Mestre
23 de outubro de 2015
Acopiara (Sítio Logradouro) – Região Sertão Central
12 de abril de 1943
Mestre Pedro deixou o gado no curral, selou o cavalo e abriu a porta da casa antiga para mostrar como era e ainda é a vida e vaqueiro. Porque mesmo com toda a mudança da tecnologia um vaqueiro do sertão do Nordeste continua a enfrentar praticamente as mesmas condições, afazeres e dificuldades: o sol escaldante, a boiada bruta e o eterno sofrimento em busca de água para si e para os animais. Pedro Aboiador hoje mora numa casa grande para um homem sozinho bem perto da casa onde nasceu e que já tem algumas paredes caídas. Muito solícito, o Mestre aboiou no curral, andou a cavalo para as fotos e depois da conversa nos acompanhou até a cidade, à cavalo, para o almoço na Churrascaria mais famosa e onde todos o cumprimentam como Mestre.
Eu subi terra de fogo, com alpargarta de algodão. As alpargartas se queimaram eu desci com pé no chão. Desci na ponta da nuvem por um estralo de um trovão. Pisei em terra firme, com dois crucifixos na mão. De um lado São Cosme e do outro São Damião. Em prece acode o cruzeiro da virgem da Conceição.
“Hoje se tira o gado é de moto. As motos são os cavalos. Tá tudo diferente.”
Eu me chamo Pedro Coelho da Silva. Conhecido sempre como Pedro Aboiador. Eu nasci aqui, nessa casinha que nós estamos. Meu avô morava naquela outra casa ali, ele era separado e vivia aqui mais nós. O ponto era aqui na casa da minha mãe mas ele dormia lá na casa dele. Os adereços dele era tudo lá. E eu pequenininho comecei andando mais ele. Ele era vaqueiro. Comecei andando mais ele pra os baixios. Ele ia arrancar mato, arrancar salsa e eu nos mocotós dele. Com um cassetinho e nos mocotós dele. Comecei andando à cavalo, andando na garupa do cavalo dele. E fui indo e comecei a andar num animal só. Ele, vaqueiro lutando, e eu acompanhando.
E a gente saia daqui – eu com seis pra sete anos de idade – e levava o gado lá pra onde hoje é a água do Banabuiú. Eu ia no meio de uma carga. A gente levava o gado no inverno e trazia no verão. Eu ia no meio de uma carga forrada com uma rede. Minha mãe ajeitava aqui os mantimentos, pra gente comer. Era o tempo do chapéu de couro – o bolo de milho. E eu ia no meio da carga. Deixava o gado lá e voltava. Depois quando foi em 50 peguei lutando aqui. Lutando com o gado dos outros, que ele não tinha. Ele tomava de conta de uns gado alheio, lutando. Como ele era vaqueiro e eu vendo aquilo ali me dediquei no ramo dele.
Quando eu vesti a roupa de couro eu tava com 10 / 12 anos e fomos levar o gado em 59 pra lá, naquele mesmo lugar. Eu tomei a roupa de couro emprestada e fui num burro tangendo os gados. Aí fui levando e fui ficando, seguindo a profissão, com todo prazer. Eu não dormia de noite quando era pra fazer viagem no outro dia. Primeiramente, eu menino, a gente ia dar água a um gado, daqui uns quatro quilômetros. Ele selava o cavalo e ia e eu no jumento – meu pai tinha um jumento muito bom e eu ia no jumento.
A derradeira viagem que ele fez foi em 59. Aí eu já fiquei fazendo aquelas viagens sem ele. Me arranchando nas casas que ele se arranchava e fui ficando conhecido e peguei a lutar com o gado e o pessoal me procurava pra tirar gado, pegar gado no mato. Eu sou vaqueiro e vaqueiro de pegar o boi no mato mesmo. Aí eu parti pra aboiar. Manezinho pernambucano aboiava na rádio Alto de Piranhas e eu assistia. Era o radinho aqui, armada a rede, radinho do lado, toda cinco hora da tarde, escutava e fui ouvindo aquilo. Na minha luta aprendi a fazer uns versos também e ele convidava uns vaqueiros pra ir na radio. Eu fui treinando e me dediquei naquilo. Daí um pouco fui chamado pra convidar os vaqueiros para a vaquejada, em verso. Ai fui me elevando, os fazendeiros tudo me queria bem. Fui muito responsável com a luta. Eu não dava, como se diz, vencimento para as lutas porque eu era um só. Um chamava pra uma boiada hoje e já tinha outra pra amanhã. Pegar um boi no mato, nestes altos aqui, peguei muito. Boi por carreira. Fui me dedicando no ramo mesmo e me tornando um vaqueiro aboiador.
Foi assim como diz a minha música: Nos meus tempos de vaqueiro, morava no Logradouro / montava em cavalo bom e pegava boi corredor / e aprendi a campear andando mais meu avô / ôôôôôôhhh / sou vaqueiro do sertão, a profissão que eu tenho / de vestir roupa de couro e campear boi no mato também / e essa vida me dá prazer, o maior prazer que eu tem / ôôôôôôhhh.
Eu me tornei um mestre da cultura. Começou por isso, eu ser analfabeto e conservar e zelar essa cultura. Desde esse tempo até hoje eu venho conservando. Todos os trajes de couro, todas as tralhas do vaqueiro eu tenho com muito prazer.
Primeiro foram as entrevistas. Em 86 fiz uma entrevista no Carneiro Portela e o povo dando valor aos meus trabalhos. Depois a parceria com Galego Aboiador, que eu gravei uma parte no CD dele. E o povo vendo aquilo. E gravei meu CD em 2002 e o povo admirando muito. Em 2008 foi uma página do jornal Diário do Nordeste. Foi aí que um poeta Chico Antônio, conhecido em Fortaleza por Teixeira, que é parente meu, descobriu esse órgão do Governo com os Tesouro Vivo. Já tinha passado o da Dina, que ela já era mestre. E ele veio aqui e levou os meus documentos tudim e os CDs, aquela página do jornal. Lá ele trabalhou e fez o documentário e do documentário já partiu pro Mestre da Cultura. E e foi indo até que chegou. Todo mundo fazia força e me dizia que eu merecia. Pra mim é um prazer muito grande porque um analfabeto foi julgado e escolhido. Tem uma toada minha que diz: minha escola foi cocheira e o professor foi o gado. E a gente ganha o salário, já tô recebendo.
Essa tradição de vaqueiro já foi muito elevada. Tem diminuído muito. E tá diminuindo. Aqui no município de Acopiara mesmo, que é um município grande, só tem eu considerado o vaqueiro mesmo. Hoje se tira os gado é de moto. Se vai buscar uma boiada eles vêm de moto – um de pés e outro na moto. E sai um chamando na frente e outro atrás tangendo, entrando dentro dos matos. Não tem mais um cavalo de campo aqui, senão eu. Não tem mais uma roupa de couro, nem nada, acabou-se. As motos são os cavalos. Tá tudo diferente. É tanto que pra representação de folklore, o pessoal vem tudo aqui atrás dos meus vestuários. Só tem eu aqui que tem. Pra mim era pra eu ter um colega, um parceiro. Nem tem de aboiar e nem tem de ir pro mato, pra luta de pegar boi no mato.
E hoje, a juventude não tem mais vontade. Meus dois filhos, um podia ter seguido, mas não! Mas com essas minhas histórias já tem gente entrando, se interessando. Eu acho que vai aparecer. Em outros municípios tem uns garotos novos que tão entrando na vida do vaqueiro mesmo. Mas na vida do gibão, na tradição, tá bem pouquinho. Se caça onde é que tem um. É porque os jovens querem a coisa mais fácil. Vai pro estudo que é mais maneiro.
Mas ensinar não se ensina. É o dom que Deus dá, que nem me deu. Também não ensina os versos. Eu não escrevo meu nome e Deus deu aquele dom e a gente vai vendo os outros, que nem eu vi e ouvi. Eu tenho um bocado de toada, mas pra eu fazer era uma dificuldade porque eu não escrevo. Eu faço aqui, duas três estrofes, quatro, fico repetindo e depois faço outras até terminar. Pra ter o começo e o fim. Mas faço também de improviso.
Pra mim foi a vida melhor que Deus me deu. Foi essa vida e essa profissão de vaqueiro. Tenho sofrido nela mas estimo como a melhor coisa do mundo.
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