Mestre
15 de maio de 2018
Juazeiro do Norte (Região do Cariri)
1 de maio de 1938
24 de agosto de 2020
“Eu estou autorizado / vamos cantar desde já / estava esperando vocês chegarem de lá / fazendo o livro dos mestres da cultura do Ceará. Pedro Bandeira está aqui no bairro Lagoa / chamada Lagoa Seca onde o pássaro ainda voa / a cabeça já tá branca mas a cantoria é boa”.
“Para mim rede não arme / para mim cama não forre / eu quero morrer cantando, benzendo e tomando um porre / morrer em pé estalando como um pé de angico mole / morrer em pé estalando como um pé de angico mole”.
“A minha poesia vem do campo, vem das flores. Vem de dentro de mim. Eu trago o universo na minha cabeça”
Eu sou o poeta Pedro Bandeira. O Pedro Bandeira Pereira de Caldas é o cidadão, o homem. E o poeta Pedro Bandeira é outro camarada que eu tenho dentro de mim. Esse é o que faz a festa. E eu fico apreciando e reclamando dele quando ele não está bem inspirado. E aplaudido quando ele se inspira, o poeta Pedro Bandeira.
Eu sou Paraibano, do município de São José de Piranhas. Na cabeceira do estado, o município emenda com o Ceará. Eu nasci em um lugar chamado Riacho da Boa Vista. Um sítio, na zona rural.
Eu sou neto do poeta Manoel Galdino Bandeira – o grande repentista, o grande violeiro, Manoel Galdino Bandeira – sou neto materno dele. Eu comecei a gostar de cantoria aos seis anos de idade. Descobri que era poeta aos seis anos de idade. Comecei a fazer cantoria aos 14 anos e me profissionalizei com 17 anos.
Antes, fui trabalhador rural, estudei em escola de sítio, amansei burro – domei que não é amansar… mas no sertão é amansar. E tocar sanfona, que ainda toquei um pouquinho.
Mas depois enveredei e me firmei na viola, no braço da viola. Fiz as primeiras cantorias nos vizinhos lá de casa. No sítio Mandassaia, no sítio Antas, no sítio Cacaré e na cidade de São José de Piranhas. Comecei cantando na feira, nos bares.
Meu avô já havia falecido naquele mesmo ano, em 1955, do milênio passado. Quando ele faleceu eu já cantava. Ele ainda me viu cantar umas quatro ou cinco vezes e disse que eu seria um dos bons cantadores. E aconteceu isso: eu fui um dos mais felizes cantadores.
Então, quando eu completei 24 anos eu já tinha rasgado o sertão paraibano, cearense, pernambucano, o Piauí, o Maranhão. Já tinha cantado em todo o Nordeste. Rio Grande do Norte, também. Cantando. Viajando e cantando. Cantava hoje numa casa aqui e amanha numa casa ali. Depois noutra casa mais na frente. E os caminhos abertos pelo nome do meu avô, que era um grande cantador, que tinha grandes amigos. O pessoal dizia: “chegou um neto de cumpade Mané Galdino. Chama-se Pedro Bandeira. Vamos fazer uma cantoria pra ele.” Juntava o povo e eu cantava só ou cantava com outro cantador que morasse ali por perto, na cidade ou no sítio.
Comecei a cantar em 1955, pelo sertão e pelos lugarejos, pelas cidades pequenas e grandes. Mas não conhecia ainda o rádio. 15 anos depois, em 1960, eu vim atender a um convite da rádio Educadora do Crato, para fazer um programa com um cantador chamado João Alexandre. Desse convite, começamos um programa em 1961. Esse programa foi para o ar muitos anos, chamado Violas e Violeiros, na Rádio Educadora do Crato – Poeta Pedro Bandeira – Poeta João Alexandre. Apresentado por Teresinha Siebra, que era de Várzea Alegre, e Nely Sobreira, do Crato. Então nós cantamos 25 anos, um quarto de século nesse programa.
Esse programa levou a gente ao mundo. Aquele tempo era o tempo do Rádio de Ouro. A gente cantava e era ouvido no mundo inteiro, pelas antenas, pelas ondas médias, curtas e hertzianas. Nós éramos ouvidos no Brasil inteiro, no mundo. Recebíamos telefonemas… aliás, naquele tempo era telegrama, da Venezuela, do Uruguai. O Brasil inteiro ouvia. O programa era das cinco às seis horas da tarde, na Rádio Educadora do Crato, que hoje é Rádio Educadora do Cariri FM. Antes era AM, hoje é FM.
Eu cantei muito tempo… esses 25 anos na rádio. E também comecei a escrever cordel. Meu primeiro cordel se chamou O Homem da Cruz. Foi um homem que saiu de Garanhuns ou Caruaru. Saiu com uma cruz nas costas, arrastando e veio até o Juazeiro pagar uma promessa. Quando chegou, eu estava presente, lá na casa do Padre Murilo. Ele parou e perguntou onde poderia deixar a cruz e o Padre Murilo – grande cidadão, grande pároco, grande orador sacro – disse: vamos procurar um lugar para guardar sua cruz e acolheu o homem.
E nesse tempo eu já comecei a escrever cordel. Hoje sou autor de muitos cordéis. Perdi a conta. 600 livros cordelísticos. Cordéis pequenos. Livros grandes, tenho 13 livros publicados. Uns seis com biografia por gente importante como Lucinda Azevedo, Padre Antônio Vieira, Franco Barbosa, e por meu amigo Joaryvar Macedo, que foi Secretário de Cultura do estado do Ceará. Ele era de Lavras da Mangabeira e morava aqui em Juazeiro.
A minha inspiração para fazer verso, criar de improviso e escrever veio da própria natureza. Veio desse mundão bonito que a gente vê. Veio de Deus em primeiro lugar. Eu tenho muita fé em um poder superior ao nosso. Acho que existe a espiritualidade. A minha poesia vem do campo, vem das flores, vem das serras, vem dos rios, vem do oceano, vem das borboletas, vem dos ventos, vem dos nevoeiros, das estrelas, da lua. Vem do ser humano. Da simpatia, do ser humano perseverante, da mulher bonita, da mulher sincera, da mulher que não foi sincera, do homem que foi sincero, do que não foi sincero. Vem desses lados todos.
Vem de dentro de mim. Eu trago o universo na minha cabeça . Eu acho que fui o cantador que mais vezes cantei no mundo. Não tô dizendo que cantei melhor! Mas o que cantou mais vezes! Nas décadas de 60, 70 e 80 teve de anos de eu cantar 290 noites no ano. Cantava o ano quase todo. Além de programas de rádio e apresentações outras eu fazia muitas cantorias. Por isso eu fiquei bem conhecido. Graças a Deus!
E cantei também em outras rádios. Na rádio Iracema cantei muitos anos. Na rádio Progresso. Na rádio Araripe. Hoje canto na Rádio Vale AM e eu tô batendo com as FMs que são mais ouvidas. Mas nós ainda temos um público certo na AM.
E minha vida de cantador foi muito feliz. Eu comecei a andar de pé, depois comecei a andar de jegue, depois passei a andar de burro, de cavalo, depois de Jeep – comprei um Jeep – para andar pelos sertões. A coisa mais bela que eu achava era entrar de Sertão adentro e cantar naquelas casinhas lá dos pé de serra, aprender e ensinar com eles, com os sertanejos. Aprender coisas que só um Mestre de cultura pode saber, guardar no cérebro para esboçar na hora que precisar.
Sou criador de várias coisas com relação as sabenças e as sabedorias. Eu criei um termo chamado “quebra de asa”. Quebra de asa significa você desconversar uma conversa que alguém quer lhe contar ferindo alguém. Chega alguém contar uma história mal de um mestre, de um amigo, de um colega ou de um familiar eu não gosto. Eu nunca usei minha poesia para ferir ninguém. Mesmo sabendo que a pessoa é errada, eu não consigo. Eu digo: mas rapaz, será que fulano está namorando com fulano de tal. Eu digo: será que é, será possível? Talvez não seja. Isso é estória do povo. Fulano comprou um carro novo, ficou devendo e não pode pagar. Quebra de asa significa dizer: não, mas isso acontece com muita gente, depois ele vai poder pagar.
Eu vou escrever um livro, se der tempo, chamado “quebra de asa”. Desconversar quem vem detratar de alguém. Mas se for para elogiar eu me proponho e me disponho. Minha poesia é sempre de afeto, de responsabilidade. Poesia que eu digo cantando:
“Meus cabelos foram pretos como uma noite sem fim / nasceram da cor de carvão / caem da cor de alfenim / os que caem são pedaços que o tempo arranca de mim”.
“Quero morrer como ferro / no fogo me derretendo / morrer numa cantoria / cantando muito e bebendo / porque quem morre embriagado / não sabe que está morrendo”.
Eu cantei, eu fiz verso de improviso. O poeta advinha. O poeta nato mesmo, advinha. São profetas. E profetizei a canonização de Joao Paulo II no dia que eu cantei para ele.
Quando eu descobri a estória dos mestres eu tive vontade de ser. E agradeço muito aos segmentos culturais que me escolheram em 2017. Eu fui agraciado com o título de Mestre da Cultura vindo das mãos do Governador. Sendo escolhido, votado pelos segmentos culturais.
Ser Mestre é ser um ensinador e um aprendedor. Ser Mestre é ser verdadeiro, ser interessado. É saber cantar a sabença do povo com profundidade filosófica.
Preste atenção nesta estrofe. Fiz de improviso. Meu irmão cantando comigo disse: você já fez sua história. Eu peguei na deixa e disse:
“nessa vida transitória que a vaidade deságua / passe um grafite no bem e um mata-borrão na mágoa / não exiba portes de armas / exija poços de água”.
Para os dias presentes é muito interessante uma estrofe dessas. É uma lição de vida.
Para essa geração de hoje, para a safra de hoje que serão responsáveis pelos dias de amanhã, o que eles devem acolher e procurar entender, mais do que as faculdades e as universidades, é que a sabedoria está na pessoa humana. Está nos saberes e nas sabedorias. E o que eu quero dizer para eles é: quem quiser ser feliz goste das coisas com naturalidade, com simplicidade, com dignidade. Sem a vaidade humana. Eu disse cantando um dias desses com um cantador jovem:
“valho-me da humildade / pra conquistar horizontes / vou pelos pântanos da vida / você se embrenha nos montes / enquanto vc faz muros / eu vou construindo pontes”.
Os mais novos dizem que me imitaram. Eles que dizem. Tenho muitos seguidores importantes como Geraldo Amâncio e outros grandes cantadores que existem no Brasil. Ensinei a alguns. A maneira de rimar. De metrificar. De sentir, ficar melhor. Porque muita gente canta sem está sentindo. A cantoria tem de sair do âmago, do cérebro, do pensamento, das perseverâncias. Cantar bem é difícil demais. É preciso esforço. E preciso ler muito. Eu tenho três cursos superiores. Mas o meu o diploma maior que eu acho para mim é Mestre da Cultura do mundo pelo Ceará.
Eu me senti feliz pelo reconhecimento. Porque eu já sabia que a minha bagagem, humildemente eu falo aqui, era uma bagagem de perseverança, de seriedade, de responsabilidade, nos versos, na vida e na arte. Eu me senti reconhecido. Mas eu fiquei com a mesma simplicidade, com a mesma naturalidade. Nunca entendi de ser melhor do que ninguém, maior do que ninguém. Apenas um cantador perseverante, feliz, que conquistou plateias.
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