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Mestre

Piauí

Antônio Batista da Silva

Mestre em Boi de Reisado

Publicação no Diário Oficial do Estado

16 de maio de 2005

Cidade/Residência

Quixeramobim. Sertão Central.

Nascimento

15 de setembro de 1939

Falecimento

18 de março de 2019

(recitanto)

Pessoal, quando eu morrer /
que vocês forem me enterrar /
num quero ver ninguém chorando /
porque eu não gosto de chorar /
vocês levem um violão /
pra na minha voz cantar /
cante música de reisado que eu gostava de cantar /
Gente, quando eu morrer /
eu não quero choro profundo /
eu quero um boi no meu enterro /
pra eu brincar no outro mundo /
pra eu brinca lá com São Pedro /
que é o chaveiro do mundo.

“Eu só posso ser feliz com o boi. E saber que eu tô fazendo alguém se lembrar de mim. Mesmo depois que eu morrer vão dizer: isso aqui eu aprendi com Mestre Piauí. “

Meu nome é Antônio Batista da Silva e me apelidaram por Mestre Piauí, porque quando eu era pequeno eu queria ir para o Piauí. Eu chorava muito por isso e o meu povo chegava e perguntava: porque o menino tá chorando? Porque ele queria ir para o Piauí e a gente não deixou ele ir. Pois agora nós vamos dizer que ele é do Piauí, piauizeiro. Daí o nome, Mestre Piauí.

Comecei essa tradição com 12 anos. Já está com sessenta e quatro anos que eu faço esse reisado. Sou mestre de reisado e já andei por muitos cantos, já dei muita entrevista… Acho bom entrevista, porque cada vez mais a gente fica na história, fica mais lembrado. É bom saber que o povo está se lembrando da gente. A gente gosta e recebe com aquele prazer, com aquela alegria.

Depois que recebi esse diploma a gente é mais visto, tem mais “aquele poder”. Muita gente crê no que a gente diz. A gente se sente valorizado em saber que o Governo ajudou nessa parte. Porque estávamos precisando.

Quando eu recebi o diploma me perguntaram se eu ia continuar nessa brincadeira. Tinham ouvido que eu ia abandonar, que eu ia me afastar. Eu disse eu ia me afastar, mas devido essa ajuda resolvi continuar. Porque a gente não tinha nada na vida, só comprava fiado para pagar no apuro. Não tinha recursos para manter uma tradição que esses anos todos eu vinha mantendo…

Esse diploma foi pra valorizar a gente, porque a gente tava lá num recanto acolá, quando dá fé, chega uma valorização dessas que a gente alcançou. A bem dizer um milagre que a gente não esperava receber: essa ajuda, essa homenagem e ser reconhecido como um Mestre da cidade. A gente não tínha a fé de receber título nenhum, de receber esse salário. É mais uma ajuda pra gente manter a cultura. Já que o governo não quer deixar se acabar tudo.

Depois do diploma, em todo o canto que a gente passa o povo fala com a gente, tem a novidade dos grupos que a gente faz parte. E tem as apresentações em muitas escolas daqui. Muitos colégios que nós temos aqui, nós que inauguramos, fizemos a abertura. É isso aí que a gente queria. A gente quer e se sente feliz em ter essa ajuda e em não deixar se acabar o reisado.

Eu passei a ser Mestre da Cultura, a ser Mestre Piauí, porque eu comecei pequeno. Meu irmão era quem fazia esse reisado e, uma vez, a gente ia se apresentar lá na Boa Viagem. Ele não pode ir, aí ele me entregou. Disse que eu tomasse de conta porque eu tinha mais tempo. Então eu continuei porque eu recebi esse reisado que já vem dos meus avós. Os avós começaram, passou para um tio meu, do meu tio passou para o meu irmão e do meu irmão passou para mim. E a gente vem mantendo.

Hoje em dia as coisas são mais fáceis porque já foi muito difícil, porque a gente não tinha nada, ninguém ajudava. Muitas vezes chegava nas casas para pedir uma ajuda e o camarada dizia : pode ir embora daqui, não quero esses malandros aqui . Malandro, magote de vagabundo… Nós passamos por tudo isso para chegar a esse ponto; eu e os outros colegas, os outros Mestres. Então nós sofremos muito. A gente não tinha condições de manter essa tradição.

Antigamente quando a gente ia fazer um reisado, o tocador do boi ganhava a metade. Naquela época brincava por 5 mil réis. Então a metade era de sanfoneiro/ tocador. O cantador do boi ou cabeça do boi, o caboclo, que no meu reisado sou eu, ficava com a outra metade. E o grupo ficava com que? Um saldozinho do jaraguá. Porque o jaraguá saia fazendo a revisão na plateia, coagindo o povo e o povo ia dando aquele trocadinho. Então isso aí era o que a gente lucrava. Porque o dinheiro que a gente brincava numa casa e era contratado por aquele tanto, a metade era do sanfoneiro e a outra metade era do caboclo do boi. Então era difícil!

Eu digo para os garotos: Mestre não é para qualquer um! Porque pelo tempo que eu passei prá ser mestre… não é fácil! Eu pelo menos passei muito tempo brincando para poder aprender. Passei muitos anos… Vocês só vão ser Mestres se aprenderem. Não é com duas risadas, com duas palavrazinhas, duas musiquinhas que vai ser mestre, não! Porque eu passei muitas coisas prá chegar lá. Fiz muita coisa! Não tem um mestre novinho não! Todos eles já estão nas idades boas. Eu só recebi esse diploma já depois de aposentado, de 65 anos. Quando aprendi o que o outro mestre sabia, porque não é fácil gente!

Nosso reisado é o Boi Estrela. Nós estamos com 28 pessoas. Quando a gente tá brincando é aquela coisa, aquela alegria, daquele povo gostando. As vezes as pessoas dizem: eu hoje tinha outro evento mas como tem esse reisado, eu vou para o reisado. Aí é que a gente fica satisfeito de saber que a pessoa deixou a missão que ia fazer pra vim assistir o reisado da gente. Então quando a gente vai fazer uma apresentação dessas aqui no nosso lugar, no Quixeramobim, tem muita gente que deixa outra coisa, as vezes até de ir a um forró, para ir ao reisado porque gosta mais do reisado.

Fizemos uma apresentação na Praça Coronel João Paulino para mostrar a muitas crianças que ainda não conheciam o reisado, porque não sabem o que é cultura. Estivemos numa creche só de garotinhos, eles fizeram um boizinho, uma emazinha… Então me levaram lá pra mostrar para eles e contar o que sabia. A gente ensina a cultura, o que eu sei.

Aqui no meu grupo os meus meninos quase todos são músicos; um toca violão, outro toca teclado, outro toca bumbo. Esses instrumentos tudo são eles que tocam. Então eu me sinto feliz ensinando as músicas, ensinando as danças porque hoje eu já estou treinando outra pessoa para ficar no meu lugar. Ele já faz parte das brincadeiras, ele já brinca com a gente, ele é um brincante do nosso reisado. Eu sempre digo a ele: você prá ser um mestre precisa tá sempre lá em casa.

Ensinei a outro. Lá na porta de SESC daqui. A diretora de lá me apresentou: Piauí esse rapaz quer fazer parte do reisado. Eu respondi: é fácil! Ela disse: ele quer aprender as músicas. Ele trouxe uma folha de papel e eu ditei tudo pra ele. Ele escreveu e hoje ele é dono do Boi Mimoso. E ainda tem o Boi Bolinha, aqui em frente.

Eles agradecem quando estão cantando, eles agradecem ao Mestre Piauí. É isso aí que dá mais alegria: saber que aquele povo se lembra da gente toda hora que está brincando. Saber que aquele povo deu valor e se valorizou porque eu ensinei pra eles o que eu tenho prá ensinar. Eles dizem: esse bumba eu comecei a bater no reisado do Mestre Piauí. Será que tinha outra história melhor pra eu contar?