Mestre
15 de maio de 2018
Meruoca (Sertão de Sobral)
6 de Novembro De 1925
Para um cearense, a expectativa de subir à serra pode ser traduzida como uma chance de usufruir de uma temperatura ambiente amena- “um friozinho”, como a gente costuma dizer – quem sabe um oásis em meio ao calor acima dos 30 graus a que estamos acostumados.
Ancorados na ideia de que o dia teria um clima agradável, afinal também contávamos com a época chuvosa, subimos à serra da Meruoca, cerca de 240 km de Fortaleza, para encontrar Mestre João Paulo. Sabíamos de antemão que o Mestre, de 94 anos incompletos, tinha sofrido um AVC e estava ainda em convalescência. Ele nos esperava sentado na varanda da casa do Sítio Conceição ao lado da irmã Laura, quase centenária. Ficamos admirados com a disposição e jovialidade de ambos. Dona Socorro, segunda esposa de João Paulo, timidamente nos deu boas-vindas. Conversamos ao ar livre. O Mestre não se furtou em andar até uma clareira próxima, onde, cercados pelo silêncio da mata nativa, ele contou-nos sua história. É verdade que não fez calor, mas isso não foi relevante frente à leveza e vontade de viver de Mestre João Paulo.
Eu subi terra de fogo, com alpargarta de algodão. As alpargartas se queimaram eu desci com pé no chão. Desci na ponta da nuvem por um estralo de um trovão. Pisei em terra firme, com dois crucifixos na mão. De um lado São Cosme e do outro São Damião. Em prece acode o cruzeiro da virgem da Conceição.
“A minha vida foi o reisado e o roçado.”
Meu nome é João Paulo Vieira. O nome do meu boi é Boi Estrela da Serra da Meruoca. Moramos nas Flecheiras, no sítio Flecheiras.
Eu comecei a brincar quando inventaram o “reisado de menino, e um homem que morava perto de nós tomou conta do reisado. Tinha o reisado no São João que brincavam os grandes, os mais velhos. Quando foi um dia, me convidaram para brincar – eu tava com idade de sete anos. Eles viram eu brincar e foram pedir ao meu pai, prá deixar eu brincar no reisado dos grandes. Eu era menino … E meu pai disse: “ eu não deixo ele brincar por toda parte do mundo e eu não posso acompanhar. Agora, se eu pudesse acompanhar, eu deixava. “
O senhor que era responsável falou: “ pode deixar o menino brincar mais nós que a gente lhe garante que não acontece nada com o menino. Vai ser como nosso filho”.
Até que meu pai deixou! Comecei a brincar. Desse tempo prá cá afamou muito… brinquei mais eles esses anos todos. Quando foi no dia na hora da morte do boi, o caboco que era o chefe, ele falava demais, tava muito rouco. E aí o Mateu disse assim: “João Paulo, tu se atreve a ‘matar o boi mais eu?” E aí eu pedi para ele me dar uma explicação – que eu já tinha visto “matar” o boi, mas eu não sabia direito. O Mateu me falou rápido e começamos. Depois que nós “matamos” o boi ele disse: “o menino fez um serviço melhor que o cumpade… o trabalho foi mais bem feito!” E aí ficou a fama no mundo… até hoje ainda brinco. Mais de 80 anos de brincadeira.
Eu sentia muita alegria. Eu achava muito bom a brincadeira. Eu só tinha vontade no reisado. Outra coisa, não! Só o reisado e trabalhar. Meu gosto na vida era isso. Outra coisa eu nunca procurei. A minha vida foi o reisado e o roçado. O reisado já veio do começo do mundo.
Quando ajustava um reisado, a gente combinava tudim. Na hora marcada tava tudo no ponto para brincar. E nesse tempo não tinha história de carro, não. Era de pés, levava boi na cabeça… era burrinha, era tudo…as coisas do reisado… era de pés. Tinha reisado que a gente chegava em casa de madrugada, quando brincava longe. Hoje em dia não tem mais esse tipo de reisado. É só uma coisa pra fora. Não é mais como antes.
Da minha época, tem gente que tem vontade, mas não brinca mais. E os mais velhos – que eu aprendi com os mais velhos do que eu – já foram embora. Da minha época, não existe mais nenhum. Eu continuo brincando. Ainda no ano passado nós ainda brincamos.
O começo do reisado, a gente chega na casa onde vai brincar e se a porta está fechada, a gente canta para abrir a porta: (cantando) “ôh de casa, ôh de fora, majerona é quem está aí… é o Cravo e a Rosa e a Fulô do bugari”… aí tem o sapateado. Diz o repente, depois o sapateado e outro repente….
(declamando)
Sendo o eixo liso grande, forças muito gaieira, sem ter um vaqueiro novo, tem ser bom conselheiro. Chegando em cima da serra se avistava as capoeiras e onde logo se via gado sair na carreira. Acabou quem tomou a frente não se viu nem poeira. Distância de muitas léguas viu-se o cavalo arrancar. Ali mesmo se jogar, se jogar tudo igual. Peguei na cauda do boi dei-lhe uma calcada feia. O boi quebrou o chifre. Só não quebrou o quarto por ser lugar de areia. Foi bezerro e foi garrote… não souberam te criar, não souberam te amansar. Mas hoje não obedece e caro vai ter custar.
Quantas pessoas no grupo? Muitas pessoas que eu nem sei dá conta direito. Porque só figura limpa é: cinco índios, dois soldados, quatro damas, seis caretas e Mané Pequenino, a burra, macaco e a ema. O derradeiro é o boi, já no meio da brincadeira. Tudo tinha. Hoje em dia não tem isso. Hoje em dia só quem dá presença é o macaco e a ema e algumas outras coisas não aparece mais.
A brincadeira é em janeiro. Às vezes começa logo em dezembro. Nos tempos dos antigos começava em dezembro e quando era no dia 06 de janeiro já matava o boi. Agora, hoje em dia, não. Às vezes começa em dezembro, brinca dezembro todo, entra em janeiro e brinca até fevereiro. Tudo mudado.
E eu ensinei muita gente depois que eu comecei a brincar. Uns que não sabiam de nada e hoje sabem. Está com um pouco de anos que eu brinco com esses meninos da Flecheiras e eles ainda não tem o sistema de brincar como eu. O camarada sabe muito repente. Mas saber os repentes e não ter queda no corpo não tem graça. Precisa o camarada ter repente, ter queda no corpo, saber se requebrar. Mas não aprendem como que era. Como sou Mestre, ensino.
E o que é ser um mestre? É ser o mandão da tropa toda. Porque faz de conta que no reisado eu só sou brincalhão. Mas se eu não estiver no meio ninguém quer. Eu é que mando tudo. Quando eu entro eu resolvo tudo! Isso é ser um mestre. E quando eu fui escolhido, fiquei muito satisfeito. Nunca tinha arrumado essa melhoria. Aqui nessa região ficou a fama. No caso, não é nem o que o povo diz mas é o grau que eu recebi.
A importância do reisado é a gente brincar e todo mundo ter gosto com a gente. Porque quando a gente tá brincando, quanto mais as pessoas dão valor mais a gente cresce. Mais a gente fica de cima.
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