Mestre
23 de outubro de 2015.
Juazeiro do Norte – Região do Cariri.
13 de agosto de 1938.
Mestre Geraldo é um homem que gosta de lógica. Palavra que ele utiliza, não no sentido filosófico, mas no seu significado figurado, associado ao funcionamento de algo, a uma maneira específica de raciocinar. Essa inclinação pela racionalidade das coisas, o fascínio pelo funcionamento das engrenagens, foi o que deu a ele a ousadia irracional, digamos, a insensatez, de se aventurar sem conhecimento mais profundo a assumir a confecção de seu primeiro relógio. Teve êxito. Mas não ficou aí. Foi estudar, pesquisar por conta própria, e se aperfeiçou. Que dizer de tal Mestre? No mínimo que tem auto-confiança e coragem. Foi essa a impressão que ele nos passou quando nos recebeu em sua pequena oficina, no centro de Juazeiro do Norte, que praticamente abriga um único imenso relógio, a quem ele se reportava com frequência no decorrer da conversa, atraído pela máquina.
Esse homem extremamente racional se derreteu de amores quando sua filha e netos foram buscá-lo para o almoço. E aí o nosso intervalo de tempo com ele cedeu lugar a um outro, que os relógios não tem como marcar,o tempo do querer bem.
Padrinho Ciço, fundador de Juazeiro e protetor do romeiro desse imenso sertão / Padrinho Ciço, fundador de Juazeiro e protetor do romeiro desse imenso sertão / Frei Damião que era nosso capuchinho, ele está com Jesus Cristo, já cumpriu sua missão / Frei Damião que era nosso capuchinho, ele está com Jesus Cristo, já cumpriu sua missão / Eu nunca achei um mestre pra dá ni mim, se já deu já levou fim ou anda no mundo encantado /Eu nunca achei um mestre pra ni dá mim, se já deu já levou fim ou anda no mundo encantado / Tô preparado pra brincar, brinco bonito / Eu sou o Mestre Expedito e sou um mestre respeitado / tô preparado pra brincar, brinco bonito / Eu sou o Mestre Expedito e sou um mestre respeitado.
“Quando todo mundo pensava que só se fabricava relógio na Suíça, em Juazeiro a gente já fabricava. “
Meu nome é Geraldo Ramos Freire, conhecido mais por Geraldo Freire. Filho de Joaquim Freire dos Santos e Francisca Ramos Monteiro. Natural de Juazeiro do Norte. Eu cheguei a ser relojoeiro quase sem intenção, nem ideia de fazer relógio. Mas como toda vida eu fui meio curioso, fui pesquisando, me informei. Posso dizer que eu sou um autodidata.
Quando eu completei 18 anos eu fui para Fortaleza, servir na Força Aérea Brasileira. Eu queria ser aviador. Mas parece que o destino, um chamado, me trouxe de volta.
Meu pai toda vida teve oficina de tornearia, oficinazinha mecânica.
Quando eu voltei, estava trabalhando com meu pai e, a uma certa feita, chegou o padre salesiano, Gino Mouratelli, e me convidou para eu ir na oficina dele que estava parada.
Eu já tinha nossa oficina, não queria ir, mas ele insistiu e eu fui. Eu vi que a oficina tinha condições e arrendei. Durante esse arrendamento – passei um ano e pouco por lá – apareceu um padre, do Rio Grande do Norte, querendo um relógio. Porque essa oficina tinha sido uma fábrica de relógio. Só que o padre Mouratelli tinha vendido o gabarito piloto. Ele vendeu porque não ia mais fazer relógio. Aí chegou esse camarada, o padre do Rio Grande, e disse: aqui é a fábrica de relógio? Eu disse: é. Quem é o fabricante? O padre perguntou. Sou eu mesmo, quem fabrica sou eu: respondi.
Nós entabulamos o negócio e eu peguei o contrato do relógio e fiz. E desde 1963 que ele funciona lá, em Mossoró, no Alto da Conceição. O primeiro relógio que eu fiz foi este.
E o segundo está aqui em Araripe. Ainda hoje funciona! E de lá pra cá eu fiz relógio para Brasília, Minas Gerais, para o estado do Rio. Para o Norte e Nordeste quase todo. O único lugar do Nordeste que eu não tenho relógio é a Bahia. São uns 60 relógios ou mais.
O relógio mais importante que passou pela minha mão foi o de Oeiras, no Piauí, que veio ser restaurado no Crato. Mas o Senhor que fazia isso adoeceu. Aí ele veio terminar em minha mão.
Esse relógio é de quando o Brasil foi independente, em 1822. Parece-me que ele foi instalado em 1823. Eu dei a ideia lá…do Governo, me comprar um relógio novo e botar o relógio antigo no museu. E isso foi feito. Eu fiz o relógio novo para a catedral de Oeiras e pegamos o relógio antigo, histórico e botamos lá no museu da catedral. Esse foi o mais importante.
Lá no Crato tem um também que eu fiz. Com seis mostradores. Geralmente no relógio são quatro mostradores, quando muito.
Este entrou no Guinness Book por que tinha seis. Está lá na Igreja de São Francisco.
Para ser um relojoeiro primeiro é você ser um cara que tenha lógica. Tem que entender um pouco de lógica, de mecânica. Agora, pra fazer relógio de torre tem de ter uma oficina bem montada, com torno, plaina, freza e outros equipamentos.
Várias pessoas que trabalharam comigo, não chegaram a fazer relógio porque não tinham condições financeiras. Mas eles tinham condições técnicas. Ajudaram a fazer instalação de um relógio, trabalharam na oficina.
Mestre é você ser aquele camarada que tem lógica das coisas. Está talhado a transpor os obstáculos. Você ter a missão de ensinar a alguém. Então ser mestre é isso. Quando eu fui escolhido Mestre da Cultura eu até fiquei surpreso e um pouco envaidecido porque realmente não é todo mundo que vai ter a sorte de ser escolhido, né?! Eu fiquei surpreso mas fiquei agradecido.
O relógio, até pouco tempo, foi o meu ganha pão. Várias coisas que eu arranjei na minha vida foi em consequência da fabricação de relógio: comprei casa, cheguei a ter uma fazendinha, propriedades. Eu também sou piloto de ultraleve. Tudo eu consegui através do relógio, da minha profissão. Mas o ofício de relojoeiro, principalmente de fazer relógio grande, está em extinção. Infelizmente a modernidade traz essas coisas.
E eu fico me lembrando de outra época, da época de Mestre Pelúsio. Quando todo mundo pensava que só se fabricava relógio na Suiça, que é o berço da relojoaria, em Juazeiro a gente já fabricava relógio. Tudo começou por causa de um relógio que foi montado em Santana do Cariri. Nessa época, Padre Cícero chamou Pelúsio de Macedo, que era um homem muito inteligente – eu acho até que deveriam resgatar a memória deste cidadão – porque para mim, ele e Padre Cícero foram os dois homens mais importantes do Juazeiro no século XX. Pois bem, Padre Cícero mandou Pelúsio fazer, em Juazeiro, um relógio para Juazeiro. E o relógio foi feito.
O importante é que ele fez naquele tempo, que só tinha oficina mecânica lá em Fortaleza. Aqui não tinha. É muita coisa! Agora eu não sei porque não se divulga isso aqui. Então Juazeiro é pioneiro na América Latina em fabricação de relógio. E o Padre Cícero foi realmente um incentivador do progresso e um cara futurista.
Nós temos varios relógios públicos que são culturais, patrimônio.
Na igreja Matriz do Crato, na Sé. Na coluna da hora, de Juazeiro…
Não tem a menor lógica tirar nenhum desses pra botar um relógio eletrônico, digital. Isso não tem cabimento. O relógio mais importante do mundo, o Big Ben, de Londres, é um relógio mecânico, como esses nossos nas praças. A cultura de lá é tão importante que qualquer coisinha no relógio, o Parlamento Inglês cai em cima. Quem presta assistência lá é um engenheiro mecânico e um técnico. Mas aqui… Uma vez eu fiz um relógio e instalei em Aurora e o padre de lá queria colocar o vigia da praça pra tomar conta do relógio. É uma questão de cultura, né?!
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