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Mestre

Rainha Almeida

José Maria de Paula Almeida

Mestre de Maracatu

Publicação no Diário Oficial do Estado

16 de maio de 2005.

Cidade/Residência

Fortaleza.

Nascimento

4 de dezembro de 1946.

Relato de Viagem

Uma casa, oficina, galpão de guardar objetos de cena. Assim é o refúgio de José Almeida, Rainha Almeida, do Maracatu Nação Iracema. A casa é no centro do Conjunto Acaracuzinho, em Maracanaú, região metropolitana da capital cearense. Sem os trajes de seu personagem, Almeida é um homem de fala mansa e altiva ao mesmo tempo, ciente e consciente de seu papel de reforço da resistência. Quando veste seu vestido de rainha, coloca a cora e empunha o cetro, já pintado com a beleza negra, transforma-se na legítima representante de seus ancestrais que nos forjaram brasileiros.

(Cantando)

Eu subi terra de fogo, com alpargarta de algodão. As alpargartas se queimaram eu desci com pé no chão. Desci na ponta da nuvem por um estralo de um trovão. Pisei em terra firme, com dois crucifixos na mão. De um lado São Cosme e do outro São Damião. Em prece acode o cruzeiro da virgem da Conceição.

“Pintar o rosto faz com que a gente sinta uma força que puxa os nossos ancestrais”

Eu sou Almeida. Rainha do Maracatu Nação Iracema. Tesouro Vivo da Cultura do Estado do Ceará. Mestre Almeida.

Meu nome é José Maria de Paula Almeida. Nasci em 1953, na cidade de São João de Jaguaribe, Ceará. Filho de Antônio Bezerra de Almeida e Maria Inês Paula Almeida. Desde criança dedicado aos estudos, sempre aconselhado pelos meus pais. Meu envolvimento com a área cultural foi fazendo peças de dramas ainda no meu primário na cidade de São João de Jaguaribe.

Em 1962 eu fui para Juazeiro do Norte. Ser seminarista. Lá fiz até o segundo ano ginasial. Voltando a São João de Jaguaribe, terminei o ginasial. Em 1972 ingressei no Exército. Passei seis anos. Nesse período do Exército, conheci o jornalista e folclorista Paulo Tadeu, que sempre insistiu para que eu brincasse no maracatu. Eu não tinha nenhuma aptidão para dançar no maracatu. Eu era ligado à escola de samba e já havia desfilado em algumas escolas em Fortaleza, no carnaval. Mas o Paulo Tadeu sempre insistindo que eu deveria entrar no maracatu.

Um dia ele me atanazou tanta a paciência que eu disse: no dia que você fundar um maracatu eu vou fazer parte. E a minha surpresa foi que em 1980 ele passou na minha casa e fomos uma reunião no Clube dos Diários e lá ele fundava, junto com outros amigos, o Maracatu Vozes da África. No primeiro ano, desfilei como Princesa, mas comecei o desfile como princesa e terminei o desfile no Corso como rainha. E explico: a rainha, que estava comprometida em desfilar com o maracatu, tinha um outro compromisso com uma escola de samba que estava vindo logo atrás do maracatu. Então, ele tirou a roupa do maracatu e foi desfilar na escola de samba. O Paulo Tadeu, com a coroa na mão, sem saber o que fizesse, viu aquela pessoa muito garbosa desfilando e simpática e disse: é você mesmo que vai terminar o desfile como rainha e botou a coroa na minha cabeça. Ele mesmo que, até hoje, comenta esse episódio. Assim eu terminei o desfile como rainha do maracatu que foi campeão, em 1981, do carnaval cearense.

Isso foi muito gratificante para mim, porque terminei um desfile num posto que não era meu, mas cumpri com as obrigações dos jurados e tiramos a nota dez. E hoje, se disser: você quer o maracatu ou quer escola de samba. Hoje eu dou minha vida pelo maracatu. De lá pra cá, várias coisas aconteceram. Tive algumas viagens internacionais, fomos participar do festival internacional na França, fomos ao Uruguai, ao Paraguai, a Guiana Francesa e quase todos os estados do Brasil a gente já participou de festival.

Mas, sempre, tudo tem o seu momento… E houve o momento que eu tive que me ausentar e me afastar do Vozes da África. Foi em 1998. E logo em seguida fui convidado para assumir o posto de rainha no maracatu Az de Ouro. No Az de Ouro passei até 2002, quando novamente o jornalista Paulo Tadeu e junto a seu William, dona Lúcia e o Movimento Negro, fundou-se o Maracatu Nação Iracema, onde permaneço até hoje, graças a Deus, com muita responsabilidade e fazendo de tudo para que o posto que eu exerço seja bem representado.

Concorri várias vezes através do edital Tesouro Vivo da Cultura, mas no edital de 2017 galguei pontuação suficiente para que entrasse no rol dos Tesouros Vivos da Cultura do Estado. Fui diplomado em 2018 e, graças a Deus, até hoje tenho honrado os meus compromissos com relação a essa titulação. Uma titulação que me deu respaldo junto aos outros maracatus que passei. Não só o Maracatu Nação Iracema, pelo qual eu desfilo e faço o papel de rainha, mas abracei todos os outros maracatus, sem distinção, porque o mestre, ele tem que ser o mestre dos maracatus

Já ajudei a fundar alguns outros maracatus no interior: o de Sobral, de Tamboril, o de Canindé, de Juazeiro, o do Crato, o de Senador Pompeu. Então, isso é muito gratificante para mim ter esse elo capital-interior, porque faz com que, cada vez mais, nós tenhamos conhecimento do que, na realidade, o maracatu representa para o Estado do Ceará. E para a cultura de um modo geral. E eu sempre faço as coisas com muita perfeição, visando que seja reconhecido, para que não existam críticas. A gente não pode evitar críticas, mas que não sejam críticas muito contundentes em relação ao desenvolvimento do maracatu do Ceará.

Com relação à negritude no maracatu cearense… Essa é uma parte essencial. Porque o maracatu de Pernambuco não pinta o rosto. Já é uma diferença bastante significativa em relação ao nosso. Então, o ponto chave que culmina com a característica oficial do maracatu cearense que é a negritude. É a pintura no rosto. Isso é que é o bonito. Pintar o rosto faz com que a gente sinta uma força! Uma força estranha que traz e que puxa os nossos ancestrais e o negro é uma coisa belíssima.

Sim, porque você traz o sangue, a sua origem vem à tona e faz com que você se sinta emotivo, relembrando o que aconteceu e na realidade como foi o período de escravidão no Brasil.

Ser um Mestre da Cultura primeiro é uma responsabilidade muito grande. Por quê? Porque na categoria que você se propõe a divulgar, a sua titulação, você tem que fazer com responsabilidade, com afinco, com carinho, abraçando de uma maneira bem própria e íntima. Para que você possa repassar os seus conhecimentos para os mais jovens, para outros que queiram seguir a categoria do maracatu.

Uma pessoa se torna Mestre, quando na realidade se dedica àquilo que está fazendo. Então, se você se dedica, como no meu caso, ao maracatu de um modo geral. Hoje tenho 40 anos de maracatu completo. 40 anos de maracatu! E fazendo o papel de rainha, 36 anos. Então, tem que ter a sua dedicação e enfatizar cada vez mais o papel do Mestre que é ser o multiplicador para que as pessoas conheçam mais e mais o que é na realidade o maracatu.

Uma das funções do Mestre é repassar os seus conhecimentos para as pessoas que realmente desejam atuar na área da cultura tradicional popular e, graças a Deus, nessas minhas andanças, eu tenho conseguido com que as pessoas se engajem em outros maracatus. Mesmo pessoas alheias, que na realidade não se envolviam com o maracatu como eu, mas agora já estão com a mentalidade diferente. Por quê? Porque quando a gente entrava no maracatu, muita gente dizia: você vai entrar nessa macumba? E o maracatu não tem nada a ver com macumba. Maracatu é uma dança de origem afro. Como é de origem afro, os tambores sempre têm destaque. E repassar os conhecimentos é muito importante. Muito embora ainda se precisa de muito mais apoio para que os Mestres consigam ir nas escolas fazer o repasse desse conhecimento aos mais jovens.

Sem dúvida, o título de Mestre faz com que tenhamos mais respaldo, mais conhecimento do nosso trabalho e também mais conhecimento para o maracatu. O Maracatu Nação Iracema, todos os anos – depois que foi criado o carnaval de rua aqui em Maracanaú e que os desfiles são aqui no conjunto industrial – o Maracatu Nação Iracema não deixou de ser convidado a participar. Primeiro, porque eu sou do município e faço parte do maracatu. Segundo, pelo respaldo que o Mestre tem no município de ser chamado para dar palestra, se envolver com os alunos da rede pública do município. Eu me lembro que, no ano que eu fui diplomado mestre, a Escola Eleazar de Carvalho me chamou para que eu fosse participar da Semana da Consciência Negra na escola, como uma das pessoas que eram envolvidas com o movimento negro e particularmente com o maracatu.

Então, quando a gente se torna Mestre, melhora muito, tanto na parte de reconhecimento, de repasse de conhecimentos e, de um modo geral, a comunidade observa que tem uma pessoa que faz com que a cultura tradicional popular seja bem vista na comunidade.