logo.png

Mestra

Ana Noberto

Ana Maria da Conceição

Mestra em Drama

Publicação no Diário Oficial do Estado

22 de outubro de 2008.

Cidade/Residência

Tianguá (Sítio Tucuns. Distrito da Pindoguaba). Região Norte.

Nascimento

26 de junho de 1956

Relato de Viagem

Chegamos ao Sítio Tucuns, a 25 quilômetros da sede da cidade, no final de uma manhã de sol. O grupo, de 7 dramistas e 5 tocadores, convocado pela Ana Noberto nos esperava. Ana nos recebeu em sua ampla casa onde mora com o marido, filha e netos, palco da apresentação improvisada que o grupo fez para o registro. A Mestra é naturalmente extrovida, alegre e acolhedora. Isso fica claro na relação que ela tem com todo o grupo e na forma como nos recepcionou e nos conduziu pela comunidade, num passeio no pingo do meio dia.

“Nós moramos na última comunidade de Tianguá. E ela é vista através de nós, do nosso grupo.”

Eu me chamo Ana Maria da Conceição, conhecida como Ana Noberto. Me casei com 19 anos. Tenho quatro filhos e quatro netos. Minha vida foi uma vida, de pobre, mas foi uma vida maravilhosa. Foi uma vida de riqueza porque eu sou uma pessoa que Deus me deu este dom. 

Na idade de sete anos eu vi umas moças cantando… Eu fui na casa de um senhor e lá elas estavam brincando os dramas. Era com lamparina, numa sala, num tablado. Aquelas moças saíam muito bonitas. As roupas delas eram diferentes de hoje. Eram roupas de papel. Elas mesmo faziam, produziam suas coisas, as suas coroas, os colares, as coisas do drama.

O que é drama? O drama vem de Portugal. É uma tradição que vinha de Portugal, porque lá as moças eram chamadas para o Brasil. Eram aquelas moças bonitas, ricas que vinham fazer as suas apresentações para o Rei. Para aquele povo… vamos dizer hoje, na nossa linguagem: aquele povo “chic”, né?! Então, drama representa essas coisas. 

A primeira música que eu ouvi – eu lembro da primeira música – eu era criancinha. Depois eu fui crescendo e na idade de dez anos, as moças me chamaram para eu participar do drama. Aí eu fui pela primeira vez. Neste dia eu me senti tão feliz, tão feliz, tão como gente, que eu não sabia nem se eu estava no chão! Aquela felicidade era tão grande em mim, parecia que Deus tinha me dado aquele dom. Aquela coisa de felicidade, eu não conhecia!

Aí eu comecei a dançar, porque a gente tem de dançar, tem que cantar. A primeira música do drama que elas me ensinaram prá eu cantar eu cantei. Eu saí muito chic, muito bonitinha, muito redondinha. Eu saí no palco e eu fui cantar aquela música que dizia: “eu sou tão pequeninha, não sei mais nem namorar / porque o papai não deixa / e a mamãe não vai gostar. A música é grande mas foi a primeira musiquinha que eu cantei. 

De vez em quando, elas faziam os dramas e me chamavam. Chamavam também porque, quando a gente fazia aquele drama, a gente ganhava dinheiro. Quem entrava para assistir, pagava. A gente fazia umas rosas de papel e cantava e oferecia aos rapazes, avós, para qualquer pessoa. E naquela rosa a gente ganhava o dinheiro. E naquela rosa, a gente, que não tinha nada, se beneficiava daquele dinheirinho. Era muito pouquinho mas servia. 

A gente brincou até 20 anos de idade. Casei com 19 anos, com 20 tive o primeiro filho, aí pronto. As outras também se casaram e se acabou o drama. Morreu o drama na comunidade. E aí depois de vinte anos que a gente tinha parado teve uma pessoa que era da prefeitura, professores que foram fazer faculdade e sentiram a necessidade de resgatar uma cultura. Começaram a pesquisar e vieram. Foram no Poço de Areia, foram no Cipó, vieram aqui no Tucuns. Quando chegaram no Tucuns encontraram a gente que tinha a cultura, mas tava morta! As outras pessoas na comunidade nem conheciam mais, as pessoas novas nem conheciam mais, nem sabiam nem o que era mais. Aí veio o Márcio, a Vânia, a Amparo, aí nós resgatamos junto com eles. 

Todas nós sabiamos das músicas. Todas já tinham brincado quando eram novas. Perguntaram prá gente quem era de nós que queria fazer parte do grupo, botar o nome pra ser a mestra. A mestra tinha de viajar, tinha de ir buscar as coisas, tinha que trabalhar. As meninas do grupo disseram que eu tinha mais condição, que eu já trabalhava na comunidade, eu trabalhava na igreja, eu não tinha vergonha de falar com ninguém! Podia vim o Papa, podia vim o Bispo, o prefeito, podia vim o Governador… Colocaram meu nome. Se fosse aprovado era eu. Então foi aprovado e ainda estamos aqui. E nós temos esse grupo resistente. É um grupo que vai saindo umas pessoas e vai entrando outras pessoas. 

O nome do grupo nosso é Drama em Cena. E nós temos oito mulheres que bricam, que dançam, que cantam. E temos cinco homens. Nós temos o Chidei, no cavaquinho; o Arimateia, no violão; o Nonato Silvero, na zabumba; o Nonato Martins, no pandeiro; o Manoel Messias, no triângulo. E são essas pessoas que fazem… que tocam prá gente dançar. E o nome das dramistas: tem eu, que sou a Ana Maria, tem a Rosa Maria, que é a pessoa que me ensinou, ela tem 67 anos; tem a Maria Parente, a Maria do Carmo, a Lúcia Maria, a Francisca das Chagas, a Maria Regina e a Helena, que não está aqui presente. São essas pessoas que fazem o grupo Drama em Cena. Nós estamos no ponto pra fazer a apresentação pra qualquer pessoa que chamar.

A criação dos dramas vem dos antepassados. Por isso que dizem que é música de cultura. Nós aprendemos quando criança e a gente vai só  modificando. No drama… ele dança, ele canta e ele faz cordel tudo numa coisa só. E aí a gente vai criando os cordeis, os versos, dentro da música nós criamos os versos. É assim que a gente cria.

Nós somos um grupo de união. Este grupo traz muita coisa prá nós: traz o lazer, traz a saúde, traz a alegria, traz várias coisas. Então só a união que nós temos vale tudo! Às vezes a gente diz assim: ah! porque nós já estamos velhas… Aí eu respondo: estamos velhas mas estamos felizes. Tanta gente nova que não tem a coragem que a gente tem! 

A gente enfeita nossas roupas, faz as nossas coroas, faz nossas pulseiras… Enquanto nós estamos nessa idade fazendo essas coisas, dançando, nós estamos esquecendo da vida – da vida velha – das coisas velhas. Nós já saimos pra várias viagens fazer apresentação: Fortaleza, já rodamos a serra da Ibiapaba toda, as escola chamam. Nós já fomos pra Brasília, ganhamos um prêmio. Tinha oito países lá e nós tiramos primeiro lugar. O drama, né?! Então, prá nós, é uma vida muito boa!

Ser mestre da cultura?! Este nome de Mestre eu sinto como se fosse de todas, todas as amigas. Porque eu só não faço nada. Eu tenho de estar junto com elas. Então eu não me sinto muito importante. Prá mim eu sou a mesma pessoa.  Eu acho que fui escolhida porque a cultura tem de acontecer e a gente tinha um grupo já registrado e tinha de ter uma pessoa pra tomar de conta do grupo. Uma pessoa responsável pra  ir atras das outras, chamar as outras pra reunião, entrar em contato com as pessoas que vem atrás do grupo. Eu sou essa pessoa de responsabilidade, com mais trabalho do que as outras. 

Importante mesmo é a cultura. Porque a cultura é vida! Prá mim tudo é cultura: eu falar, eu andar, é a minha casa do jeito que eu faço, do jeito que eu fico, eu falar com filho, é o meu jeito de vestir, é uma colher que eu boto na boca. Prá mim tudo é cultura! É a minha saúde, é a minha música que canto, tudo é cultura. Aquilo que me faz bem, que faz bem a você, tá na cultura. E muita gente não conhece a cultura. Vive a cultura e não conhece. Então se todo mundo conhecesse a cultura, a gente tinha outro Brasil diferente, com outra cara.

Nossa comunidade, o nome dela é Tucuns, é a última comunidade do nosso município. Então a nossa comunidade, ela é vista através desse grupo, dessas pessoas que muita gente não dá valor, né?! Ela é vista! 

Tudo o que acontece aqui, nossas festas, os festejos são as dramistas que fazem a abertura. Tudo é as dramista. O drama, eu tenho certeza, que ele não vai morrer. As crianças todas sabem das músicas, sabem da dança. Eu já tenho dito: eu vou morrer, outra vai sair também. Nós vamos sair daqui mas vão ficar outras pessoas.