Mestre
24 de setembro de 2007
Trairi (Distrito de Canaã). Região do Litoral Oeste
26 de março de 1945
Várias gerações nos esperavam na varanda da casa do Mestre Moisés. Lá estavam os tocadores, seu Aurélio e seu Zé, 75 e 55 anos respectivamente, José Elias com 8 anos e ainda Edivirges com 6. Além deles , havia mais doze integrantes do grupo com idade que variava até 33 anos. A diferença de faixa etária é uma das riquezas do grupo que defende essa tradição herdada dos antepassados Tapuios. Misturados, eles, sob a liderança do Moisés Cardoso, se revezavam nos passos da dança do coco e pareciam incassáveis apesar do esforço físico que a dança requer.
Eu subi terra de fogo, com alpargarta de algodão. As alpargartas se queimaram eu desci com pé no chão. Desci na ponta da nuvem por um estralo de um trovão. Pisei em terra firme, com dois crucifixos na mão. De um lado São Cosme e do outro São Damião. Em prece acode o cruzeiro da virgem da Conceição.
“Quando eu tô cantando e dançando eu tô relembrando meu pai e meu avô.”
Eu me chamo Moisés Cardoso dos Santos. Nasci no sitio Estrela, num lugarzinho por nome Lagoa da Passagem. Este lugar hoje não existe mais. Sou descendente de índio, a minha tribo chamava-se Pitaguari, aqui das praias. Estes índios foram expulsos através dos cangaceiros. Por isso que meu pai não paternizou a parte indígena, com medo, porque os cangaceiros mandavam matar. Pois bem, esta é a parte do meu nascimento. Minha bisavó foi encontrada em cima de umas folhas… os cangaceiros deixaram aquela meninazinha em cima das folhas, que foi minha bisavó. Então os índios criaram ela, e nasceu a minha avó e depois veio a minha mãe. Tudo que índio sabe fazer eu aprendi também. Não exerço muito os trabalhos, mas eu exerço uma parte. Eu conto história de trancoso, eu sou curador – que essa parte é do índio -, ensino remédio medicinal. Todas essas coisas é da parte indígena. A dança do coco veio da parte do meu pai. Meu pai era Tapuio. O Tapuio é uma qualidade de índio que não se mistura com tribo nenhuma. Ele foi quem me ensinou a dança do coco. E depois que ficou velho, não pode mais exercer o trabalho dessa dança e eu tomei de conta. Eu tinha dez anos de idade, quando comecei a dançar a dança do coco. Agora, quando eu comecei a tomar de conta desse trabalho tá com uns 25 anos. Os meninos da Secretaria de Cultura do município me deram muita força para esse trabalho.Eu devo dar graças a Deus e a eles. Eles me ajudaram muito.
Eu exerci muita profissão na minha vida. Eu fui pescador, trabalhei de carpinteiro na beira da praia, fui repentista, carreguei uma viola cantando vinte anos, depois passei a trabalhar em construção. Mas tudo isso eu exercendo a dança do coco, nunca deixei de mão. Tomei de conta da responsabilidade de criar menino, com dez anos de idade, por que minha mãe morreu e me deixou como herança cinco irmãos pequenininhos. Eu era o mais velho e tinha dez anos. Entreguei essa responsabildade com vinte anos, para me casar. E eu mais minha mulher criamos dez filhos e três netos. Então foi esse o meu trabalho durante esse tempo todinho. Lutando e trabalhando para trazer o pão de cada dia pra minha família. De todos os meus filhos, os que ficaram aqui, eles aprenderam a dança. Os outros que foram embora não quiseram, não aprenderam. Mas o que moraram mais eu, aprenderam. E só quem me acompanha nesse trabalho é Rosa Cristina, minha neta e filha de criação.
O grupo do Mestre Moisés foi começado assim: me flagraram em casa. Eu chegava da praia cansado e meus netos estavam por aqui… e eu, prá animar e enganar eles, enquanto a mãe fazia a comida, ia batendo num caixão e ia cantando. Nessa arrumação, os netos foram chegando mais, foram aprendendo… Ai veio os de fora. Quando eu pensei que não, a casa tava cheia de menino. Foi assim que eu comecei. Depois que eu passei a ser mestre, eu formei o grupo, formei um grupo grande. É esse grupo que ainda hoje atá aqui. São vinte. Vinte pessoas ao todo. O nome do grupo é Dança do Coco. O que é mais valioso, que eu acho nesse trabalho é começar a ensinar menino com três anos de idade. Eu ensino com tanto prazer que, às vezes, até eu choro de alegria quando eu vejo os bichim, bem pequeninhinho dançando. E tem mais, ela é uma física. A gente faz muito exercício.É tanto que eu tenho lutado prá ver se o município coloca a dança do coco como educação física. Porque ela é uma física muito boa que os meninos fazem.
A minha alegria com a dança do coco é porque ela me enche de emoção, quando eu tô dançando, quando eu tô cantando… Quando eu tô cantando eu tô relembrando meu pai, relembrando meu avô… Porque eu me lembro daqueles tempos que eles dançavam. Vem aquela lembrança todinha. Em segundo lugar, eu me animo. Às vezes eu tô com o astral baixo aí eu começo a brincar com os meninos, aí eu me animo! Prá mim, esse trabalho é de coração, vem de dentro de mim esse trabalho que eu faço, vem de dentro de mim mesmo. É um evento especial porque eu estou ensinando um monte de criança.
Quando eu fui indicado e diplomado Mestre eu me senti muito feliz. Primeiro lugar porque eu passei a receber uma segurança, vamos dizer por exemplo: quando a gente ia para uma animação, eu tinha de pagar um carro para eu me locomover com o grupo. A partir do momento que a secretaria de cultura passou a me ajudar, eles é que me dão um carro. Segundo: eu passei a receber merenda pros meninos. Esse é o lado que eu achei muito importante pra esse trabalho.
Pra mim… ser mestre é ter uma responsabilidade grande com a escola que eu ensino. Agora eu não gosto muito que me chamem de Mestre. Eu não me vanglorizo com este nome de mestre. Porque Mestre é só Nosso Senhor Jesus.
A dança do coco era só um sapateado, mas depois, com rimas diferentes, eu coloquei em cada rima outro tipo de dança. Tem a dança de umbigada, o sapateado, a dança do xis , o sapo na lagoa e a dança de roda. Pra quem nunca viu, eu diria que procure ver e aprender. E tem que ter a bateria pra fazer os meninos sapatear. O caixão pra bater, o bombo, um pandeiro e um ganzá. A dança do coco pra mim é festa!, é celebração! É uma mistura que se dança com as emboladas e com a bateria.
99th Keliling street, Pekanbaru
62+5200-1500-250
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