Mestre
15 De Maio De 2018
Aracati (Região Leste)
29 de abril de 1944
A areia branca da frente da casa da mãe do mestre hugo, uma senhora quase centenária que ainda tecia em seu tear de labirinto, foi o terreiro da dança e do prosear franco e ligeiro com o mestre do coco da praia de majorlândia. O mestre juntou os tocadores e os brincantes, em uma das brechas da pandemia da covid, para cantar e embalar os dançarinos ao ar livre e com o frescor dos ventos que vem do mar logo ali à frente. Toda a família reuniu-se e foi plateia do grupo que vicejou alegria em tempos distanciamento social.
Padrinho Ciço, fundador de Juazeiro e protetor do romeiro desse imenso sertão / Padrinho Ciço, fundador de Juazeiro e protetor do romeiro desse imenso sertão / Frei Damião que era nosso capuchinho, ele está com Jesus Cristo, já cumpriu sua missão / Frei Damião que era nosso capuchinho, ele está com Jesus Cristo, já cumpriu sua missão / Eu nunca achei um mestre pra dá ni mim, se já deu já levou fim ou anda no mundo encantado /Eu nunca achei um mestre pra ni dá mim, se já deu já levou fim ou anda no mundo encantado / Tô preparado pra brincar, brinco bonito / Eu sou o Mestre Expedito e sou um mestre respeitado / tô preparado pra brincar, brinco bonito / Eu sou o Mestre Expedito e sou um mestre respeitado.
“E ser um mestre me faz orgulhoso, é um orgulho de cantar, de saber levar aquele grupo na hora de precisão e resolver o problema.”
Eu sou Hugo Pereira de Andrade. Nasci em Majorlândia. Me criei em Majorlândia. Nunca me mudei para morar noutro canto. Moro em Majorlândia direto. E eu sou o Mestre desse grupo. O grupo dos cocos de Majorlândia. É a Dança dos Cocos José Mendes.
Essa história vem de muito tempo. Eu era menino, 10 anos, Papai já tinha o grupo dele – José Francisco de Andrade, José Mendes – de homens. Eu era menino. Eu e meus três irmãos mais velhos, a gente passava a noite dançando nesse grupo. Era dia de reis e todos dias de festa, era uma tradição
Dia de Reis, dia de festa, a gente ia dançar o coco. Passava a noite dançando o coco. Não sentia nada. Eu menino no meio dos homens, eu e meus irmãos mais velhos. Levamos a vida até agora, dentro do coco. Depois que fiquei adulto – papai também e meus irmãos – aí começamos um grupo grande e ele era quem comandava. Ele convidava. E nós íamos dançar, sem problema nenhum.
Saía para todo canto. Às vezes a gente ia dançar em Fortaleza. Aqui, nos tempo de festa: era dia de festa, dia de ano… Então, os turistas vinham da cidade – Fortaleza ou Aracati – , vinham pra cá e a gente ficava dançando com eles a noite todinha. Eles davam um “cachêzinho” pra gente.
O grupo era formado com 12, 15, até 20 pessoas. Só homens no grupão. Antes, era mesmo só homem. Mas depois de a gente dançar muito tempo assim, papai botou as mulheres para dançar também no grupo. Chamou as mulheres. Inclusive, me lembro ainda, a gente dançava a roda de homem por fora e a mulher no meio, dançando no meio. Mas na mesma hora.
Eu comecei a assumir esse grupo nessa casa. Nós dançando e papai doente – já bem doentinho – pediu que eu assumisse. Eu era muito novinho, assim sem saber direito. Eu não tinha ainda o jeito, o ritmo. Mesmo assim eu disse: tá certo papai. Aí, eu fui e comecei a ensaiar ainda com ele. Ele com a voz bem fraquinha, e eu dançando com ele, ajudando ele a cantar. Foi a última vez que eu trabalhei com ele.
Faz mais ou menos uns 25 anos que eu sou líder desse grupo. Como Mestre faz pouco tempo. Mas fazer os cocos, embolar e cantar, faz mais de 20 anos. Eu, mesmo, na minha idade avançada, tenho 76 anos, ainda brinco no meio deles e sinto alegria. Me dá alegria estar com eles. Inclusive, eu fui Mestre, porque eu lidero o nosso grupo dos cocos; eu fiquei mais contente ainda depois disso.
Depois que eu fui Mestre ficou um pouco diferente. Por que? Porque eu aprendi mais coisa que eu não sabia. Se eu não tivesse sido Mestre desse grupo, eu não tinha essa liderança que eu tenho hoje. E ser um Mestre me faz orgulhoso, é um orgulho de cantar, de saber levar aquele grupo na hora de precisão e resolver o problema.
Quando fui escolhido Tesouro Vivo, eu recebi a notícia em casa. Eu ia ser Mestre da Cultura. Tesouro Vivo! Eu nunca tinha sido aquilo. Fui pra Fortaleza receber o diploma. Lá para o teatro José de Alencar. Foi muita gente.
E depois que eu fui nomeado mudou uma grande coisa. O negócio melhorou mais pra mim. Porque minha vida foi de trabalhador, trabalho cansado… trabalhador de enxada, pedreiro… minha vida era essa… Mas mudou mais um pouquinho porque eu já sou aposentado e tive mais outra aposentadoria como Mestre da Cultura. Agora, também a comunidade sabe que eu sou um Mestre da Cultura. O segundo Mestre da Cultura no lado leste do Ceará.
E eu sinto que eu tive mais um privilégio em relação ao grupo. E eu sou mais do grupo. Eles concordam comigo. Quando convido: vamos fazer isso? Eles dizem: vamos fazer!
Não é desfazendo dos outros grupos, mas esse nosso grupo é um grupo mais especial. Os outros grupos tem o coco, a dança , pandeiro, ganzá, outros instrumentos, tem muitas coisas. Nós temos a dança, o caixote e o ganzá. São esses os instrumentos que dão o ritmo. Eles dão o som, a altura que a gente dança.
As cantigas são as emboladas. Isso aí é na cabeça da gente. Tem a “Helena”. Tem o “boi me deu”. Tem o “maneiro pau”. Tem “andorinha branca”. Tem várias músicas.
Meu pai sabia tudo isso aí, como eu sei. Hoje em dia, eu aprendi também isso. Porque ele cantava e eu também. Aí tem um cérebro que a gente tem na cabeça que grava. Não é a música que vejo acolá, que aprendi com fulano de tal… Não! As músicas saem da minha cabeça. Eu faço improviso na hora, mesmo! Eu, como Mestre da Cultura, Mestre dos Cocos, eu canto, eu danço e improviso com o som do meu ganzá.
O mais difícil na Dança do Coco é cantar. Porque dançar você está vendo o outro do lado. Eu estou sabendo quem está ali dançando. E cantar é mais difícil. Fazer uma música, uma embolada. É preciso inventar, improvisar.
O grupo é da família. Tem mais gente da família do que de fora. Porque os extras, às vezes, não querem ir. Então, é sobrinho, irmão, um filho, um neto. Minha irmã é uma das pessoas que é a cabeça do grupo. Ela é quem resolve as coisas, inclusive roupa… tudo é ela quem faz. São mais os da família que chegam mais perto. Às vezes dizem que a gente só chama a família. É não! É porque os da família estão mais no ramo. A gente chama o pessoal de fora e eles não querem.
O mais novo no grupo agora está com oito anos. Nós estamos fazendo uma coisa que é para incentivar esses novos do grupo, porque é como eu falo aqui : A dança do coco não pode se acabar! A gente tem todo um tempo de se viver aqui, um dia posso ir, mas vou deixar um sobrinho, um neto no meu canto. Já tem um que ensaia comigo, brinca também comigo. Já canta. Não é muito que nem eu mas já me ajuda muito. Um bocado de música ele já sabe cantar, pouquinho mas ele sabe. Foi como eu, no começo, eu não sabia, mas fui aprendendo. Muita música eu sei, eu invento e dá tudo certo. Então, os mais novos para onde a gente vai, eles vão e com a maior vontade do mundo eles vão brincando com a gente. Onde a gente está, eles estão. Inclusive para Fortaleza.
Eu imagino que se não fosse essa dança, minha vida seria um pouquinho diferente.
Aliás, a vida que a gente tem: eu, meus amigos, minha irmã e todo mundo, seria diferente. Se não fosse esse grupo, talvez eu não tivesse essa liderança que eu tenho aqui.
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