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Mestre

Aécio de Zaira

Aécio Rodrigues de Oliveira

Mestre em Luthieria

Publicação no Diário Oficial do Estado

26 de fevereiro de 2019

Cidade/Residência

Crato (região do Cariri)

Nascimento

30 de outubro de 1956

Relato de Viagem

Em uma das misturas que dão origem à bela raça brasileira – de índio com o negro – nasce um ente que tem por intenção de vida cuidar. Seja na criação e repasse de conhecimento seja no cuidado com outros seres humanos que dependem completamente dele e da estrutura familiar que montou junto com sua companheira, Tereza. Voz forte e meiga ao mesmo tempo ele traz o brilho no olhar e entusiasmo quando mostra suas criações artísticas musicais como luthier inventivo que fabrica formas para dar vazão ao som. O que se sente ao seu redor é harmonia, tranquilidade mesmo sua mente estando visivelmente em ebulição enxergando instrumentos nas mais variadas formas, por vezes encontradas no lixo.

“O que eu digo pra essa juventude é: não desista!”

Meu nome é Aécio Rodrigues de Oliveira. Eu nasci em 1956, 30 de outubro.
Sou de uma família de dez irmãos. Sou filho do Crato, pertenço à tribo dos índios Cariris, ainda que bem distante.

No começo da minha vida, minha mãe foi a base. Ela ensinou que na beira dos rios, ou em beira de estrada, o pessoal colocava lixo, e a gente aproveitava muitas coisas, muitas peças, principalmente madeira e, aí, criava instrumentos, começava a fazer esses carrinhos. Ela ensinou tudo isso pra gente; a trabalhar com barro, argila, essas coisas, esse ofício dessas peças.

No decorrer do tempo, eu fui crescendo e fazendo esse trabalho. Trabalhei com as freiras também, aprendi a questão da humildade, aprendi muito. E fui seguindo minha vida e sempre ligado na questão da arte … de criar, fabricar e aproveitar… E, ao longo da vida, fui andando, fui andando. Eu fiz alguns cursos, no Senai, de aprender a fabricar instrumentos, por exemplo, como marceneiro, carpinteiro. Eu fui juntando todo esse trabalho pra poder melhorar a minha convivência com a arte. Quando eu tinha uns oito anos, eu já estava bem equilibrado com a questão de fabricar instrumentos. Eu já conhecia o violão, já sabia alguma coisa, meu pai também tocava berimbau, fabricava berimbau. Berimbau grande! Ele tinha a profissão de pedreiro. Eu aprendi algumas coisas também com ele na questão da construção, mas nunca me desliguei dessa questão da arte, de fabricar meus instrumentos.

Eu fui crescendo, fui crescendo… comecei a jogar futebol. Além da arte, o futebol. A arte, o futebol e a arte. Fui jogar fora. Mas nunca desliguei da minha arte. Estudei violão fora também, e fiquei fazendo uns cursos no Senai, em São Paulo. Tudo ligado a arte.

Mas eu nunca deixei a origem do que minha mãe ensinou e que foi a base de tudo. Minha mãe sempre dizia: “meu filho, faça alguma coisa pelo próximo, sempre divida o que você tiver.” Então, como eu aprendi o trabalho de fabricar e dominar essa questão do instrumento, e não paguei pra isso – praticamente aprendi a maior parte por mim e por algum aprendizado de alguém – eu me achei na condição de obrigação de me doar, através de um projeto, ou noutros projetos, noutras escolas, de fazer isso pelo próximo, pelas crianças que precisam aprender. Porque o importante da vida não é eu aprender tudo isso, o importante é que eu deixe tudo isso aqui, para mais na frente, a pessoa dizer: fulano de tal já morreu, mas deixou esse aprendizado para outras pessoas passarem para outras. Então, pra mim, a grandiosidade está no aprender, ensinar e aprender.

Eu via que, no meio ambiente, existia muita coisa de valor. O pessoal colocava guarda-roupa bom fora de casa, como lixo. Eu cheguei a encontrar um guarda-roupa que a parte de dentro dele tinha muitas peças de jacarandá que é uma madeira muito cobiçada. Não tem nem pra vender – jacarandá, cedro, imbúia … e eu fui trazendo essas peças e fui começando a montar e fazendo esse trabalho, e comecei a ser visto por outras entidades e ser convidado para fazer oficinas e, através dessas oficinas, eu fui ficando mais conhecido com meu trabalho.

As pessoas que vão buscar alguma coisa no lixo vão com várias intenções. Eu vou buscar material pra fazer uma peça, que vai se tornar muito importante, tanto pra mim, quanto para aquelas crianças, que vão participar desse trabalho. Eu trago aquele material, fabrico uma peça, um instrumento e aquela peça passa a ser uma vida pra mim, não é lixo. Pra mim, o que tá colocado como se fosse um lixo não é lixo. Porque quando eu vejo aquele material, eu já vejo ele transformado. Ele já é vida!

Eu aprendi com meu pai que o Mestre é uma pessoa que recebe um cargo muito importante e que tem que desenvolver aquele cargo. Na verdade, meu pai, que era um Mestre, um pedreiro Mestre, sempre dizia que um Mestre era um Doutor. Todo Mestre tem uma sabedoria naquilo que ele faz. Então, pra mim, um Mestre é considerado como um Doutor naquilo que ele faz. Ele tem que ser especial naquilo que faz, tem obrigação de ensinar o que faz, passar isso pra frente, tem que ter amor por aquela profissão de Mestre. Com esse amor, naquela profissão de Mestre, quando ele passa para outras pessoas o que sabe, isso é tão importante, que elas aprendem na maior facilidade.

Existe uma viagem que a pessoa faz mentalmente e diz: eu dei conta que eu aprendi fazer alguma coisa com o Mestre fulano de tal. Eu aprendi, por exemplo, fazer uma rabeca; essa rabeca eu aprendi a fazer com o mestre… e diz o nome do mestre. Então, a partir dali, quem vai dar o grande valor ao mestre são aquelas próprias pessoas que convivem com ele. É assim que eu vejo um mestre.

E ser um Mestre reconhecido, pra mim, foi uma ampliação muito grande, foi uma surpresa que eu não esperava. É uma coisa que eu nem tenho grande explicação pra dizer. Eu já tinha participado várias vezes e não dava certo. Mas eu acreditei na minha mãe quando dizia: “você sempre procure melhorar, estude mais e acredite em você!” Na verdade, ser um Mestre de Cultura, é uma coisa fantástica, brilhante. Foi o maior título que eu ganhei na minha vida. Com fé em Deus, vou passar pra frente o que eu sei e vou cumprir essa obrigação.

Esse título mudou um pouco a minha relação com a comunidade e com as pessoas. Mudou pra melhor, mas teve outra mudança radical diferente. A mudança boa foi porque me convidaram pra ministrar palestras, oficinas em escolas e até, uma vez, em uma universidade. E você, sendo um Mestre de Cultura, aonde você tiver fazendo um trabalho, as pessoas vão lhe ver com outros olhos. Foi muito importante. E tá sendo e vai ser mais.

Como eu tinha o sonho de fazer alguma coisa pelo próximo – construir um orfanato, algo assim – com a minha companheira, a Tereza, nós conseguimos fazer um projeto. Nós criamos o PROCEM – Projeto Cultural Edite Mariano. Esse era o nome da mãe da minha esposa, uma homenagem a uma guerreira. O PROCEM começou com uma média de umas vinte e cinco crianças. Já chegou momento de ter cem crianças.

Nos sábados e domingos tem aula de violão, teclado, outros instrumentos – aulas e oficinas. Uma vez por mês, tem uma sopa que é feita para as pessoas que necessitam. O próprio projeto criou o Maracatu, que é um trabalho onde minha esposa é a mestra, e Os Tambores do Axé. Nós temos o Coletivo Dona Zaira que está em fase de montagem, e, dentro do coletivo, nós temos meu Show que é um show autoral, de cordas e acordes.

O maior desafio no meu trabalho é a falta de apoio humano. Porque, na verdade, os seres humanos são pessoas esquisitas. Eu acredito muito quando as pessoas falam da inveja, da falta de você chegar e fazer acontecer. Então, pra gente fazer esse trabalho é um grande desafio, você precisa de material, precisa de muitas coisas e, quando vai atrás, você não encontra o que precisa. Aí você tem que fazer por conta sua.

Por exemplo: Chega uma criança e diz – Eu queria aprender violão.
A criança não tem um violão e eu não tenho um violão. Aí está um grande desafio. Mas eu não desisto, eu vou atrás, eu tento fabricar um violão com aquela criança. Eu vou fabricar. Não adianta eu culpar A ou B, porque isso não vai resolver nada. Cada um sabe da sua obrigação, e a minha, quando eu faço um compromisso comigo, é ter que cumprir. Então, o maior desafio é justamente essa dificuldade para realizar o compromisso comigo de ensinar sem muitas condições. Mas eu vou deixar essa dificuldade de lado e a partir de mim, eu vou enfrentar, eu vou atrás.

Por isso, o que eu digo pra essa juventude é: não desista! Em primeiro lugar acredite em você. Se você não tiver condição de fazer, peça um auxílio, peça para alguém lhe ajudar e sempre acredite, nunca desista, vá em frente, lute, batalhe, estude, faça. Porque a vida é importante demais. Você pode ser um grande amanhã, pode ser um grande Mestre da Cultura e pode criar coisas maravilhosas, instrumentos, pode criar tanta coisa bonita…

E seja você, não desista nunca!