá não deixar outras pessoas se apoderar das nossas terras, nossas moradias. E se hoje, a gente está aqui nesse local, é por causa da grande luta.
Eu fico muito feliz quando vem gente fazer entrevista. Cada vez o nome vai aparecendo mais, vai sendo mais divulgado. Eu deixo tudo para fazer isso. Às vezes meu marido diz assim: tu quer aparecer! Eu explico: não é aparecer, é deixar história para outras pessoas. Quando eu não estiver mais aqui fica a história gravada para outras pessoas.
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