logo.png

Mestre

Bigode

Manoel Antonio da Silva

Mestre em Maneiro Pau e Bacamarte

Publicação no Diário Oficial do Estado

04 de maio de 2004.

Cidade/Residência

Juazeiro do Norte (Região do Cariri)

Nascimento

4 de julho de 1923

Falecimento

12 de agosto de 2017

(recitanto)

Pessoal, quando eu morrer /
que vocês forem me enterrar /
num quero ver ninguém chorando /
porque eu não gosto de chorar /
vocês levem um violão /
pra na minha voz cantar /
cante música de reisado que eu gostava de cantar /
Gente, quando eu morrer /
eu não quero choro profundo /
eu quero um boi no meu enterro /
pra eu brincar no outro mundo /
pra eu brinca lá com São Pedro /
que é o chaveiro do mundo.

“Eu tenho muito prazer porque eu posso dizer que eu sou Mestre, feito pela natureza.”

Meu nome é Manoel Antônio da Silva e nasci e me criei no Iguatu. Sou filho natural de meu pai e minha mãe, José Antônio da Silva e Maria Luiza da Conceição. Eu comecei esse meu trabalho com 11 anos de idade. Quando eu tinha nove anos nós viajamos de Iguatu para o Pará, para a Amazônia. Em Santarém, no Pará, nós moramos três anos. Lá, meu pai, junto com meus irmãos, juntavam defunto na rua, que os índios matavam bêbados com a água do cipó timbó.

O povo me chama de Bigode porque eu com idade de 12 anos já tirava a barba e deixava o bigode. E já tinha cabelo branco. Toda vida eu fui velho! O apelido de Bigode quem deu foi o barbeiro, mesmo. Tirando a barba dizia: o cabra com 12 anos já tem bigode. É Bigode, mesmo! Aí pronto, pegou, enraizou.

Eu não sei do “A”. Meu pai e minha mãe estavam gastando dinheiro comigo na escola e eu não ia… Eu saia de casa dizendo que ia, mas quando eu chegava no caminho eu pegava uma lata de doce de goiaba e inventava que era um pandeiro…aliás eu tenho três pandeiros, cada qual o mais bonito… Aí eu ia cantar embolada… eu fazia a minha embolada e a embolada do meu companheiro.

Depois eu pensei: eu vou inventar um maneiro pau. Eu tenho meus cangaceiros e eu vou inventar meu maneiro pau. Aí eu inventava : digamos que aqui é um pé de pau e eu tô debaixo sozinho e Deus… Aqui, eu tô fazendo meus repentes, meus motes de cantar, tô falando com cada um do meu grupo – mesmo sem ter nenhum… eu sou Lampião e ali é o acampamento dos meus cangaceiros. Cada um com uma tora de pau do tamanho de um bacamarte … Eu fazendo meu pensamento, né?!

No momento que eu comecei o maneiro pau comecei o bacamarte. Mas isso eu sozinho e Deus, lá debaixo do pé de pau. Tudo isso fiz só.
A peça de Maneiro Pau não é só a gente cantar. A peça do maneiro pau é o respondimento.

O primeiro chamado para brincar foi na época de sessenta. Fui chamado para representar Juazeiro em Fortaleza. Aí eu fui. No trem eu ia cantando mais os brincadores. E disse: ” olhe nós vamos para Fortaleza, vocês escutem bem, prestem bem atenção o dom de cada um”. Eu disse: “ vamos para Fortaleza, vou arranjar um respondimento para vocês… “ Porque a peça do Maneiro Pau é respondimento…
Aí eu imaginei: Eu vim aqui visitar Fortaleza / e ver as belezas das ondas do mar.
O respondimento dos brincadores é: vou chegar, já cheguei, tô chegando / o povo perguntando, onde eu vou brincar.
Foi nessa viagem que eu vi o mar.

O meu grupo de bacamarte é Batalhão Padre Cícero, que o batalhão é o mesmo que brinca os cacetinhos, os paus de jucá do maneiro-pau. E o bacamarte é meu apito. Quando eu apito é uma rajada. Pra gente sair com convite eu junto os brincadores, dou uma treinada neles que é pra ninguém errar. Porque se erra nesses cacetes eu erro na cantiga. Se eu erro na cantiga, eles erram no cacete. Tem de ser uma coisa certa.

E essa brincadeira minha foi toda vida! Minha brincadeira foi formada por mim. Eu não devo a professor, que eu não sei do “A”. Não devo a mestre nenhum, a não ser Deus e meu Padim Ciço e Nossa Senhora das Dores e meu São Francisco das Chagas, que são meus santos que eu abraço. Aí pronto… taí minha brincadeira.

Pra mim, ser Mestre é … o sujeito mesmo que não saiba ler, tenha educação e sensibilidade de tudo quanto ele arranjar pra ele colocar naquele trabalho e o povo gostar. Eu tenho muito prazer porque eu posso dizer que eu sou Mestre, feito pela natureza. Porque não sei ler, não sei contar, não sei escrever… E os mestres que sabe ler, tudo vieram aqui em casa me pedir uma explicação quando é para eles fazerem uma apresentação. Aí eu me sinto satisfeito e quero bem ao meu trabalho e a todos que gostam de mim. Mas olhe, a pessoa ensinando tudo o que sabe termina sem saber nada! Eu sou o seguinte: eu não ensino a muitos, porque aqui tem é mestre intrigado porque vocês estão assim, assim comigo e não com eles. E ser mestre é ser mestre!

Eu não tava sabendo para o que era, quando foi pra eu ser contemplado Mestre. Chegavam as pessoas lá em casa, me pegavam pra eu contar minha história … e eles me filmando, sem me dizer para o que era. E tanto, que a vida de mestre, de ser mestre é como uma linha que contém minha vida todinha . Eu contei sem saber para o que era. Aí depois eles vieram aqui em casa e disseram: Mestre tem um convite para você receber um prêmio lá no Crato. Mas você tem de levar o grupo. E eu disse a meus brincadores: tal dia nós vamos para o Crato. Chegamos lá no Crato e estavam o Governador Lúcio Alcântara, Gilberto Gil, e um bocado de governador.

Eu, Raimundo Aniceto, Mestre Aldenir… recebemos a comenda. E pediram a cada um pra dizer uma poesia. Eu botei a mão no ombro do Governador e no ombro de Gilberto Gil, e disse: “Doutô, inda hoje eu tenho lembrança, do meu tempo de rapaz / faço coisa sem escrever, que o senhor escreve e não faz / é coisa do meu dom e o mundo veio ficar bom depois que eu não presto mais”!

E hoje eu chego numa repartição, eu vou na rua e, quando dou fé, é aquele mói de estudantes, moças me pegam e dizem: mestre uma foto comigo aqui… É nas lojas.. é tudo desse jeito… Antes eu procurava a cultura e ela se afastando de mim. Aí, com o Diploma de Mestre, de Lúcio Alcântara para cá, eu é quem já estou me recusando porque a cultura me quer e eu não tô quase podendo mais porque 92 anos de idade, não é moleza! Para um cara que começou com 11 anos de idade!