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Mestra

Maria Da Ló

Maria do Carmo Menezes Morais

Mestra em Pastoril

Publicação no Diário Oficial do Estado

22 de outubro de 2008

Cidade/Residência

Paracuru. Região do Litoral Oeste

Nascimento

11 de março de 1939.

Relato de Viagem

Maria da Ló parece um ser encantado, desses de fábulas e histórias infantis. Pequenina, ela faz juz ao nome de Dona Mariinha, como carinhosamente é chamada por todos de seu grupo de Patoril: crianças e adolescentes que acorreram ao seu apelo para serem fotografadas, num sábado de sol, em seus trajes próprios dos dias de apresentações. Agradecida por quem a orientou para conseguir ser uma mestra da cultura, ela nos levou à casa da amiga Terezinha, e foi lá que a sorridente Mariinha da Ló nos contou sua história, sem disfarçar que gosta muito de animação, cantoria e viajar para apresentar seu Pastoril.

(Cantando)

Eu subi terra de fogo, com alpargarta de algodão. As alpargartas se queimaram eu desci com pé no chão. Desci na ponta da nuvem por um estralo de um trovão. Pisei em terra firme, com dois crucifixos na mão. De um lado São Cosme e do outro São Damião. Em prece acode o cruzeiro da virgem da Conceição.

“Ser mestra mudou a minha vida”

Meu nome é Maria do Carmo Menezes Morais. Mas todo mundo me conhece como Maria da Ló. Porque, quando minha mãe, que tinha o nome Luiza, era novinha, os irmãos começaram a chamar ela de Ló e todo mundo também chamavam assim. Quando eu nasci e cresci e comecei a fazer pastoril, o pessoal passou a me chamar de Maria da Ló. Aí eu coloquei o nome no pastoril. O nome do grupo é Pastoril Maria da Ló, de Paracuru.

Eu sou de Trairi e eu comecei o Pastoril lá porque minha mãe fazia, minha avó fazia e elas passaram pra nós e todos da família. Nessa época, lá no Trairi, não tinha colégio. Os meninos só estudavam quando os pais podiam pagar o professor. O professor vinha, a gente pagava, ele ensinava uns seis meses e quando terminava aqueles seis meses ele ia embora. Os pais que tivessem condições de pagar, pagavam outro professor. Se não tivessem condições, não vinha outro. A minha mãe tinha nove filhos. Ela criava tudo quanto era animal: cabra, carneiro, galinha – dava para comer e ela também vendia. Aí quando o professor vinha, ela matriculava nós e quando chegava o dia de pagar ela tirava qualquer um dos animais, vendia e pagava. Chegou um tempo que as coisas foram se acabando e ela não pode mais pagar. Meu pai era pescador e também não era todo dia que ele tinha dinheiro. Só tinha dinheiro quando ele pescava e vendia o peixe.
Então, quando eu completei dez anos, os professores foram embora e a gente ficou sem estudar. Aí eu pedi para minha mãe: a senhora quer deixar eu ir para o Paracuru? Ele disse: minha filha, se você quiser ir eu deixo. Pra onde você vai? E eu falei: pra casa da tia Dica – o nome dela era Francisca, mas a gente chamava de Tia Dica. Eu fico lá e fico estudando no colégio. Quando for no tempo das férias, eu venho. Minha mãe disse: se você quiser ir estudar lá, eu mando seu irmão ir lhe deixar. E aí meu irmão veio me deixar. E eu vim aqui para Paracuru e fiquei aqui. Desde de 10 anos que eu estou aqui em Paracuru. O meu primeiro colégio aqui em Paracaru foi a Colônia dos Pescadores. Eu continuei e fiz a segunda série, a terceira, a quarta no Hermínio Barroso. Neste tempo, tinha a Escola Reunida de Paracuru. Não era escola da Prefeitura e nem particular. A professora, Dona Diná, ensinava as crianças por conta dela, juntava as crianças e ensinava. Não tinha prefeito aqui em Paracuru e era tudo na areia, casa de taipa.

Comecei com o pastoril porque minha mãe fazia, a minha avó também fazia. Ela ensinou a minha mãe e quando nós estávamos crescidinhas, assim de oito anos acima, ela começou a ensinar para nós. Aí nós aprendemos e ela juntava as crianças, as moças e fazia o pastoril.
Um dia, veio uma senhora aqui no Paracuru e fez um pastoril. Nesse tempo eu já era casada e já tinha as meninas. O pastoril não era daqui do Paracuru, era de fora. Foi na calçada da igreja, e eu fui assistir. As minhas duas meninas mais novas participaram. E eu me lembrei que eu também já tinha feito aquela apresentação, já tinha dançado daquele jeito, que a minha avó e a minha mãe me ensinaram.

Depois disso, eu perguntei às meninas se elas queriam fazer um pastoril. Porque aqui no Paracuru só tinha reisado. Elas disseram, mãe vamos fazer! Se a senhora quiser mesmo fazer, nós procuramos as meninas, convidamos elas e a gente faz. E eu disse assim: pois então vamos procurar as crianças e aí a gente vai começar a ensaiar o pastoril e vamos começar a fazer essa brincadeira. E começou por meio de uma brincadeira, como brincadeira de criança. Juntava as crianças, fazia os ensaios e depois eu fui comprando uns pedacinhos de pano, de metro de pano, de metro de fazenda e eu guardava. E quando chegava no tempo eu fazia as roupas – que eu tinha uma máquina singer antiga e comecei a fazer… – do jeito que eu vi as roupas do pastoril que aquela senhora fez aqui, eu fiz as minhas, do mesmo jeito.

A minha avó era portuguesa. Ela foi quem trouxe o pastoril de Portugal para cá. Ela veio morar no Brasil e ela dizia pra nós que o pastoril tinha começado em Portugal, começou lá… e que era assim um natal, o nascimento de Jesus e começou com Maria, o anjo… com a anunciação do anjo que Maria ia ser mãe de Jesus e ele ia nascer em Belém. Então a gente começou a fazer do jeito que era… a gente começou a fazer as roupas, os trajes das crianças e a gente faz o pastoril como que seja o de Belém, o pastoril verdadeiro. As pastoras eram todas descalças, a roupa delas era bem simpleszinha. Aí a gente começou a pesquisar e vimos que tinha mais personagens que os nossos e começamos a colocar os personagens e fazer as roupas do mesmo jeito que a gente via.

Aqui, em Paracuru, sempre a gente faz o pastoril no dia 23 de dezembro. Somos quarenta e cinco pessoas. 45 crianças e adolescentes que participam. As meninas começam a ensaiar em outubro pra se apresentar em dezembro. Agora, nas outras cidades, a gente faz quando mandam convidar. Qualquer dia. A gente faz o pastoril até o dia 06 de janeiro. Sempre a gente faz na frente da igreja, no patamar da igreja. Quando começou era na praça. Mas depois o padre pediu pra gente fazer no patamar da igreja por que o pastoril conta o nascimento de Jesus começando lá na anunciação do anjo à Maria, quando o anjo anunciou a Maria que ela seria a mãe de Jesus Cristo. Começa daí. Os personagens são: Maria, São José e tem o menino Jesus. São os principais. Tem os três reis magos. Tem o caçador, o cordão de pastoras, tem a Diana, tem a mestra e a contra-mestra. E tem duas ciganas, a florista, a camponesa, os dois pastores e os dois hospedeiros. Antes a gente tinha dificuldade de fazer os ensaios. Porque a gente ensaiava onde é o cinema, mas o salãozinho era muito apertado. Aí a gente mudou para o salão paroquial. Como no salão paroquial todo dia tem reunião, a gente mudou para o clube social. E tem sempre gente querendo participar. Quando sai uma já tem muitas que querem participar.

Depois que eu fui escolhida Mestra da Cultura, eu me senti mais feliz porque as pessoas começaram a ver que eu fazia essa apresentação e aí começaram a me ajudar. Uma das pessoas que me mais me ajudou foi a Dona Terezinha. Ela é quem foi atrás dessa cultura para mim. Porque eu fazia a minha cultura só nos quintais, nas casas quando as pessoas pediam. Por acaso, tinha uma casa com quintal grande a gente pedia para fazer lá e o dono da casa deixava porque a gente só fazia nas casas que as pessoas consentiam. Eu comecei a criar mais gosto, a ficar mais feliz e agradeço muito o que a Dona Terezinha tem feito por mim até agora e a todas as pessoas que me ajudam e me ajudaram. Mais gente hoje me reconhece aqui e em outras cidades. Antes, a gente só fazia aqui no Paracuru, só fazia aqui, nunca saía. Agora a gente viaja e é muito feliz.

Pra mim, ser uma mestra é ser uma pessoa simples, que nem eu, e ensinar aquilo que eu aprendi e passar para minhas amigas, para, mais pra frente, elas ensinarem pra outras pessoas. Eu me sinto feliz com isso, em poder ensinar para as pessoas que não sabem, para elas aprenderem essa cultura. Ser mestra mudou a minha vida. Não só a minha vida mas a da minha família também.