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Mestre

Palhaço Pimenta

José de Abreu Brasil

Mestre em Arte Circense

Publicação no Diário Oficial do Estado

18 de novembro de 2013.

Cidade/Residência

Circo Teatro Pimenta – Região Metropolitana de Fortaleza

Nascimento

19 de março de 1945.

Relato de Viagem

Delicadeza talvez seja a palavra que melhor defina Pimenta que se fez palhaço e tem como missão alegrar o mundo. O mestre nos recebeu em sua casa, o circo estacionado em uma pequena comunidade de uma das cidades da zona metropolitana da capital cearense. De fala mansa e pausada ele nos convidou para sentar no centro do picadeiro, pintou-se e colocou o figurino, contou de seu deslumbramento ao ver o primeiro circo, da decisão de ir embora com o circo, das viagens, dos locais que trabalhou, do aprendizado com outros palhaços, das famílias que construiu. Depois vestiu-se de José Abreu Brasil e foi almoçar no trailer sala de estar. Vida e arte convivendo, co-existindo.

(Cantando)

Eu subi terra de fogo, com alpargarta de algodão. As alpargartas se queimaram eu desci com pé no chão. Desci na ponta da nuvem por um estralo de um trovão. Pisei em terra firme, com dois crucifixos na mão. De um lado São Cosme e do outro São Damião. Em prece acode o cruzeiro da virgem da Conceição.

“Eu criei o meu próprio ser de palhaço, meus próprios movimentos.”

Meu nome é José de Abreu Brasil. Eu sou conhecido como Pimenta. Eu nasci em Canindé, em 1945. Eu moro no mundo. Eu moro no Circo Teatro Pimenta. Eu tenho uma casa como endereço. Morar mesmo, eu moro no circo. No circo eu trabalho de palhaço, levo as comédias, eu sou locator, anuncio o espetáculo.

Eu comecei em circo em 1960. Eu trabalhava em vacaria e eu sempre ia deixar leite nas casas e um dia eu vi um circo. Foi nesse dia que eu me apaixonei por circo. Nunca tinha visto. Com 15 anos nunca tinha visto um circo. Era no bairro Panamericano, em Fortaleza. Era o Circo Yara.

Achei bonita aquela sombrinha grande! Aí eu perguntei o que era. Responderam: é um circo. Tornei a perguntar: como é circo? Tem trapezista, tem dançarina, tem palhaço. Mas ali eu não entendia nada. Eu pensei: de noite eu venho para ver. Assisti o espetáculo. E fiquei assim olhando uma coisa que eu nunca tinha visto, né!? O que mais me chamou a atenção foi o trapezista e o palhaço.

Assiti e gostei. E fui no outro dia de novo. No outro dia, de novo. Todas as noites eu ia. Cada noite que eu ia, mais eu gostava. Quando foi no último espetáculo, eu disse: eu tenho de ir embora nesse circo. Eu vou embora. E pensei: eu vou pedir emprego nesse circo. A dona era Dona Zualine Santana, uma morena, bem forte. Ela era mineira e tinha um filho assim com seus 14 ou 15 anos, a mesma minha idade. Eu pedi a ele: arranja um lugar pra eu trabalhar no circo. A mãe dele vinha sainda e ele gritou lá de cima da bancada: mãe, tem um rapaz aqui pedindo seu buraco. A mãe respondeu: é o que menino?! Ele completou: um buraco para trabalhar. Sim, ela entendeu e disse: fala com o capataz. Eu falei com o capataz, ele aceitou. Aí eu fui trabalhar, desarmando e armando o circo. A dona me botou pra ser porteiro de cadeira. Aí pronto: porteiro de cadeira, eu tava vendo o espetáculo todo! O trapezista.. eu olhei e pensei: isso aí também eu faço! Eu nunca tinha feito, mas eu também faço!

Eu fui com o circo. Do Panamericano para o Montese. Um bairro para o outro. Fui, armei o circo, desarmei o circo. Ganhei duzentos mil réis. Eu peguei o dinheiro botei no bolso. No lugar de eu dormir com a calça, com o dinheiro no bolso, fiquei só de calção e botei a calça lá em cima do caixão. Aí, no outro dia de manhã eu fui olhar os duzentos mil réis, cadê? Foi embora. Eu não sabia quem foi… Fiquei por ali… Mas disse: eu não vou embora. E tinha um rapaz assim perto que tinha uma vaca e eu comecei a tirar leite da vaca e ele me dava um dinheirinho e eu comprava uma rapadurinha e na hora do almoço eu almoçava uma rapadurinha e um litro d’água. Porque não tinha comida no circo. E continuei.

Quando eu era novo eu levava arame, trapézio, giro. Todo número que tinha em circo eu fazia. Eu trabalhava como… a turma chama de escada. Eu trabalhava de escada pro palhaço do circo. Um dia o palhaço faltou. A mãe dele, que era Dona Zualinda, dona do circo Yara, disse: o jeito é você fazer o palhaço porque só tem você mesmo. Ser palhaço não foi uma escolha. Foi porque deu certo. Tem que ir e vai e vai mesmo!

A primeira noite foi bom, eu agradei. Eu não sabia o meu ritmo de palhaço. Eu sai imitando os outros palhaços que eu já tinha assistido. Eu tinha 15 anos. Logo no início. Com 15 dias que eu entrei no circo, eu fui artista.

Os palhaços gostavam porque eu falava alto no picadeiro. E eu fui aproveitado, eu falava explicado e eles foram me dando chance de entrar no picadeiro. Eles me ensinavam e eu era inteligente, aprendia logo, na primeira encenação. Fiquei aprendendo com eles, fui indo. Aprendendo o palhaço, trabalhando de palhaço. Porque naquela época, 1960-1965, tinha muito palhaço bom aqui no Ceará. Tinha o Trepinha, o Garrafinha, o Fumaça, o Tatuzinho.

Todos trabalhavam em teatro e eles contracenavam muito no picadeiro. Os palhaços faziam as coisas com perfeição. Uns imitavam os mais velhos e os mais velhos vinham imitando os anteriores e os mais novos iam imitá-los. Como eu imitei muitos palhaços quando comecei. Eu imitei um palhaço muito bom, que eu trabalhava com ele naquela época, o Manhoso. Um dos melhores palhaços que teve no Ceará. E eu me inspirei muito nele. A calma como ele fazia.

Eles trabalhavam muito bem como profissional e então eu fui aprendendo a fazer o palhaço do jeito que eles faziam: com sinceridade no trabalho, com amor. A coisa mais importante que tem no palhaço é trabalhar com amor, com aquele carinho dentro de você, com o coração como de um inocente, que não tem pecado. Se eu morrer no picadeiro vou morrer como um anjo. Porque ali a gente tá sem maldade, sem pensamento errado. Só pensando no trabalho e fazer rir as pessoas. Que quanto mais as pessoas sorriem mais o palhaço de sente feliz.

Hoje eu trabalho com a minha própria inspiração, uma coisa que eu criei, como fazer. Eu criei o meu próprio ser de palhaço, meus próprios movimentos. Eu faço as minhas piadas por mim mesmo. Tudo eu faço, eu crio. Eu crio muitas paródias, muitas piadas. E essas criações minhas os outros palhaços que assistem levam prá eles.

Fui empregado também no circo Arizona. Passei seis anos com eles. Andei o norte todinho: Piauí, Maranhão, Goiás, Pará, Amazonas. A gente foi até a fronteira: Brasil, Colombia e Peru. Andei aquela região toda. Ainda nasceu um menino meu lá, no Pará, em Santarém. Foi o Círio, o pai do Baratinha, meu neto.

O meu neto, Baratinha, eu não ensinei nada a ele. Ele aprendeu me assistindo. Vendo eu trabalhar, como eu fazia, como eu faço. O pai dele foi que transmitiu tudo de mim pra ele. Porque o pai do Baratinha, o Cirio, ele trabalhava comigo no picadeiro. Ele sabe tudo de mim. Todos os meus filhos sabem tudo de mim. Então eles vão passar para os filhos. Eles têm sempre alguma coisa boa do Pimenta.

As vezes as famílias têm mais de um circo, como a família Brandão. Do avô passou para os filhos, dos filhos passou para os netos e dos netos para os bisnetos. E a família Brandão hoje tem muitos circos. É igual a família Pimenta. A familia Pimenta tem eu com meu circo, tem o Círio com o dele – Mirtes Circo, tem o Soneca, que é outro meu filho, com circo. Meu primeiro circo eu tive agora depois dos cinquenta anos e, hoje, eu trabalho com quatro filhos, duas noras, um genro e minha esposa.

Muita coisa mudou do pior para melhor. Antes não tinha ajuda de ninguém. O circo acontecia com os esforços dos donos. Com aquele pouco dinheiro que eles ganhavam, eles mantinham o circo. Os salários eram pouquinho. Eles não tinham responsabilidade com os artistas que trabalhavam. Os artistas todos comiam por conta própria. Viviam como podiam. Hoje você tem ajuda do Governo do Estado, da Prefeitura de Fortaleza, do Governo Federal, com os projetos.

Eu achei essa coisa de ser mestre muito reconhecedora. Quando meu projeto chegou lá tinha todos os mestres: mestre de renda, de boi, de reisado. Mas não tinha o mestre da cultura popular de circo. O Governo me botou como Mestre da Cultura e eu fiquei muito honrado, muito alegre, porque eu comecei do pobre, do nada e hoje ser um Mestre da Cultura Popular do Ceará… Pra mim isso é uma grande satisfação, fico muto alegre com isso e achei bom também o salário até morrer que me ajuda muito. É uma maravilha!

O que é ser mestre? É a pessoa trabalhar com dignidade, ensinar as pessoas que precisam. Eu, por mim mesmo, eu ensino. Tem uma turma que vem pro meu circo e eu ensino comédia. Toda noite eu faço comédia. Eu ensinei meus filhos, outros que entram na família eu ensino que é pra eles sobreviverem.

É muito importante continuar a tradição de palhaço no Ceará. Porque tem muita gente precisando de alegria. Precisando de humor. Que hoje em dia os sacrifícios são grandes. Para aquelas pessoas que nunca viram circo e, ainda tem muitos, eu digo: vá ao circo, assista. Porque o Ministério da Saúde adverte: o circo também faz bem à saúde.