Mestra
23 de outubro de 2015.
Caucaia - Região Metropolitana
14 de outubro de 1939
Dona Mazé é uma mulher faceira. Corpo esbelto, cabelos sempre com uma presilha e preocupação com sua imagem nas fotos e na filmagem. Quando chegamos adiantou que seu tempo era exíguo. Parecia impaciente. Era preciso sermos objetivos e concluir toda a entevista, antes do final da tarde. Concordamos, claro!
A mestra demonstra um amor incondicional às quadrilhas em sua fala emocionada e no olhar apaixonado quando desdobra os vestidos de chitão e ou quando pega cuidadosamente a estola do padre. Tudo guardado com esmero em um ateliê / depósito contíguo a sua casa. Além das quadrilhas ela cuida também de sua ampla casa no bairro da Cigana, em Caucaia, cuida do marido e do figurino e acessórios do grupo que mantém há 48 anos. Empolgada em falar sobre o tema que lhe fez Mestra foi ela quem esqueceu da hora e saímos de lá quase na hora da janta.
Eu subi terra de fogo, com alpargarta de algodão. As alpargartas se queimaram eu desci com pé no chão. Desci na ponta da nuvem por um estralo de um trovão. Pisei em terra firme, com dois crucifixos na mão. De um lado São Cosme e do outro São Damião. Em prece acode o cruzeiro da virgem da Conceição.
“Eu acredito que Deus me deu esse dom porque a quadrilha não sai da minha cabeça.”
Eu me chamo Maria José. Meu nome é Maria José Costa Carvalho. Nasci em Caucaia e Moro aqui no bairro da Cigana. As pessoas me conhecem por Dona Mazé das quadrilhas por motivo de eu ter um grupo junino. Aliás foram dois grupos juninos. O nome do meu grupo era Arraiá do Chitão, só para adulto e Arrasta-pé do Chitão, o infantil. Esse grupo foi criado no dia 13 de junho de 1970, nesse mesmo lugar onde eu moro.
Eu comecei quadrilha na época de 1970. Sempre, eu criança, eu tinha essa ideia. Eu via quadrilha, aliás, eu ouvia quadrilha, ouvia as músicas do grande Rei Luiz Gonzaga. Eu ouvia aquelas músicas que falavam em quadrilha e o tempo foi passando. Quando eu fiquei adolescente eu inventei de fazer, mas ninguém me ensinou, nunca eu aprendi com ninguém. Apenas uma brincadeira da minha irmã. Ela disse assim: vamos fazer uma quadrilha e eu aceitei: vamos! E comecei a fazer.
Eu organizo a minha quadrilha esses anos todinhos. Eu sou marcadora, marquei quadrilha 19 anos. Eu faço casamento, faço evolução. Eu sei dançar quadrilha, sei os passos, coreografia eu sei também. Eu sei tudo, tudo de quadrilha. Agora me pergunte quem me ensinou. Foi só mesmo o dom de Deus.
Durante esses anos que eu tenho de quadrilha – esses quarenta e oito anos – eu fiz a conta e passou mais 3.260 brincantes. Esses brincantes saíram daqui sabendo. Todos eles sabem dançar. Eu ensinei e continuo ensinando. Eu não parei de ensinar.
Quando eu comecei, em 1970 meus brincantes eram muito lindos. Eles brincavam com sandálias de sola, chapéu de palha, roupa remendada. Eles pisavam na quadra com maior amor, com maior carinho e por isso que eu continuo com o chitão. E vou continuar, se Deus quiser. É muito bonito, é muito lindo roupa de chitão. As minhas meninas eram muito lindas, elas se transformavam em pessoas tão bonitas, de chitão com aqueles vestidos rodados, com bico, fita, renda, o sorriso delas, aquela alegria pisando no chão na quadrilha! Meus brincantes de hoje também são lindos.
A parte mais legal que eu acho da quadrilla é a chegada da noiva. É uma parte importante: a noiva chegando, toda de branco, de véu, grinalda, com aquele sorrisozinho matuto. Ela se encontra com o noivo também matutinho. A pessoa, assistindo, se arrepia todinha. Tem outra parte que eu acho importante também, muitas pessoas não sabem, é o padre e o juiz. Isso é importante na quadrilha. O juiz e o padre têm de ser muito repeitados. Perfeito com a roupa de Juiz e perfeito com a roupa de padre. Juiz e padre não são brincadeira, não. Eles têm de ser perfeitos.
Quando eu fui escolhida mestre da Cultura, pra mim foi uma surpresa. Mas, pelos anos que eu tinha, pelo meu trabalho que eu fazia, eu sabia que um dia eu ia ser reconhecida. Eu fiquei e estou muito feliz. Não é dizendo: eu sou importante mais do que as outras! Não é isso. Eu acho que todos os quadrilheiros eles têm o mesmo trabalho como o meu. Tem trabalho! Eles se sacrificam pra ter as quadrilhas deles, como eu me sacrifico também. E também eu não posso receber essa felicidade sem agradecer à Deus. Tudo depende dele. Porque o dom que ele me deu ninguém me ensinou. Ninguém, ninguém. E eu acredito que Deus me deu esse dom porque a quadrilha não sai da minha cabeça.
Eu acredito que as pessoas me veem como mestre pelo meu entendimento, pela minha sabedoria. As pessoas viam o meu trabalho, meu sacrifício, meu interesse, meu amor mesmo por quadrilha e também por tudo o que eu faço eu achei que eu merecia. Por isso é que fui reconhecida como Mestra. No meu entender. Agora, eu como mestra, vou trabalhar ainda mais.
Meus brincantes são da periferia. Não é aqui pertinho, é de longe. Os ensaios acontecem à noite. Duas vezes por semana, três vezes por semana. Quando tá bem pertinho eu ensaio todo dia. Eu mando fazer as anáguas, que eu empresto a elas, que elas não tem. Eu vou comprando de dois em dois trajes, de três em três. Compro o tecido e mando fazer. Compro bico de cem metros: cem metros de uma, cem metros de outro, de outro e tem a costureira que faz. Agora dá trabalho ele virem para os ensaios. Dá trabalho eles virem!! Mas quando vem eles gostam. Eu aviso. Eu mando avisar: vai ter reunião, vai ter quadrilha. Mesmo assim teve brincante que brincou dez anos só aqui. Dez anos!
A tradição mesmo, da época que eu comecei tá se acabando. Acabando porque as pessoas não querem mais seguir a cultura. Não querem mais usar uma roupa de chitão. Eu ensino meus meninos a dançar com pé no chão. E tá se perdendo a tradição porque a gente não vê mais chitão, não vê mais um chapéu de palha, não vê mais uma fogueira – como eu faço aqui. Ninguém vê mais um casamento caipira, aquelas músicas tradicionais. As minhas anáguas todas são de filó e ninguém vê mais uma anágua de filó. A anágua é toda diferente, as danças diferentes. Eu também nunca mais ouvi as chamadas Anavantú e Anarriê. Quadrilha tem que ter. Então a quadrilha eu acho está perdendo a tradição. É uma coisa que me deixa muito triste. Muito triste mesmo… Tá certo, se a pessoa quer um vestido bonito… fica muito lindo um vestido bonito, mas que tenha uma tradição! E a minha quadrilha é tradição perfeita
Então eu acho o seguinte: nós quadrilheiros aqui do Ceará, nordestinos… nós temos que mostrar a nossa cultura. Qualquer um brincante, meus amigos quadrilheiros, eles podem fazer do jeito que eles quiseram. Eu não sou contra. Mas eu acho que nós temos que mostrar o nosso Ceará. Eu não vou trazer uma cultura de São Paulo. Eu não posso comparar também o carnaval com quadrilha. A quadrilha tem que ter o pé no chão, tem que ser dança de quadrilha.
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