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Mestre

Joaquim Roseno

Joaquim Ferreira da Silva

Mestre da Dança de São Gonçalo

Publicação no Diário Oficial do Estado

04 de março de 2010.

Cidade/Residência

Quixadá (Sítio Veiga – Distrito Dom Maurício) – Região do Sertão Central

Nascimento

19 de fevereiro de 1939.

Relato de Viagem

Na serra do Estevão fica a sede do distrito Dom Maurício. Um pouco mais distante, situa-se a comunidade quilombola do sítio Veiga, com 39 famílias. Foi lá que encontramos o Mestre Joaquim Ferreira da Silva, aliás Mestre Joaquim Roseno, como ele mesmo se apresentou e como, de fato, é conhecido naquelas bandas. As informações eram variadas e, talvez por isso mesmo, foi difícil a confirmação precisa da localização da casa do Mestre. Chegar até o sítio, vindo de Quixadá, nos pareceu mais longe do que realmente era. Subir a serra por uma estrada com parca pavimentação em algumas extensões, rodeada por uma paisagem estéril – castigada por cinco anos de seca consecutivos – fez 25 quilômetros parecerem muito mais extensos e tomarem a dimensão da ansiedade de quem quer chegar logo ao seu destino.

Extremamente paciente e solicíto, o Mestre, além de conversar conosco, montou o altar, chamou o sobrinho Osvaldo para “tirarem”uma parte da dança de São Gonçalo para realizarmos uma gravação. Não era o dia festejar o São Gonçalo, mas houve também, além da dança, um almoço de aguçar o paladar como é feito no dia da festa.

(Cantando)

Eu subi terra de fogo, com alpargarta de algodão. As alpargartas se queimaram eu desci com pé no chão. Desci na ponta da nuvem por um estralo de um trovão. Pisei em terra firme, com dois crucifixos na mão. De um lado São Cosme e do outro São Damião. Em prece acode o cruzeiro da virgem da Conceição.

“O dia da dança é um dia de alegria. É uma festa!”

Meu nome é Joaquim Roseno, mas eu me assino por Joaquim Ferreira da Silva.
Nós começamos a dança de São Gonçalo por causa do meu pai. Ele tirava a dança mais minha tia e uma prima. Aí ele morreu. Ficou um tio mais um outro colega. Depois ele parou de tirar. Eu já vinha treinando com meu pai. Uma vez, ele me disse: rapaz, é você quem vai tirar mais eu, Joaquim! E eu sei?!, eu peguntei. Ele respondeu: Sabe, é daquele jeito que você tira.

Aí eu comecei a tirar. Eu acho que estou na base de quarenta anos que eu danço. Tirei mais um, tirei mais outro. Agora estou tirando mais um sobrinho. Eu nunca me acanhei de entrar, ensaiar mais outro. E sempre digo: enquanto eu puder tirar, eu tiro. Todos os anos essa dança de São Gonçalo, se Deus quiser!

Essa dança foi São Gonçalo quem inventou. Assim dizem. Tinha um mulherio danado… Era na festa todo dia, toda hora da noite. Aí, São Gonçalo, pra não perder um horror de alma, inventou essa dança para ver se salvava um bocado dessas mulheres. E foi assim que São Gonçalo fez e dizem que salvou um bocado de alma! Mas sempre eu digo que só salva se for velha, porque se for nova, não enfada e dança a noite toda. Eu, quando era era novinho, dançava nas reza, e quando era de sábado para domingo, nós terminava a dança de São Gonçalo e pegava no forró. Dançava até de manhã e não cansava, não!

No meu grupo de São Gonçalo são 14 pessoas: são doze dançadeiras e mais dois homens dançando que sou eu e meu parelha hoje, meu sobrinho. Seis mulheres do meu lado e seis do lado dele. Eu tiro a dança aqui na comunidade do Sítio Veiga, município de Quixadá, mas é Dom Maurício.

Quando eu recebi esse cargo como Mestre da Cultura eu me senti muito feliz e ainda tô muito feliz, graças a Deus e é de ser toda a vida. Minha cultura foi reconhecida. Eu fui receber o meu certificado no Limoeiro do Norte. Ser um mestre… eu me acho meio importante. Eu entendo das coisas meio pouco, mas a gente reconhecido como mestre eu imagino que é meio importante. Não é verdade?!

Eu acho que a dança de São Gonçalo não vai morrer tão cedo não, se Deus quiser. Eu é que já tô perto de morrer mas meu sobrinho é novo… Passa de geração pra geração que é como vem vindo e passando. Vem de longe. Desde minha vó que trouxe essa dança do Rio Grande.

Eu aprendi que, quem fez uma promessa para fazer a dança e aí foi valido tem que fazer a dança. … é uma promessa. Aqui a dança é no dia da consciência negra porque nós somos quilombolas. Nesse dia tem brincadeira daqui, brincadeira dali… e aí eu encerro com a dança de São Gonçalo.

O dia da dança é um dia de alegria. É uma festa! Eu compro umas caixas de fogos e quando eu vou começar, cedinho, é bomba como todo. Quando vai terminar, do mesmo jeito. O povo já sabe: tá começando ou tá terminando. Tardizinha. Eu me sinto feliz. Me lembro muito do meu pai, que ele era quem tirava, me sinto uma pessoa realizada na vida em continuar. Eu fico meio emocionado. Vem muito amigos meus. Porque eu boto os convites. Um traz um litro de vinho pra eu tomar mais minhas dançadeiras, outro traz outra coisa.

Tem também aquele gosto de matar um bicho, de fazer aquela comida. É porco, é galinha, é tudo… a pessoa tem aquele gosto. Que nem eu tenho! Nós somos da comunidade mas eu quem faço! De primeiro eu tirava até esmola, no nome de São Gonçalo. Um dava uma galinha, outro dava um capote. Agora eu não aguento mais, a minha filha é quem toma de conta. É assim…

A dança são 12 jornadas. A gente tira doze jornadas cantando e dançando. Termina uma e começa outra. As vezes tira duas encarrilhadas, às vezes até três. Aí eu digo: negrada, vamos beber água! Quem começa a dança tem de ir até o fim. Cansativo é, mas começou tem que terminar. E é só com aqueles. Se uma cansar não pode substituir por outra, não! Aquela que começou tem que terminar. Porque tem de ser certo mesmo! Não pode estar baldiando não! É trabalhoso! De tarde eu tô arrazadinho mas São Gonçalo me ajuda e eu aguento.

As músicas são as mesmas que eu via meu pai cantar. Desde a época do meu pai. Quando ele morreu eu tinha doze anos mas eu me lembro demais. A gente canta muito bendito. Eu uso o tambor que era dele e já vai fazer 64 anos que ele morreu. Mas está aqui em casa o tamborzinho e eu tenho um ciúme danado dele.

Eu sempre digo: enquanto eu puder tirar, eu tiro. E a pessoa vindo atrás pra eu tirar, eu vou, eu tiro. Eu junto minha tropa aqui e vou dançar!