Mestre
15 de maio de 2018
Fortaleza
29 de abril de 1946
Geraldo Amâncio mora em Fortaleza. Na sala de estar de sua casa nos deparamos com muitos troféus de festivais, comendas e homenagens a esse cantador com mais de cinquenta anos de estrada. Geraldo também tem muitas violas e para cada uma tem histórias contadas e cantadas, lembranças de parceiros – antigos e novos. Elas acompanham sua linguagem fluida e escorreita, seu raciocínio rápido, treinado pela necessidade do improviso, exercício de uma vida inteira. Com um sorriso fácil e largo, uma conversa animada, ele encanta grandes plateias ou pequeno grupo de entrevistadores.
Padrinho Ciço, fundador de Juazeiro e protetor do romeiro desse imenso sertão / Padrinho Ciço, fundador de Juazeiro e protetor do romeiro desse imenso sertão / Frei Damião que era nosso capuchinho, ele está com Jesus Cristo, já cumpriu sua missão / Frei Damião que era nosso capuchinho, ele está com Jesus Cristo, já cumpriu sua missão / Eu nunca achei um mestre pra dá ni mim, se já deu já levou fim ou anda no mundo encantado /Eu nunca achei um mestre pra ni dá mim, se já deu já levou fim ou anda no mundo encantado / Tô preparado pra brincar, brinco bonito / Eu sou o Mestre Expedito e sou um mestre respeitado / tô preparado pra brincar, brinco bonito / Eu sou o Mestre Expedito e sou um mestre respeitado.
“A Cantoria Não Morre Porque Os Cantadores São Poetas.”
O meu nome é Geraldo Amâncio Pereira. Sou poeta, cantador, repentista, palestrante, escritor. Nasci no dia 29 de abril de 1946, no Sítio Malhada de Areia, no município de Cedro, no Ceará. Descobri ser repentista ainda criança. Havia um programa na Rádio Clube, do Recife, com José Alves Sobrinho e Otacílio Batista. E nós ouvíamos o programa pelo rádio, na casa do meu avô paterno. Eu meus irmãos. E nós cantávamos repentes trabalhando na roça, tanto limpando o mato como catando algodão. Depois, na adolescência, apareceu um programa de rádio do também poeta Pedro Bandeira e João Alexandre, na Rádio Educadora do Crato. Foi outra grande influência que eu tive pra me descobrir repentista mais uma vez.
E considero ainda, ser hereditário o meu dom de repentista, porque meu avô paterno foi cantador amador e um tio paterno, chamado Amâncio Pereira Lima, foi também cantador.
A primeira vez que me apresentei para um público muito grande foi numa cantoria de Pedro Bandeira e Chico Bandeira, num sítio chamado Campos, no município de Baixio. Pedro adoeceu e eu tive que cantar com o irmão dele. Pouco tempo. Em janeiro de 1964, houve uma grande cantoria na Vila Arrojada, município de Lavras, com Pedro Bandeira e Zé Vicente, na Casa do Senhor José Pinheiro, que tinha sido eleito Vice-Prefeito de Lavras e me botaram pra cantar.
E eu cantei com Pedro Bandeira, que era o maior nome e a maior estrela da época da cantoria. E quando terminei de cantar com ele e ele bateu em mim e disse: “pode continuar que você tem muito futuro”. Meu pai, que era um homem pobre e eu era um trabalhador da roça, não queria que eu saísse com viola pelo mundo.
Queria que eu cantasse, porém que não viajasse, porque ia faltar um braço na enxada, na roça dele , e eu assumi um compromisso com ele de pagar um trabalhador no meu lugar. Havia um programa chamado Sertão Canta, na Rádio Iracema de Iguatu, e eu fui a Iguatu para participar desse programa. Não como titular, mas de vez em quando participava. Programa esse comandado por Antônio Maracajá e Jerônimo Bonfim Maracajá, que foi um dos meus mestres. Com um mês que eu fiquei no Iguatu, voltei para casa, lá para o sítio, sem nenhum centavo. Aí meu pai disse: “e aí ganhou alguma coisa? “ Eu disse: não. Ele disse: “eu não disse que isso não tinha futuro. Não vai viajar mais.” E o certo é que pra sair a segunda vez, eu acho que demorei uma semana; foi meio escondido. Minha mãe vendeu uns ovos, e eu vazei, como se diz hoje. Dessa segunda vez que saí, fiquei no mundo até hoje, com as violas.
Primeiro cantador com que eu viajei foi um rapaz chamado Francisco Baptista, conhecido por Azulão. Nós saímos de Iguatu. Descemos ali, num vilarejo chamado Brum, que é abaixo do Icó. Isso aí. Daí tiramos até umas nove léguas, como a gente chama, para um lugar chamado Baixio Nazaré, que hoje é coronel João Pessoa, no Rio Grande do Norte. Pela primeira vez eu ganhei dinheiro com violas e aí sim, meu pai ficou satisfeito.
Fiquei morando em Iguatu. Em 1965, surgiu uma rádio por nome Rádio Alto Piranhas, em Cajazeiras, de alcance muito grande. Eu resolvi morar em Cajazeiras, na Paraíba, onde também fiquei fazendo um programa. Em Cajazeiras eu fiquei de 66 a 69. Quando, um ano antes, em 68, participei do primeiro Festival de Cantadores, realizado em Juazeiro do Norte, promovido por Pedro Bandeira. Eu cantei com o Sebastião da Silva e eram muitos cantadores e nós éramos a dupla mais nova e ganhamos o primeiro lugar.
Pedro Bandeira me convidou para ir morar em Juazeiro para trabalhar com ele. Pedro era muito requisitado. A primeira coisa que me veio na cabeça foi que eu ia ficar rico cantando com ele, e até hoje não fiquei. Em Juazeiro do Norte, cheguei dia 1 de novembro de 1969 e dois meses depois, casei-me com a Senhora Elenilce. Ainda hoje estamos aqui contando a nossa história. Depois de 20 anos em Juazeiro, passei uma temporada em São Paulo, uns sete ou oito meses. Passei também uma temporada de poucos meses, em Olinda.
Foi então que um filho meu adoeceu e só tinha tratamento aqui em Fortaleza. E eu tive que vir. Falando muito honestamente, eu não gostava de Fortaleza, vim a força, mas dizem que Deus escreve certo por linhas tortas e essas linhas tortas ficaram muita aprumadas pra mim. Primeiro, meu filho recuperou-se e aqui as portas foram se abrindo para nosso trabalho.
Rosemberg Cariri, famoso cineasta, abriu um espaço na TV Jangadeiro, em 1993, para um programa de viola. Fiz o programa dez anos. Depois, quando a TV Diário ficou de alcance nacional através da parabólica, o próprio Rosemberg arrumou outro espaço onde eu trabalhei nove anos. Depois a TV saiu da parabólica e ficou com alcance restrito à região, eu resolvi sair e, foram aparecendo muitas viagens.
Em 1995, nós lançamos nosso primeiro livro, que é uma antologia – De Repente Cantoria – em parceria com um poeta excelente chamado Vanderley Pereira. Depois do lançamento apareceu, um convite para que fôssemos apresentar a cantoria no Museu de Etnologia, em Lisboa, em Portugal.
Pedro Bandeira e eu, nós fomos a primeira dupla a atravessar o Atlântico com violas e apresentar a cantoria brasileira lá em Portugal. Embora sejamos herdeiros dessa profissão de cantoria dos próprios portugueses. Depois disso, nós já fomos mais sete vezes, inclusive para ministrar uma palestra na Universidade de Coimbra. Já estivemos na região da Catalunha, mais precisamente, nas Ilhas Baleares, onde houve um festival mundial de repentista.
É bom lembrar que a cantoria não existe só no Brasil. Em quase todos os países existem repentistas. Na Catalunha chama-se Glosador em vez de cantador. Aqui, na América do Sul, em vários países, existem os Payadores, que são poetas repentistas. Descobri repentistas até na Palestina, que chama se Zagal. E no Japão, na cidade de Okinawa. É uma arte universal.
Além da cantoria, que nós fazemos há 56 anos, também escrevemos. Publicamos vários livros. Em torno de 15. Fora os cordéis, já gravamos 16 CDs/DVDs com parcerias diferentes. Já participamos de mais de 200 festivais competitivos de cantoria, onde chegamos a ganhar mais de 150 primeiros lugares. E, acima de tudo, estou muito feliz com esse trabalho. E hoje eu acho mais prazeroso escrever do que cantar. Eu acho que tem menos sacrifício, porque a cantoria, vou dizer, ainda acho muito difícil de fazer, porque é como um rio, por exemplo. A água sempre se renova. A que está passando hoje não passou ontem. A que passa hoje não passa manhã. É como a cantoria. O improviso que eu faço aqui eu não posso repetir. Até porque se repetir não é improviso.
Hoje, alguns pseudo-intelectuais querem dizer que ser músico, ser poeta não é um dom. Ou é dom, ou não desenvolve. Primeiro, tem que expor esse dom que nós ganhamos desde o berço. Porque há “cantadores e cantadores”; há alguns que não nasceram tão poetas assim; apenas se meteram no meio e não se saíram.
Para o público de cantoria se renovar, a cantoria tem que ser renovada. Para ilustrar o que eu estou dizendo vou contar uma história. Nós estávamos num festival de repentista no centro do Recife, no Marco Zero. Tinha umas 15.000 pessoas. E houve um toró e ninguém arredou pé. Eu estava com o Sebastião da Silva, que foi o meu melhor parceiro em festival. Os cantadores cantam olhando para os pés, não olha para o povo. E isso Pedro Bandeira me ensinou: Pedro cantava, acenando, olhando, brincando. Chamei Sebastião e disse: “Ôh Sebastião, em todo show o povo canta, o povo canta em culto, canta em missa, mas não canta em cantoria. Que contraste, não?”. Eu propus: ”vamos cantar um coqueiro da Bahia e solicitar pro povo cantar?” Ele retrucou: “você é doido e se esse povo não cantar?” Eu respondi: não tem nenhuma decepção porque não cantou até hoje. Mas se cantar…vai ser um grande ganho para a cantoria”. E assim fizemos: “coqueiro da Bahia, quero ver meu bem agora / quer ir mais eu, vamos! Quer ir, mais eu vambora! Quer ir mais eu, vamos! Quer ir, mais eu vambora!”. Aí todo mundo cantou. Daí para cá, toda cantoria que tem cadência, que não atravessa o ritmo, eu solicito e o povo canta. Eu queria que todos os cantadores fizessem isso.
Quando eu recebi o título de Mestre, o que mudou foi que sou mais convidado para os eventos do próprio Estado. E isso ajuda muito, porque eu tenho a oportunidade de me apresentar para um público que não tem o hábito de assistir cantoria. Nós temos uma carência muito grande que é a renovação de público. Eu me considero com muita sorte. A geração de cantadores que me antecedeu – aquele que chegava aos 50 anos era totalmente esquecido, ninguém chamava mais para cantar. Hoje, eu estou com 73 e minha agenda está cheia, como se eu tivesse 20 anos. Então, eu acho que até nisso o título também me ajuda muito.
Também tem outra coisa, eu só vim ter a oportunidade de ministrar aulas em escolas, só depois que sou mestre. E outra coisa, depois desse título também tenho tido o cuidado de explicar aos ouvintes a cantoria. Explicar aos ouvintes de cantoria de onde vem a quadra, de onde veio a sextilha, quem criou o galope à beira mar, o martelo, o martelo agalopado.
Eu ensino como se escrever versos com a métrica certa. Agora, quando um cantador novo está começando, eu não ensino, mais oriento.
E digo mais, a cantoria não morre porque os cantadores são poetas. Se por acaso perdêssemos o público de cantoria, os cantadores iriam cantar um para o outro, porque são poetas. Isso é uma necessidade espiritual.
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