Mestre
15 de maio de 2018
Barbalha (região do Cariri)
17 De agosto de 1942
A mesa posta para um café ao final da entrevista e uma conversa animada com o Mestre e seus familiares, parecia algo improvável, quando chegamos pela primeira vez na oficina de seu Jaime, que é ao lado de sua casa. Sim, fomos duas vezes ao local para falarmos com ele. Nesse primeiro contato, ele, sentado na calçada, não arredou pé: estava aguardando um caminhão para entrega de material. Marcou para o dia seguinte, em horário cedo, para não atrapalharmos o serviço. Obedecemos e, aos poucos, Mestre Jaime foi se empolgando, contando seu percurso na vida. Um homem dedicado ao trabalho. A primeira impressão era confirmada por toda sua história.
Padrinho Ciço, fundador de Juazeiro e protetor do romeiro desse imenso sertão / Padrinho Ciço, fundador de Juazeiro e protetor do romeiro desse imenso sertão / Frei Damião que era nosso capuchinho, ele está com Jesus Cristo, já cumpriu sua missão / Frei Damião que era nosso capuchinho, ele está com Jesus Cristo, já cumpriu sua missão / Eu nunca achei um mestre pra dá ni mim, se já deu já levou fim ou anda no mundo encantado /Eu nunca achei um mestre pra ni dá mim, se já deu já levou fim ou anda no mundo encantado / Tô preparado pra brincar, brinco bonito / Eu sou o Mestre Expedito e sou um mestre respeitado / tô preparado pra brincar, brinco bonito / Eu sou o Mestre Expedito e sou um mestre respeitado.
“Eu dou valor ao mosaico que eu sustentei.”
Eu nasci em 1942, no sítio Venha Ver, município de Barbalha e hoje estou aqui ainda. Nessa vida toda aqui em Barbalha. Meu nome é Jaime Arnaldo Rodrigues.
Minha história começa assim. Em 1960 eu vim trabalhar de servente para um patrão lá do Cedro. Já estava com seis anos que ele tinha essa fábrica, quando eu cheguei lá. Trabalhei uns tempos de servente. E aprendi. Quando foi em 61, eu passei para prensa. Fazendo o mosaico. De 61 até hoje, meu rojão é mosaico. Eu tinha uns 18 anos. Já faz sessenta anos, justinho.
Em 1977 era muita encomenda, muito serviço. Eram cinco prensas rodando. De Alagoas a Belém do Pará tem nossos mosaicos lá. O mosaico dele era muito bom, muito bem feito. O povo vinha daqueles mundos comprar os mosaicos naquele tempo.
Na década de 70 começou a aparecer cerâmica. Muito bonitas, coloridas. O povo achava que ela tinha a mesma força do mosaico. Tudo novidade. E ficou muito barata a cerâmica e o mosaico perdeu a sua potência, suas vendas. Foi fracassando, fracassando. Nesse tempo, ninguém dos mosaicos vendia quase nada. Em 1978 ele resolveu acabar a fábrica.
Desmanchou tudim. Despachou todo mundo. Eram 25 homens que tinha lá rodando, fazendo mosaico. Servente e fabricante. Mas o patrão resolveu acabar. Venderam alguma coisa que tinham, uns prédios. Quando despachou os empregados, ele me pediu para ficar com a chave e mostrar a algum interessado que quisesse comprar um dos prédios. Fiquei com esse compromisso. O povo chegava eu mostrava. Depois de três anos que a gente tinha fechado, o povo começou a procurar mosaico de novo.
As cerâmicas começaram a dar defeito no esmalte. Os clientes que já tinham mudado o piso vieram atrás para botar mosaico de novo. Mas não tinha mais fábrica, ninguém queria mais fazer mosaico. Eu resolvi conversar com o patrão. Eu disse a ele: Seu João, gente que comprou mosaico há trinta anos, estão querendo remendar os mosaicos que o piso arriou. Assim ele disse para mim: fale com a coletoria e vá fazendo o que o povo pedir.
E assim, em 83, eu já começei aqui por minha conta. Botei uma prensa lá onde é minha sala hoje. Eu tinha um barraco ali atrás. Resolvi vender e fazer um galpãozinho de telha, uma latada de telha e o que sobrou fui organizando. E já tinha gente atrás, até desses desenhos que comprei do patrão antigo.
Então, o pessoal começou a chegar. Era um espatifado de cerâmica que o povo não queria mais. Começou a chegar gente de todo canto. Hoje está vindo gente de São Paulo atrás de mosaico aqui. Está com cinco anos que a cultura do Rio de Janeiro veio aqui, juntou-se com a do Crato, e eles vieram bater aqui. Desse tempo para em diante, eu não parei mais de trabalhar. Passa assim dois dias, três dias parado mas o povo sempre atrás. Só não tem mais fila porque o povo de fora é mais interessado do que os nossos. Veio uma arquiteta do Rio de Janeiro para fazer um bocado de revestimento para o Hotel Verdes Vales. Salviano, que é o dono de lá, mandou ela aqui. E ela ficou doidinha quando viu nossas coisas. Para ela eu fiz praça, fiz painel. Está lá tudo assentado. Ela disse que se eu chegasse com ela no Rio de Janeiro a gente ia ganhar muito dinheiro. Porque por aí eles fazem, mas é serviço mal acabado. Eles não pintam como nós.
Quando eu montei, eu tinha um bocado de colega que tinha trabalhando comigo na fábrica anterior. Resolvi chamar eles. Pegava um serviço de um mês – conforme o tempo – e eles vinham me ajudar a fazer. Hoje eu tenho quatro rodando e um servente.
Para fazer o mosaico nós temos a mistura do cimento comum, a base que segura. Tem as tintas, os pigmentos. Tem o sílex – o sílex é que vai entrar mais o cimento branco para virar pedra. Vem o cimento preto, o pó de pedra. E umas areias bem fininhas que vem lá do centro da terra. Precisa caçar nas veias dos riachos, aquelas partes que as enchentes deixaram lá. Essa areia bem fininha, a gente passa em uma peneira de nylon. Tem também as peneiras e as medidas (para medir e não ficar um diferente do outro). Importante são as cores. Tem diversas cores (cada cor tem uma quantidade da tinta). Para as cores é que tem as medidas também. Botar direitinho para não ficar esmorecido. Para não ficar mais fraco nem forte. Ficar tudo igual, todas as peças. Você pega em uma pedra nossa, esse mesmo material está com a mesma força do cimento comum. Mas se eu não medir direitinho, pode ficar uma mais fraca e outra mais forte. E o maior cuidado é nessa medida de material. Esse nosso mosaico vai ficando velho e vai ficando mais forte.
Esses desenhos o patrão antigo comprou lá em 56. Naquela época tinha muita fábrica de mosaico no Nordeste, toda cidade tinha e os viajantes vinham de São Paulo com os desenhos no papel. E se você se interessava pelo desenho, achava que ia ser bonito, ia ser bom, fazia o pedido que eles mandavam de São Paulo. Quem fabricava esses moldes eram os franceses, lá em São Paulo. Aqui a gente não fazia. Aqui a gente chama modelo mas o nome certo é molde.
Eu ainda tenho um bocado deles que veio dessa época. Tem uns que eu não posso nem pensar em quebrar. Se quebrar não posso nem soldar que a solda não é essa nossa aqui de fogo. É um calor que eles têm lá. Um rapaz explicou o jeito de fazer os moldes: corta a peça, bota na forma, no tamanho certo e faz um preparo e dão um calor na energia para eles se unirem. É tanto, que tem uns desenhos que não se vê a solda. Mas quando a gente bate, aqui e acolá ela descola um pouco. É preciso consertar. Tudo de metal e bronze.
Desde a época que comecei a fabricar não mudou nada. A receita, ainda hoje, ela continua. Eu só modifiquei assim: a cor. Essas cores eu modifiquei um bocado delas. Mas a dosagem é a daquela época. Eu fiz uns mais fortes, que lá naquele tempo era muita venda e a concorrência era muito grande e eles queriam fazer um negócio mais barato para poder ter saída, né? Mas quando eu peguei eu não fiz isso não. A venda já é pouca, se o danado do mosaico não prestasse ia ficar difícil para mim
Se eu sou Mestre? Sei lá o que é que eu sou? Mas eu achei bom ser escolhido. Chegaram e me perguntaram tudo. E fizeram um jornal, uma revista, cartazinho. E me deram um salário. Isso é o que eu preciso mesmo para poder ser Mestre de vera! Essa indicação de Mestre eu fiquei feliz. Resolveram me dar esse título porque eu sustentei a tradição até hoje. Porque todo mundo abandonou, ninguém quis mais, ninguém tinha mais fé de voltar. Eu não tinha o que fazer. O povo pedia, assim uma coisinha, dois metros. Quem é que quer fazer dois metros? Pegar um horror de material desse e fazer dois metros de serviço? Ninguém queria. O cabra só quer coisona grande, de carrada. Eu não. Pessoal chegava aqui dizendo: homem vou perder meu serviço, meu piso… tá faltando tantas pedrinhas. Se o senhor não fizer, vou perder 30 / 40 metros, porque não tem outra peça para botar. Assim eu pegava o serviço e fazia. E eu também fui tomando gosto no negócio e o pessoal foi enchendo a notícia. Eu só podia sustentar se tivesse uma propaganda. O pessoal dizer que eu faço. Hoje todo mundo sabe e ensina onde tem o mosaico.
Hoje eu tenho um filho que ele já faz. Além dele fabricar os desenhos, esses mais difíceis, faz também a mistura dos materiais. Porque cada uma dessas tintas pega quatro ou cinco tipos de material. E se vc errar uma colher de sopa de um traço para o outro, pode atrapalhar, porque fica uma mais do que outra. A dosagem tem de ser tudo medidinho, tudo certo. Porque tem de ter muito cuidado para não perder a quantidade das medidas. Nem botar demais e nem botar de menos. Uma noção: uma pessoa me pede um azul, se botar demais vai passar do azul. Se eu botar de menos vai diminuir a cor. Eu não posso tirar nada de um para o outro. E para precificação é as medidas dos cimentos. (4 pra 1 ou 3 pra 1). Se botar demais fica forte. Se botar de menos faz esmorecer. Tem que ser um negócio para não errar. Na hora que começa a secar é que se vê a diferença. A cor já diz. Logo na hora que faz não vê, porque estão molhados. Só vê quando tá acabando de secar.
Eu tenho um orgulho danado do que eu construí. Porque eu nasci sem nada, não tinha nada e hoje comando uma tropa. Tem minhas risadas do mesmo jeito, de tardezinha, e tem meus colegas que a gente conversa e bate papo… E tudo na alegria. Gostam de mim e eu gosto deles todos. E esse respeito que eu tenho. Eu dou valor ao mosaico que eu sustentei. Eu faço os serviços e eles levam. Quando é com 10 anos eu pergunto e eles dizem que está de “primeira”.
E com essa vinda de jornal e revista e cultura e faculdade acabei de ficar mais orgulhoso. Hoje eu tenho um orgulho danado porque eu cheguei até aqui. Todos eles me elogiam. Porque eu sustentei!
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