Mestra
04 de maio de 2004.
Juazeiro do Norte - Região do Cariri.
11 de fevereiro de 1939
11 de março de 2021
Pessoal, quando eu morrer /
que vocês forem me enterrar /
num quero ver ninguém chorando /
porque eu não gosto de chorar /
vocês levem um violão /
pra na minha voz cantar /
cante música de reisado que eu gostava de cantar /
Gente, quando eu morrer /
eu não quero choro profundo /
eu quero um boi no meu enterro /
pra eu brincar no outro mundo /
pra eu brinca lá com São Pedro /
que é o chaveiro do mundo.
“Foi uma benção, foi uma luz de Deus nas nossas vidas esse trabalho!”
Eu me chamo Maria de Lourdes Cândido Monteiro. Eu nasci em Pernambuco, me batizei em Jardim e me criei em Juazeiro do Norte. Meus pais viviam diariamente trabalhando aqui, ali e acolá e a gente sempre na companhia deles. Pra onde eles iam a gente tinha de acompanhar. Findamos ficando aqui em Juazeiro. Eu cheguei aqui com seis meses de vida – e aqui estou vivendo. Morava no sítio Campo Alegre. Tinha meus filhos e o trabalho de meu marido que não dava para criar a familia. Então eu pedia muito a Deus um meio de vida pra gente criar nossos filhos. Um trabalho pra mim que eu pudesse ajudar meu marido João.
Ele trabalhava, recebia o dinheiro e eu vinha pra fazer a feira, comprar pote, panela… Então, meus filhos que vinham comigo, pediam aquelas panelinhas miudinhas pra brincar de guisado. Eu não podia comprar que o dinheiro não dava. Se fosse comprar brinquedo pra eles, faltava pro pão. Um dia voltei pra casa com eles e a gente morava próximo do barreiro onde o gado do finado Alencar bebia água. Eu peguei o barro, preparei o barro e fiz o brinquedo pros meninos. Nesse tempo Ciça, Maria, Francisca e Luis.
Aí eu fiz os brinquedinhos: panela, fogão, pote, xícara… essas coisinhas pras três meninas e pra Luis eu fiz cachorro, jumentinho carregando água, burrinho com lenha, vaquerinho em cima de um animalzinho. Eles foram brincar e eu cuidava da casa e cuidava da roça. Quando terminou o inverno, que acabou as colheitas, eu mandei João comprar uma lata de barro. Ele comprou, eu fiz as peças, fiz um forninho pequeno, queimei. Comprei a tinta, pintei. Levei pra os armazéns. Aí viram, se interessaram, compraram as amostras e encomendaram mais. Então, no mercado grande de Juazeiro duas pessoas me encomendaram peças. No mercado do Pirajá, foram três pessoas. Por aí eu comecei trabalhando com o barro.
Foi uma benção, foi uma luz de Deus nas nossas vidas esse trabalho! Porque quando meu marido parou de trabalhar, nós sustentamos a família a custa do trabalho do barro. Ajudei muito meu marido, como ainda hoje ajudo, graças a Deus.
Quando a gente morava no bairro Tiradentes entregava as peças na cooperativa que ficava no mercado grande. Lourdes Batista era quem estava a frente dessa cooperativa, que virou o Mestre Noza, Centro de Cultura. Aí ela mandava o trabalho da gente, pra um canto, mandava pra outro. O pessoal vinha à Juazeiro, via nosso trabalho, lá. Eles procuravam pelo nosso trabalho sempre e a gente fazia. Fazia as peças e vendia à Lourdes e ela vendia prá fora. Aí então nós continuamos trabalhando e a Lourdes sempre nos ajudando.
Neste tempo, eu deixei de fazer a miudeza. Fiquei fazendo brincadeira assim: banco de praça com o pessoal sentado, mesa de bebedeira, mesa de jogo, casamento, padre celebrando missa. Isso tudo em placa. Não era o tema. Depois
foi que eu peguei o bolo de barro, bati, recortei, fiz as figuras e apliquei nele. Quando endureceu um pouquinho eu furei e coloquei na parede. Eu disse: quer saber, nós vamos trabalhar neste artigo aqui. Eu fiz uns três e levei pra Lourdes. Aí Lourdes disse: pode trabalhar nesse aqui. Que nome você vai dar?” Eu disse: é uma placa. Eu chamava placa.
Aí Stênio Diniz, artista daqui de Juazeiro, andou lá em casa… ele viu as placas na parede e perguntou qual era o nome das peças. Eu disse que era placa. Ele disse: “não, é melhor a senhora batizar seu trabalho de tema, porque são várias figuras, não é uma só”. Então pronto… ficou tema. Foi lá pelos anos de 1976, 1980 que nós começamos a fazer os temas. Quando foi em 87 a gente fez a primeira exposição do nosso trabalho no Rio de Janeiro. E passamos três dias lá. Foi muito bom…
Os meus filhos começaram vendo eu fazer. Eu me sentava no chão com o bolo de barro, uma bacia de água e uma palhetinha. Eles se sentavam tudo ali pertinho de mim e eu dava um bolinho de barro. Eu formava aquela bolinha, formava uma panelinha, apresentava pra eles. E cada um ia lutar para fazer. Lutava, lutava, desmachava, lutava. Lutava, desmanchava até conseguir.
Assim eles começaram. Faltava paciência… Eu dizia: corta um pedacinho de barro e vá colando assim de um lado e outro. E foram aprendendo e fazendo. Então, isso é um trabalho que a gente não pode pegar na mão de ninguém pra ensinar a fazer. Faz por ver os outros. Tenho onze filhos, tudim aprenderam a fazer. Formei um grupo de dezoito pessoas, entre filhos, genro, neto, nora. A gente trabalhava que não tinha onde botar mais peça. E a família todinha vivia eternamente desse trabalho. Tirei João do trabalho do campo. Ele ficou indo buscar barro, bater, peneirar, buscar lenha, queimar. Ficamos tudo só na luta do barro.
Aconteceu o tempo de Lourdes Batista dizer: “Lourdes, vamos parar uns dois meses ou três sem entregar mercadoria, porque tá cheio demais as paredes do Mestre Noza, não cabe mais peças”. Por causa disso eu avisei: meus filhos, vocês se virem. Porque pode nós ter uma chance de continuar e pode não ter. Então cada um foi procurar seu sustento. Aí ficou eu, Maria, Dora e Socorro e Auxilene, minha nora.
As meninas diziam: Ôh mãe, a gente tem tanto medo desse trabalho fracassar e nós não continuar. E eu disse: enquanto vida, há esperança. E vamos enfrentar. E enfrentamos a doença do meu marido. Ele adoeceu e deixou de bater o barro. A coisa pegou na minha cacunda. Foi aí que eu fiz uma exposição no BNB e com o dinheiro que adquiri comprei um motor pra moer o barro. E continuamos, graças a Deus. Através de ter quem moa o barro facilitou tudo prá nós. Porque o barro só não vem amassado mas vem bem fininho que nem uma goma. É chegar aqui e a gente amassar, deixar curtir por uns três dias e começar a trabalhar. Aos poucos foi facilitando nossa vida.
Você se inspira, você tem aquele prazer, aquela ansiedade de começar e terminar pra ver como fica. É um prazer muito grande. Pra gente a felicidade maior do mundo é quando tá ali sentado, trabalhando. Quando falta a inspiração no trabalho, fica uma coisa sem graça. A gente quer trabalhar, mas se desvanece, sai pra um canto, sai prá outro. Mas quando a gente tá mesmo na inspiração pra trabalhar… não existe nada melhor. Porque tudo vem. Depois que a mente da gente se enche de luz trabalha solto mesmo!
No tempo da gente criança, o pai brincava reisado. Nós fazemos tema de reisado porque meu pai brincava muito reisado e toda vida que a gente vai fazer a gente tá relembrando do pai. A gente faz quadro de renovação também. Missa, procissão… tudo isso que faz parte de nossas vidas, que a gente costuma ver, fazer, participar, a gente faz os temas. É tudo em um só.
Teve o tempo dos mestres que foi em 2004 pra 2005. Tivemos essa felicidade de receber esse título de Mestre da Cultura, de Lúcio Alcântara. Eu não esperava alcançar essa felicidade na minha vida. Eu me sinto muito honrada. Fomos receber em Crato. Uma felicidade muito grande e graças a Deus ainda hoje vivo através desse apoio dos mestres. Eu gostei, minha familia gostou, muita gente gostou. Mas parece que o conhecimento disso lá fora é mais do que aqui. É muito bom o conhecimento. Eu já fui receber também um presente em Brasília, que a presidente Dilma ligou prá cá e eu muito que fui…
O barro é o valor que eu encontro pra sobreviver. É o valor, é a felicidade e uma luz de Deus ter me guiado e ter feito com que eu possa criar – que nem criei a familia – e viver, que nem tô vivendo, através do barro.
99th Keliling street, Pekanbaru
62+5200-1500-250
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