Mestre
30 de maio de 2006.
Granja (Sítio Vereda do Júlio) – Região Norte
27 de dezembro de 1931.
17 de abril de 2017
Pessoal, quando eu morrer /
que vocês forem me enterrar /
num quero ver ninguém chorando /
porque eu não gosto de chorar /
vocês levem um violão /
pra na minha voz cantar /
cante música de reisado que eu gostava de cantar /
Gente, quando eu morrer /
eu não quero choro profundo /
eu quero um boi no meu enterro /
pra eu brincar no outro mundo /
pra eu brinca lá com São Pedro /
que é o chaveiro do mundo.
“Inteligência a gente traz, num compra não! E o gosto da pessoa de ingressar na cultura e ter o dom.”
Eu vou dar início ao meu trabalho sobre a cultura popular do estado do Ceará. Meu nome é João Evangelista dos Santos, conhecido como João Mocó. Filho de Raimundo Pereira dos Santos e Maria Lopes de Amorim. Nascido na cidade de Granja, no Estado do Ceará. Com 10 anos de idade eu comecei a brincar, a dar início a brincadeira do Bumba-meu-boi. Juntando meus colegas, pessoal da minha residência.
Eu tinha um tio que era mestre da antiguidade, José Domingues da Silva, que foi meu professor de cultura, de bumba meu boi. Ele dizia: João eu vou lhe ensinar minha história, pra ficar com você. E ele vinha toda tarde me ensinar. Eu já lia e já escrevia, aí ia anotando e cantando, até que eu decorei tudo de cabeça: a história de bumba meu boi, da cidade de Granja. Eu aprendi tudo isso. Inteligência a gente traz, num compra, não! E o gosto da pessoa de ingressar na cultura e ter o dom.
Citei essa história do primeiro boi, com uns amigos. Contei que são vinte e uma figuras. Aí arrumei um grande violonista, o melhor da cidade de Granja: Seu Francisco Barba, vulgo “Chico Canjica”. Fizemos um pandeirinho, de couro de bode, que a gente não tinha condições de comprar. Nosso estilo aqui em Granja era brincar nas portas. Saia perguntando: você quer hoje, que a gente venha brincar na sua porta? Se a resposta fosse: quero, hoje venha pra cá! A gente saia anunciando: hoje o bumba meu boi, do João Mocó é lá na Rua das Pedrinhas, casa de fulano de tal. Aí a gente ia brincar… Então assim a gente fazia. Do dia 08 de dezembro até o dia 16 de janeiro.
Quando chegava o mês de janeiro era hora da matança do boi. A gente ainda não sabia bem citar a história, mas tinha um narrador de cultura, que se chamava Francisco Macedo, já falecido. A gente convidava: seu Macedo o Senhor pode fazer a matança do nosso boi junto a gente? E ele vinha. Aí a gente fazia o curral, embandeirava… Vinha muita gente ver a matança do boi.
Como a gente era criança, todos de menor, não fazia a festa sozinho, que a justiça não aceitava. Aí quem fazia a festa era o Seu José Mendes, na casa dele. Ele dizia: “eu vou fazer a festa dos curumins. Assim eu aprendi a história. Quando foi chegando a minha idade de 15 anos me convidaram para eu brincar num boi original, de verdade. Fui brincar no boi do seu Zé Laguim. Então todos os anos, de 08 de dezembro a 16 de janeiro eu brinva num boi de verdade. Esse boi tinha as pessoas profissionais. Tinha o primeiro galante, o melhor de Granja, José Julio. Júnior Cobra, era o apelido dele. E o segundo: Benedito Belchior. E o terceiro: Conrado Pereira. Esses eram os três galantes no Bumba Meu Boi que trazia admiração ao povo Grangense. Ze Domingos, dançarino da Burrinha. Ele foi um dos melhores dançarinos de burrinha que deu na cidade de Granja.
Aí de certos tempos pra cá eu vim trazendo o bumba meu boi, todo o tempo. E o Bumba meu boi, aqui em Granja, era só o meu. E nós continuava fazendo. Desde de criança e depois de adulto.
Eu tenho oitenta e cinco anos e eu ainda repasso história. Tendo saúde… e ainda podendo andar… Posso repassar uma história. Eu ensinei uns meninos junto com o Mestre Aldenir, lá do Crato. Esse grupo era de uma faculdade no Rio Grande do Norte, Natal. Na hora que eu cantei, que eu expliquei… eles dançaram bem direitinho, igual aos meninos que eu ensino aqui. Fiquei admirado! Eu cantando e o rapaz da banda cabaçal batendo no zabumba. E dançaram bem certinho.
Também já repassei para quatro mestres. Um deles já morreu. Um mora em Chaval, outro em Fortaleza. Outro mora em Rio Grande do Norte. Eu acho que a tradição do boi não era para acabar nunca. Era para ficar para filhos e netos e a quinta geração da nossa cidade. Porque o bumba meu boi foi fundado na nossa sede por aquelas pessoas antigas. Homens que nasceram em novecentos, naquele tempo que nem nascido eu era.
Quando eu fui escolhido ser um mestre da cultura tradicional popular do Ceará pra mim foi como uma surpresa. Porque já há mais de quarenta anos que eu brincava… num tinha essa esperança. O mestre é valorizado como professor de um grupo, de um movimento popular que é um grupo de folclore. Eu fui diplomado lá em Russas e agradeci a Deus.
Os personagens do meu boi são: primeiro de tudo, o Mestre, que é o coordenador do grupo. O mestre sai do painel e vai contemplar o povo. Depois do Mestre, os primeiros são os caretas, que em outros bumba meu boi chamam de papangú. No nosso são quatro caretas: tem o tapioca, tem o beijú, tem lizeu e tem o mateu. Eles fazem um sapateado com o sanfoneiro e dão bom dia ou boa noite ao povo que está assistindo.
Depois a gente canta aos Reis. Aí sai a primeira figura importante do reisado que é o primeiro galante. Ele sai dizendo um verso. Vem o segundo-galante, o terceiro-galante, reis magos. Aí vem o vaqueiro. Tem ainda primeira-dama, segunda-dama, terceira-dama, quarta-dama, que é a dama do vaqueiro. E tem o dançarino do boi, o dançarino da burrinha, o menino da Maria Ligeiro e do urubú. E tem os tocadores com os três instrumentos. Tem também os índios.
Essas partes são as primeiras, pra depois a burrinha e o boi dançar. E ainda tem os gigantes. Esses gigantes… É uma história dos turcos, já antiga. Dizem que tinha uma casa de turco, que eu nunca vi, mas dizem que lá tinham uns gigantes que comiam gente. Se a pessoa passasse por lá, eles comiam. Matavam e comiam.
Os instrumentos que acompanha o boi é a sanfona, a zabumba, o triângulo e o ganzá. Agora tem um maracá particular que acompanha a burrinha. O rapaz que dança na burrinha balança um maracazinho. O careta é só com o cacete e o traje é paletó preto, chapéu de palha e a fala é diferente. Ele fala rouco, engraçado que eu não fazer. Esse é nosso boi. O programa dele é teatro. Comédia e teatro.
E eu, toda vida, desde o início do meu dom de cultura, que eu tive aquela alegria e o prazer de fazer o que eu gosto. E eu continuo com aquele dom e aquele destino, que ainda tenho de praticar e de ensinar as pessoas. E a saudade de brincar com aqueles que já sabem.
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