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Mestre

Luciano Carneiro

Luciano Carneiro de Lima

Mestre Cordelista

Publicação no Diário Oficial do Estado

22 de outubro de 2008.

Cidade/Residência

Crato (Região do Cariri)

Nascimento

07 de janeiro de 1942.

Falecimento

23 de julho de 2020

(recitanto)

Pessoal, quando eu morrer /
que vocês forem me enterrar /
num quero ver ninguém chorando /
porque eu não gosto de chorar /
vocês levem um violão /
pra na minha voz cantar /
cante música de reisado que eu gostava de cantar /
Gente, quando eu morrer /
eu não quero choro profundo /
eu quero um boi no meu enterro /
pra eu brincar no outro mundo /
pra eu brinca lá com São Pedro /
que é o chaveiro do mundo.

“Grande parte dos nordestinos aprenderam a ler lendo o cordel.”

Meu nome completo é Luciano Carneiro de Lima. Nasci no município de Teixeira, no estado da Paraíba. Cheguei aqui no Crato em 1958, com 16 anos de idade, ainda adolescente. Trabalhava de agricultor. Ainda hoje eu me considero um agricultor porque tenho um amor imenso pela terra, pelas lavouras e sou poeta desde pequeno. Quando eu tinha 10 anos de idade, eu já fazia um versinho completo, metrificado, já entendia um pouco. Fui cantador de viola um tempo. Não segui a profissão porque casei novo e não dava certo mulher com viola. Minha mulher não queria, aí eu deixei.

Eu morava num sítio no município do Crato e em 1975 cheguei na cidade e fui trabalhar. Em 1991 fui convidado para fazer parte da Academia dos Cordelistas do Crato, por Elói Teles de Moraes – de saudosa memória. Ele era um ícone da cultura do Cariri ou do Nordeste. E fui aceito logo de entrada; fui o primeiro convidado e fiquei até hoje desenvolvendo meu trabalho. Em 2008 recebi o título de Mestre da Cultura Tradicional Popular do Estado do Ceará e estou aqui nessa caminhada defendendo a cultura, principalmente essa parte do cordel. Tenho me dado bem com a sociedade, com os amantes do cordel e da cultura em geral. Tenho muito o que agradecer a Deus porque eu vim lá do pó da terra e estou aqui representando a cultura. Fico feliz quando as pessoas me procuram pra gente falar um pouco da minha arte. Eu não sou um profissional que viva disso, mas hoje já vivo um pouco devido ao título de Mestre da Cultura que só veio somar na minha vida, melhorar um pouquinho a minha condição financeira porque entra um salário a mais. A gente agradece isso ao Governo e aos homens de boa vontade que me inscreveram, fizeram isso por mim e eu cheguei lá. E hoje a minha vida é essa. Isso é gratificante. Honra a gente, a família da gente e completa muita coisa na vida.

Aprendi cedo a ler e o que eu li mais no mundo foi cordel , por que meu pai, toda feira que ele ia, ele trazia um verso. Naquele tempo não chamava cordel, chamava era verso .Ele chegava e dizia: trouxe um verso aqui pra nós. Depois que jantava, botava um candeeiro num canto, sentava num cepinho de pau, um banquinho improvisado de madeira no meio da sala, e a gente sentava no chão – eu e meus irmãos – e ele ia ler pra gente. A gente achava interessante, ria, decorava algumas estrofes. E eu desenvolvi, aprendi alguma coisa – que ele não me botou na escola – com ele mesmo lendo cordel. E, com dez anos, o meu pai me disse, esse menino aí é poeta. Inclusive nos somos uma família em que a maioria tinha esse dom. Uns despertaram mais, outros menos. Foi um mal que pegou na família, se é que isso é um mal, mas não é, não! É uma benção!

Eu desenvolvi mais porque me interessei mais. Cheguei a despertar o interesse da sociedade, dos líderes dessa cultura popular, como Elói Teles, que achou que eu tinha futuro. Eu tive algumas vezes conversando com o mestre dos poetas, que era Patativa do Assaré, e ele me alentou muito. Ele disse: você tem futuro, você é um poeta bom. Acredite nisso! E eu acreditei. Não sou esses bons mas, tô aqui, graças a Deus. Ninguém cancelou as minhas produções.

A inspiração… Deus dá o dom e a inspiração com certeza é ele quem dá também. Mas a inspiração não é uma coisa constante. Não é todo momento que o poeta está preparado para escrever. Infelizmente, muita gente pensa isso e diz: ele é poeta, é só dizer e ele desenvolver… Não é assim. Tem um processo de você esperar a inspiração. Tem de recorrer aos astros pra poder a inspiração vir e você fazer um trabalho bom, um trabalho que dê lucro pra todo mundo, compense pra quem escreveu e que compense também para o leitor que lê e que se agrada. Por isso, é preciso um certo processo, demorar um pouco, sonhar com isso… Chama-se o momento certo. Quando a gente recebe naturalmente uma visita da inspiração tenha certeza que sai uma coisa boa. Mas os poetas são muito requisitados para fazer cordel de encomenda, falar disso, falar daquilo. Isso é uma preocupação para o poeta porque ele vai fazer os versos muito preocupado se vai condizer com a pessoa que quer, se tá certo ou se não tá… O certo mesmo é que a gente, que é o poeta, faz do jeito que der. Se a inspiração vier a gente faz, se não vier faz também. Não fica é bom, mas faz. Se tem o dom de poeta, sabe como é, faz.

O poeta é um poeta, não é um professor. Aqui no Brasil, nunca ouvi falar que tem uma universidade, uma faculdade para ensinar o cara a ser poeta, só se for no exterior… Existe? Não tem. A gente pode fazer isso: dá oficina, orientar, dá a metodologia, dá o verso metrificado, a estrofe com quantas linhas ou com quantos versos. Falar que tem estrofes a partir de quatro linhas, que se chamam trovas. Dizer que tem a sextilha, a septilha, feita de sete linhas; tem a oitava feita de oito linhas e a décima, de dez versos, de dez linhas. E que em cada uma tem vários estilos. Na linha cumprida, na décima linha cumprida, que é do decassílabo, tem o martelo-agalopado, tem o galope à beira mar. Tem vários estilos.

Então fica muito difícil – se a pessoa não tiver o dom – se formar um poeta. Nunca vi um poeta formado, com diploma de poeta, dizendo: me formei na faculdade, aprendi lá. Você se forma engenheiro, médico, tudo no mundo. Mas poeta, não! E eu não sou formado e sou muito conformado por isso. Como era que eu ia me formar poeta se não ia concluir o curso? Eu acredito que a poesia é o Dom mesmo. A gente escuta isso. Agora… todo brasileiro tem condição de escrever um versinho, devagarinho e olhando outro. Mas eu digo que é uma coisa forçada e inventada. Diferente do poeta que tem o dom, que cria, que faz. É diferente. E eu também acredito que se tivesse aonde ensinar o cara ser um poeta, a maioria do povo era poeta porque todo mundo quer ser poeta, inventar de dizer um verso… Eu tenho participado de muita coisa na região e até fora da região para mostrar o meu trabalho. Os temas são variados. No meu trabalho eu já desenvolvi muitos temas. meio ambiente, religião, política. Eu digo que o poeta deve se preocupar com a poesia e com a imagem dele. Eu sou um poeta brincalhão. Eu tenho muito trabalho cômico, para ser dito na hora certa e no lugar certo.

O cordel foi uma inspiração para a leitura. Grande parte dos nordestinos aprenderam a ler lendo o cordel, e mesmo assim ele esteve ameaçado de extinção na década de oitenta. Ele teve bem fraco, falaram que ia acabar, desaparecer. Mas ele não desapareceu, tomou um novo impulso. Aqui no Nordeste, foi a Academia dos Cordelistas do Crato que deu uma injeção na veia do cordel e, a partir disso, o cordel cresceu. Não é mais como antes porque hoje a tecnologia avançou e interrompeu, não só o cordel, mas muitas coisas. Por exemplo: tem muita gente que desprezou o rádio e se liga só na televisão. Outros não estão mais se ligando na televisão porque querem a internet. Uma coisa sempre vai atingindo a outra. Graças a Deus que o Cordel se restabeleceu e está sendo muito requisitado e a gente tem a esperança que ele vá melhorar. Já hoje, ele é citado em sala de aula, tem uma lei que obriga isso. E é animador para os cordelistas, para os poetas. Eu acredito que a fase pior para o cordel já passou. O cordel entrou de novo na linha… Eu vejo aqui no Cariri, nós somos requisitados. Não sei qual foi a escola que eu não já estive aqui no Crato. Quando não sou eu, é outro colega da Academia, dando oficina, fazendo recital. Mostrando o valor do cordel. Acredito que o cordel no Nordeste é uma coisa necessária.

O mestre é o que sabe, diz e faz. Eu sou mestre da cultura porque eu digo que sou poeta e provo com o meu trabalho, fazendo. Eu digo e faço. Tinha um tempo que eu chegava sozinho na Academia, ia pra sala das máquinas, com o material, ligava as máquinas, fechava as portas e saía com um cordel feito por mim, sozinho. Hoje eu não faço mais porque a saúde não dá, mas sou mestre da cultura por isso. O trabalho foi avaliado e disseram: esse rapaz aí diz e faz. E a nossa responsabilidade é passar nossos saberes para os outros e isso eu faço. Não garanto é que o cara aprenda e saia poeta dizendo: foi seu Luciano que me ensinou. Por favor, não me levante esse falso!