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Mestre

Aldenir

José Aldenir Aguiar

Mestre de Reisado

Publicação no Diário Oficial do Estado

04 de maio de 2004

Cidade/Residência

Crato (Distrito de Bela Vista) - Região do Cariri

Nascimento

20 de agosto de 1933

Relato de Viagem

Reisado, na região do Cariri, e Mestre Aldenir são indissociáveis. Falar de um é lembrar o outro. E vice-versa. Brincante desde os vinte e dois anos de idade, o Mestre sabe tudo do ofício que hoje exerce. Afinal é Mestre. Mestre com garbo. Ensina, repassa a tradição. Mais que isso, tal qual ele mesmo nos relatou, ao fazer novas peças (músicas) inéditas, como cabe a um mestre genuíno, ele renova o reisado. O pátio amplo da casa, onde mora e nos recebeu, na Bela Vista, no Crato, comporta os ensaios da brincadeira de Reisado com o grupo de meninos e de adultos que ele mantém há décadas. Brincadeira levada a sério, ensaiada de forma meticulosa. A espaço também abriga a sede do grupo – tem palco, cantina e lugar onde os trajes, instrumentos e adereços são guardados.

Durante a tarde e um pedaço da noite que lá estivemos, o mestre nos falou detalhadamente do seu ofício sob o olhar atento da esposa Izabel que, claro, é também integrante do grupo.

(Cantando)

Eu subi terra de fogo, com alpargarta de algodão. As alpargartas se queimaram eu desci com pé no chão. Desci na ponta da nuvem por um estralo de um trovão. Pisei em terra firme, com dois crucifixos na mão. De um lado São Cosme e do outro São Damião. Em prece acode o cruzeiro da virgem da Conceição.

“A cultura é aquilo que sai dentro da alma da gente.”

Ser mestre de reisado pra mim é uma coisa muito importante porque não é nem todo mundo que tem o nome de Mestre. O pessoal diz: Mestre Aldenir! Isso prá mim é um orgulho que eu tenho.

Ave-maria! O reisado é tudo na minha vida. Faz muito tempo que eu brinco esse reisado. Dia 24 de junho de 1955, na noite de São João, foi a primeira vez que eu brinquei. Eu ainda era rapaz. Se eu não gostasse já tinha dado pra trás. Eu amo o reisado. Incentivo os meninos pra brincar porque só é mestre se começar que nem eu, novo. Aí eu incentivo eles para amanhã serem um mestre de reisado, serem um mestre da cultura popular. Eu me sinto muito orgulhoso de passar esse saber meu pra outras pessoas.

O reisado mudou muito. Mudou prá melhor. O reisado até no ano de 1960, neste intervalo de 1960 pra 1970, era uma coisa. A gente só brincava naquelas festas que tinha nos sítios, nas fazendas, na casa que fazia renovação, que fazia aniversário. Aí a gente ia. Depois de 1970 mudou porque o pessoal da cidade começou a levar os grupos dos sítios para as cidades. Pra fazer apresentação nas igrejas, apresentação nos aniversários, os prefeitos quando iam inaugurar uma rua. Aí foi pegando esse conhecimento na rua e hoje a gente só tá brincando mais é na cidade. A gente vai pra lá, brinca 15 minutos, 20 minutos… pronto! Tá feito o reisado.

Antes o reisado começava 8 horas da noite e o dia amanhecia. A gente cantava… A gente começava lá fora, era três peças que a gente cantava. Cantava a primeira, a segunda e a terceira. Quando chegava no pé da porta aí o Mestre gritava… apitava, porque o apito é o chamamento do pessoal. Quando ele vai começar uma peça ele apita, quando um menino sai, pra juntar os meninos, o apito é quem chama. Uma ordem que o mestre quer passar para um afigurado, ele não vai passar de boca, ele passa pelo apito. Ele vê um mal feito de um afigurado é só ele olhar, apitou o afigurado atende porque aquilo ali é tudo fabricado aqui em casa, nos ensaios.

Aí o Mestre chega no pé da porta. O mestre abaixa, todo mundo, os afigurados se abaixam, aí ele diz: Ôh de casa, Ôh de fora / Menina vem ver quem é / Menina vem ver quem é. Os meninos respondem: É um cravo e uma rosa / com a açucena no pé / com a açucena no pé.

São 12 partes. A gente canta as doze partes… No pé da porta o Mestre diz
– Mateu, vc andou lá por dentro?
– Andei.
– O que você viu lá dentro?
– Eu vi panela de boca para baixo.
– Mateu eu não estou perguntando por panela. Eu quero saber se você viu o dono da casa.
– Vi.
– O que foi que ele lhe disse?
– Ele mandou dizer que não quer nenhum pessoal desse aqui na casa dele; que não mandou chamar ninguém, não!
– Mas nego, eu não mandei dizer isso para o dono da casa. Vá perguntar a ele se a gente pode brincar os Santos Reis do Oriente?

Aí o Mateu vai e pergunta a ele e volta pra dar o recado que pode brincar os Santos Reis do Oriente.

– E o Mestre pergunta: A casa está limpa?.
– Mateu diz: tá não, a casa tá suja que a mulher não varreu a casa.

E o Mateu vai varrer a casa, faz que apanha o lixo, que lá não tem lixo, e a gente entra e canta:

Entremos nós nesta sala de alegria / Entremos nós nesta sala de alegria / Mas o governo é quem manda / Mas o governo é quem manda / Viva Rei de Congo / Viva rei de Congo / Viva rei de Congo /Nosso Rei da Monarquia.

Mestre apita e diz: Boa noite meus Senhores, Boa noite cadê Deus / Cadê o dono da casa, por ele pergunto eu. / Padre nosso que nos ensina, quer dizer santificado / Boa noite meu senhores, que eu não sou mal-ensinado / Venho trazendo com cuidado, meu brinquedo em cada dia / peço ao Onipotente / que fique calado somente / até acabar a função dos Santos Reis do Oriente.

Aí o Rei, que brinca atrás do Mestre, diz: Quando eu entro nesta sala, pelo claro desta luz / dou viva ao dono da casa e ao Coração de Jesus/ pPerante um foco de luz, digo uma e digo duas / Viva o Coração de Jesus.

Aí a gente vai cantar o Divino, falar no menino Jesus, falar no Coração de Jesus. Quando termina o Mestre sai da casa com o reisado, cantado: eu venho, eu venho / do verde do mar / cercado eu me vejo sem poder falar / o dono da casa tem muito o que dá / o dono da casa tem muito o que dá / prepara a cadeira para o rei se sentar.

O Mateu bota a cadeira e o Rei se senta. Aí o Mestre vai cantar a peça, dando boa noite ao povo, aquele pessoal que está assistindo ao reisado. Quando dá boa noite ao povo, ele apita e diz: ôh meu mateuzinho do amor / venha prestar atenção em toda repartição / sempre eu falo a seu favor….

Aí vai dar início ao reisado, as danças. E aí o reisado é a noite toda! Nas apresentações na cidade ninguém faz isso, mas numa casa é. De madrugada tem um lanche pros meninos, uma mesada de comer, três horas da madrugada. A gente canta pra entrar naquela mesa. Tem a peça da gente cantar, rodeando a mesa com a comida. Quando a gente termina tem outra peça que a gente vai agradecer a comida que a gente comeu. E aí é a despedida do reisado e vai embora.

Eu fui dos primeiros mestres que recebeu esse título, em 2004. Quando, de manhãzinha, eu assisti o jornal dizendo que eu tinha passado, que eu ia receber esse título… Rapaz eu quase caio. Fiquei com uma alegria muito grande. Se eu estava alegre, fiquei mais. Chegou o dinheiro, chegou o título, que eu tenho guardado lá dentro. Prá mim foi bom e eu fiquei torcendo para os outros também entrar. Desse reisado mesmo já saiu muitos mestres. Um foi o finado Bastião (Mestre Sebastião Cosme), que brincou muito mais eu, foi também beneficiado com esse título.

Mestre só é mestre se ele fabricar aquelas peças que ele produz. Porque o reisado tem muitas peças, o canto do reisado. E o mestre é obrigado a ir transformando aquelas brincadeiras em umas peças gravadas por ele. Ou a maioria das peças cantadas no reisado ser feitas por ele; ou uma, duas ou três peças ele tem de fazer pra cantar naquele reisado. Uma coisa mais diferente porque o cabra não pode cantar só peça dos outros grupos. Tem de cantar dele também que é prá outros mestres aprenderem.

As peças que eu digo são os cantos do reisado. Cada apresentação a gente faz uma peça pra ter uma coisa nova lá no recinto. E as nossas peças aqui quase todas é a gente que faz. Fabricamos aqui, vê se está direita, se está errada. Faz peça com moça, com homem, com o dono da casa. Tem peça de Padre Cícero, tem peça de Nossa Senhora das Dores, tem peça de Governador, tem peça de prefeito, tem peça de quem já morreu. Como Seu Elói Teles, ele era poeta e quem tomava de conta da cultura popular. Quando ele faleceu eu fiz uma peça pra ele e fiquei cantando. Eu morei 26 anos com ele lá no terreno dele. Ele me levou daqui para o terreno dele lá. E ele gostava muito do nosso reisado. A gente sempre canta essa Exposição do Crato.

Tem peça também com qualquer evento que a gente vai fazer… e ali já vai passando para outros mestres, pra outros companheiros. E tem as embaixadas… A gente tem um livro de embaixada. Tem os entremeios: tem o boi, tem o jaraguá, tem a burrinha, tem a sereia, tem a doida, tem o sapo. Isso tudo faz parte da brincadeira do reisado.

A cultura é aquilo que sai dentro da alma da gente. O reisado, isso que a gente faz, a gente faz com muito amor. Pelo menos eu faço com muito amor!