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Mestre

Françuli

Francisco Dias de Oliveira

Mestre em Artesanato em Flandre

Publicação no Diário Oficial do Estado

23 de outubro de 2015.

Cidade/Residência

Potengi - Região do Cariri.

Nascimento

20 de janeiro de 1942

Relato de Viagem

Um homem que tem o pensamento nas nuvens, nos aviões, balões, helicópteros, asa delta, parapentes, paraquedas, foguetes, passarinho… Mestre Françuli é aficcionado por tudo que voa. Sempre foi assim desde que avistou um avião pela primeira vez, na roça com o pai, e inventou um jeito de sentir a sensação de voar pulando de galho em galho das aroeiras do sítio de seu avô. Inventar aliás é outra característica de sua trajetória de vida: seja para fazer os objetos que voa seja para resolver problemas da vida cotidiana que lhe deu o título de Inventor do Sertão. Em Potengi, onde o Mestre nasceu e mora, todo mundo sabe e indica o Museu do Inventor do Sertão: “é ali no muro branco todo pintado com coisa que avoa”. Mestre Françuli mantém a cor azul no interior do museu, simulando um céu de brigadeiro e, ao lado, a oficina de inventor, repleta de pássaros e pavões nas paredes.

(Cantando)

Padrinho Ciço, fundador de Juazeiro e protetor do romeiro desse imenso sertão /  Padrinho Ciço, fundador de Juazeiro e protetor do romeiro desse imenso sertão / Frei Damião que era nosso capuchinho, ele está com Jesus Cristo, já cumpriu sua missão / Frei Damião que era nosso capuchinho, ele está com Jesus Cristo, já cumpriu sua missão / Eu nunca achei um mestre pra dá ni mim, se já deu já levou fim ou anda no  mundo encantado /Eu nunca achei um mestre pra ni dá mim, se já deu já levou fim ou anda no  mundo encantado / Tô preparado pra brincar, brinco bonito / Eu sou o Mestre Expedito e sou um mestre respeitado / tô preparado pra brincar, brinco bonito / Eu sou o Mestre Expedito e sou um mestre respeitado.

“Tudo que voa eu tenho vontade de fazer.”

Eu, quando era pequeno, tinha tanta vontade de voar! Mas eu tinha vontade de voar!!! Aí no terreno de meu avô tinha uma quebrada cheia de aroueirinha nova. A gente subia nas aroeiras e elas envergavam, envergavam, envergavam, envergavam que encostava no chão. Aí eu pensei: aqui dá pra gente fazer uma brincadeira! Eu subi na aroeira e ela envergou, envergou… antes dela envergar tudo eu – vapt – pulei na outra e a outra desceu. E antes da segunda chegar no chão, eu – vapt – pulei na outra.

E essa brincadeira era todo domingo. Chegava lá e subia nos pés de aroeira e descia de cabeça pra baixo. Quando chegava lá em baixo, na derradeira, eu me agarrava nela e descia. E subia o morro de pé, de volta. Passava um pedaço sentado, quando descansava um pouco, eu subia na aroeira de novo. Eu brinquei muito disso. Eu sentia como se tivesse voando. Dava dois, três voos e ia pra casa. Inventando de voar assim.

Eu tenho três nomes: Francisco Dias de Oliveira, Françulí e Inventor do Sertão.
Eu nasci no marmeleiro, nesse município de Potengi. Esse beco aqui, onde tem o meu museu e a minha oficina, o povo conhece como o beco do inventor do sertão. Desde de 1982 que eu peguei esse apelido. E o povo por todo canto que eu ando me chama de inventor do sertão.

Meu pai era agricultor. Eu sou agricultor também. Trabalhava mais meu pai na roça desde eu pequenininho. Com seis anos eu, trabalhando na roça, vi um avião passando. Eu fui olhando… e perguntei: meu pai e o que é aquilo? Ele respondeu: é um avião. Perguntei de novo: e ele voa sozinho que nem um passarinho? Ele disse: não, ali vai gente dentro.

Eu fiquei com aquilo na mente. Quando foi de tarde, depois do serviço, nós viemos pra casa e eu já trouxe um pedaço de pau, que era um pauzinho bem molinho, uma madeira bem molinha que a gente cortava com uma faca. Aí modelei o que eu vi de longe, mas a distância era muita e não dava pra gente vê tudo como era. Não ficou bem feito não! Mas eu fiz o modelo.

Fiquei trabalhando, trabalhando… Minha mente só no avião, pensando. Ia dormir e me acordava e ficava pensando. Enquanto não dormisse de novo pensava como que eu ia inventar. Eu fiz um bocado de avião de madeira. E apareceu aquelas latas de óleo de comida. Minha mãe gastava o óleo e jogava no munturo. E eu vinha da roça e vi uma lata… E pensei: eu vou inventar meus aviãozinho é daquelas latas. Mas como é que eu vou abrir essa lata? Sem ter com que?

Peguei uma faca e cortei, tirei o texto – a tampa – e abri. Com o material
fui formar o aviãozinho da lata. Usei uma tesoura da minha mãe cortar fazenda. Eu pegava escondido porque ela tinha um ciúme danado dessa tesoura. Quando eu terminava de cortar o zinco eu corria na pedra de amolar – que as pedra de amolar de primeiro era a mesma coisa de um esmeril hoje – e passava a tesoura. E amolava bem amoladinha e depois botava lá no mesmo canto. Eu sempre, toda vida, fui inteligente. Fiquei fazendo aviãozinhos e aí os meninos começaram a brincar mais eu.

Fiquei trabalhando, trabalhando e quando eu ia numa oficina eu ficava pensando: uma vontade tão grande trabalhar em uma oficina. Quando eu cresci mais, enterei 18 anos, já dava pra eu trabalhar em oficina. Tinha o finado Dão, muito amigo meu, e ele tinha uma oficina de ferreiro. Fui trabalhar lá.

Mas os meus ferros, da minha oficina, tudo foi eu que fiz. Eu só comprei um botijão de gás e um esmeril. Até a furadeira, de furar o ferro, fui eu que fiz. Ainda hoje tá por pintar. É feia mas ela fura todo ferro. Quando eu formei os ferros deu pra fazer os aviõezinhos. Fazendo avião e juntando lá em casa.

Disso criou mais aquele interesse na minha cabeça que eu ia dormir e sonhava com avião. Vendo o avião direitinho, sem eu nunca ter visto. Via ele voando. Fiquei só naquela vontade de trabalhar só em coisa que voa. Eu passava de meia hora sentado em riba de uma pedra vendo os passarinhos voando. Observando o jeito que eles voavam. Porque o vento pesa um pouco daqui, aí ele pende pra ali. Quando vai pro lado, o vento pende desse lado e vai fazendo as curvas… Eu imaginando, cá comigo!

Eu continuei trabalhando, até quando consegui aperfeiçoar o avião. Aperfeiçoei mas não ficou que prestasse, não ficou bom. Eu estava fazendo os vidros para riba. Aí quando eu vi um avião, foi que eu percebi o que estava errado. Ah! o avião é assim, com os vidros na frente… Eu já estava com 40 anos, quando eu vim ver um avião no chão, no aeroporto de Fortaleza. Foi quando me levaram para uma exposição dos meus aviões.

Na minha oficina tem avião. Lá em casa tem três. Aonde eu habito é preciso ter um aviãozinho ou dois. No tempo que levaram os aviãozinhos tudim pra Fortaleza, pra a exposição, eu vim no museu e quando eu entrei fiquei assim… sem assunto. Aí meti os pés pra riba, cortei umas peças e fiz um avião dentro de dois dias e botei aqui. Era aquela cegueira, só aquilo na cabeça, aquele pensamento, e só vinha um pensamento igual. E fui fazer outros. Quando os aviões da exposição chegaram já tinha dez.

Quando eu fui escolhido pra ser Mestre da Cultura eu fiquei muito alegre. E cheguei em casa pensando: Deus é muito poderoso porque eu fui escolhido pra ser um mestre. Mestre é difícil… porque pra gente aprender as coisas os outros ensinando é fácil. Mas a gente aprender por si é muito difícil. Aí só Deus! Porque trabalhar bem é só pra quem Deus é servido.

Ser um mestre é ter inteligência para fazer as peças. Toda a inteligência vem de Deus. A gente tem vontade, o prazer de trabalhar. Aí Deus dá a inteligência. E a gente vai fazer. Eu nunca ensinei a ninguém. Tenho vontade de ensinar pra uma pessoa ficar fazendo minha arte.

Voar eu já voei. Mas eu ainda sonho voando. E sonho voando sozinho, sem nada.