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Mestra

Raimunda Lúcia

Raimunda Lúcia Lopes

Mestra da Renda de Bilro

Publicação no Diário Oficial do Estado

26 de janeiro de 2012

Cidade/Residência

Trairi (Distrito Canaã – Localidade de Timbaúba). Região do Litoral Oeste

Nascimento

31 de maio de 1949

Relato de Viagem

Só numa segunda viagem ao Trairi foi possível entrevistar Dona Raimunda Lúcia. Na primeira vez que passamos pelo distrito de Canaã, ela apenas nos pediu para retornar em outra ocasião, por que sua mãe estava muito doente. Tempos depois voltamos. Ainda consternada, pelo falecimento da mãe, ela nos falou da importância da renda de bilro na sua vida, mostrou-nos os trabalhos recém confeccionados, atendeu aos familiares que chegavam para uma breve visita e não descuidava do pai que debulhava as vagens de feijão, colhidas no quintal da casa. Atenções repartidas, mas direcionadas para cada demanda específica. Essa habilidade faz a Mestra ser muitas galgar desafios com relação ao seu trabalho com a renda de bilro, tanto na arte de fazer a renda em si, como no sentido de repassar o ofício para os mais jovens e ainda organizar a produção através de uma associação de rendeiras da região.

(Cantando)

Eu subi terra de fogo, com alpargarta de algodão. As alpargartas se queimaram eu desci com pé no chão. Desci na ponta da nuvem por um estralo de um trovão. Pisei em terra firme, com dois crucifixos na mão. De um lado São Cosme e do outro São Damião. Em prece acode o cruzeiro da virgem da Conceição.

“Pra onde eu vou, eu levo a minha arte.”

O meu nome é Raimunda Lúcia Lopes. Moro na localidade de Timbaúba, no distrito de Canaã, município de Trairi. Eu tomei de conta de dez filhos do coração, não é biológico… Hoje já tenho cinco netos e agora cuidei dos meus pais – da minha maezinha que se foi e tô cuidado do meu pai e da casa. Sou rendeira desde os sete anos de idade. Aprendi com minha mãe. Que a minha mãe ensinou a todas as filhas. E até hoje continuo fazendo essa arte. A renda de bilros para mim é, não só uma profissão, como é uma terapia também.
Sou ainda agricultora. Planto cana, feijão, crio galinha, cuido da casa…. Eu trabalho um pouquinho de crochê, bordado à mão e bordado à máquina. Sou costureira, professora, líder comunitária e catequista. Tudo isso.

Eu tenho uma caminhada de mais de três décadas, uma caminhada muito significativa pra mim, para que esse trabalho de renda de bilro se desenvolva. E esse trabalho eu aprecio muito, eu gosto muito. Eu defendo essa arte, essa cultura. Devido esse interesse, de repassar para as novas gerações, levar o nosso produto a vários eventos, divulgar …para que essa cultura continue, eu fui premiada, diplomada como mestra. Hoje, eu sou a Mestra do Tesouro Vivo da Cultura, um título que eu ganhei por essa luta.

Quando eu recebi esse título eu me senti, podemos dizer assim, envaidecida. Porque no meio de tantas rendeiras, outras rendeiras mais idosas de que eu, que já faziam renda há mais tempo do que eu… eu fui premiada com esse título da cultura do estado do Ceará, representando a renda de bilro do Estado do Ceará, principalmente pelo nosso município. Mas eu repassei informações sobre a renda de bilro, pra valorizar mais essa cultura nossa, essa tradição nossa. Que nós precisamos valorizar a rendeira. Para a rendeira ter o seu prestígio. A gente tem esse sonho: a rendeira continuar com a sua arte. E formei um grupo com 20 jovens que eu estou ensinando, que eu acompanho, onde eu falo que é muito importante aprender essa arte, essa técnica, Que é um trabalho que nossas avós, nossas bisavós e nossas mães fizeram e fazem. Eu convido para uma reunião os jovens interessados, dou explicação, mostro os exemplos, e produtos que podemos fazer com a nossa renda e vender, para eles terem o seu dinheirinho. Primeiramente é preciso trabalhar o coletivo. Unir esses jovens para eles não ficarem na ociosidade, nesse mundo violento que está acontecendo aí. Trabalhando, eles vão ocupar a mente, de inicio, e depois eles reconhecem que ter o dinheiro deles, vindo do seu próprio trabalho, é muito bom. E tem ainda a técnica para que eles continuem esse trabalho.

Eu ter sido reconhecida como mestra da cultura valorizou mais o meu trabalho e a própria arte da renda de bilro, mostrou para todos que eu sei fazer essa renda. Quando eu viajo, quando eu exponho a renda, eu falo sempre com a certeza de que o reconhecimento, esse título, foi pela minha luta de defender essa arte e acreditar em dias melhores para essa tipologia.

A gente faz a renda trabalhando em três linhas: o vestuário, cama e mesa e acessórios. Nesse longo período que eu faço renda de bilro, já houve muitos avanços e transformações. Não que a renda tenha perdido a sua característica – que não perde a sua característica- mas nas linhas de vestuário, cama e mesa, na própria renda em metro, outros desenhos… Tudo isso tem feito uma diferença do que se fazia há quarenta, cinquenta anos atrás e da que se produz hoje. A renda que se produz hoje é mais para ser apreciada. Não é só uma renda pra se colocar em algumas peças que não são vistas. Se coloca a renda em algumas peças de casa que antes não se colocava, como os jogos americanos, capa de almofadas… Os acessórios: rosto de sandálias, colares, pulseiras, tiaras… Tudo isso hoje a gente produz com a renda de bilro. Antes não. Antes a renda de bilro era só pra colocar nas anáguas das madames, os biquinhos de acabamento da blusas e hoje até vestido de noiva a gente produz.
E hoje existe uma grande diferença nas vendas das peças. Antes não se tinha nenhum pequeno retorno financeiro, não se ganhava nada. Hoje sim, a renda de bilro ajuda muito no orçamento familiar. Hoje já podemos comprar algo e pagar com a venda dos nossos produtos, Claro que ainda está longe de a gente alcançar aquilo que almeja. A profissão de rendeira ser uma profissão legalizada, tirar dessa nossa profissão a nossa renda financeira.

 


Eu viajo, bastante. Viajo à trabalho, para as feiras.. e uma coisa interessante, que é de mim mesma …prá onde eu vou, eu levo a minha arte de lado, a arte da rendeira de lado. Em São Paulo, quando eu morei lá, eu fazia renda Onde eu vou, Santa Maria, no Rio Grande do Sul, também levei a nossa arte… E principalmente hoje, porque hoje Trairi é a terra da renda de bilro. E eu sou a mestra da cultura. Então, se eu tinha interesse de divulgar, de fazer a renda de bilro, hoje eu tenho muito mais.

A renda de bilros está se expandido muito dentro do nosso município porque antes, há alguns anos atrás só tinha mais na região litorânea e hoje na região do sertão também já tem. Aqui, hoje, nós temos a Agrupart: Associação do Grupo das Rendeiras de Timbaúba. Somos 15 famílias, em torno de vinte rendeiras, juntamente com os jovens, trabalhando juntos. Compramos a matéria prima juntos e vendemos junto. É um grupo que trabalha o associativismo, o coletivo e, até agora, está dando tudo certo. Esperamos que continue a dar certo. Se nós tivermos perdas, é o grupo, é junto. Se nós tivermos lucro, é o grupo. Graças a Deus, até agora, nós temos só avanços.