Mestre
22 de outubro de 2008
Juazeiro do Norte - Região do Cariri
26 de dezembro de 1953.
Stênio Diniz mora no seu atelier. Seu lugar de trabalho é sua casa, não o inverso como geralmente acontece. Cercado das matrizes, de onde saíram piracemas, pássaros encantados, pavões, personagens que parecem eclodir de um mundo onírico, às vezes lúdicos, outras assustadores, o Mestre da Xilogravura, neto do poeta e fundador da Tipografia São Francisco, nos brindou com sua história. Artista, antes irrequieto, agora parece apaziguado consigo e com o seu mundo onde sobressai-se seu filho mais novo. O mestre, em grandes e pequenos formatos, fala através de sua ponta seca, de seus traços sinuosos, do preto e branco e das cores que imprime, por vezes, na gráfica que já foi sua e agora é de todos os xilógrafos da região.
Eu subi terra de fogo, com alpargarta de algodão. As alpargartas se queimaram eu desci com pé no chão. Desci na ponta da nuvem por um estralo de um trovão. Pisei em terra firme, com dois crucifixos na mão. De um lado São Cosme e do outro São Damião. Em prece acode o cruzeiro da virgem da Conceição.
“A inspiração é uma coisa meio louca de se explicar. Comigo é tudo na espontaneidade”
Meu nome é Stênio Diniz. Nome completo José Stênio Silva Diniz. Nasci em Juazeiro do Norte, no ano de 1953, no dia 26 de dezembro. Sou neto de José Bernardo da Silva, o fundador da antiga tipografia São Francisco, que hoje chamam Lira Nordestina, e dentro do universo dessa gráfica foi que eu me criei. Já aos cinco anos de idade eu trabalhava juntando papel numa máquina, uma grande máquina impressora, que imprimia dez mil folhas de cordéis por dia. Isso para registro: se eu nasci em 1953, era em 1958, então dá pra se ter uma ideia da quantidade de cordel que era vendida e publicada aqui em Juazeiro do Norte.Com o passar dos anos, aprendi a ler, escrever. Então, passei a trabalhar na gráfica como compositor.É que essas tipografias funcionavam com tipos manuais. Hoje em dia todo mundo conhece só digitação. Mas antes era letra a letra que eram colocadas em um componedor e posteriormente iam para a máquina para ser impressos os textos. E com dez, doze anos comecei também a imprimir, em uma pequena máquina impressora que era movida a pedal, não era à energia.
Em 1969, fui para o Rio de Janeiro com a família. O cordel já estava em crise nesse tempo, sua venda tinha caído muito. Atribuímos essa queda à chegada da televisão – o público foi arrastado para o vício da televisão e o cordel perdeu muito com isso. Em 1970, voltamos para Juazeiro. Foi quando eu comecei a fazer xilogravura. Exatamente nesse ano. Foi também o ano que morreu o meu pai, Diniz, José de Sousa Diniz. Esse ano tem essa marca.
Em 1972, faleceu o José Bernardo da Silva, o fundador da gráfica. A essa altura eu já tinha ido morar em Brasília, fui fazer uma exposição na UnB. Aí minha avó mandou me chamar prá eu ajudá-la no gerenciamento da gráfica, porque ela estava sozinha. E eu fiquei na gráfica durante o período que minha avó estava viva. Quando ela faleceu, a minha avó, foi minha mãe, Maria de Jesus, quem ficou gerenciando a gráfica. E a essa altura, o nome da gráfica, que era tipografia São Francisco foi mudado, por orientação de Patativa do Assaré. Patativa do Assaré deu a ideia de colocar o nome de Lira Nordestina e esse nome ficou até hoje. Então esse nome Lira Nordestina a gente deve a boa ideia do Patativa
A decadência da Lira, com os cordéis vendendo cada vez menos ,era crescente. Isso obrigou a minha mãe a vender a gráfica para o Governo do Estado do Ceará, em 1982. Ela negociou e o Governo comprou.. Mas como não poderia gerenciar a gráfica – eu acho que nem legalmente -, o Governo doou a gráfica para uma academia chamada Academia Brasileira de Cordel, a ABC, que tinha como Presidente Vidal Santos, um jornalista de Fortaleza.
Os primeiros cordéis que foram impressos vinham com o nome ABC, da editora que fazia os cordéis. Depois de alguns anos, o Vidal Santos entregou a Lira Nordestina aos cuidados da URCA, a Universidade Regional do Cariri. Então, há mais de vinte anos que a gráfica está sob a tutela da URCA. Inclusive, o patrimônio da Lira é todo tombado pela URCA, ou seja, é de responsabilidade da URCA o funcionamento da Lira. Só que, na verdade, o que vemos hoje é uma falta de iniciativa da URCA, falta de projeto que realmente funcione, que faça funcionar e voltar a ser, pelo menos, dez por cento do que a Lira era antigamente. Porque hoje ela não imprime um cordel sequer. Ou seja, é um engenho que não produz rapadura, nem açúcar, nem garapa, nem nada. A gráfica de cordel mais famosa do Brasil está abandonada, sem nenhum direcionamento, sem nenhuma perspectiva. Eu não conheço nenhum projeto que atenda às necessidades da Lira para que ela possa voltar a cumprir o papel dela – que não era somente o de editar os clássicos da literatura de cordel, mas também editar os poetas novos. Hoje, não acontece nem uma coisa nem outra. Lamentavel. Mas a gente espera que esse quadro se reverta
A minha trajetória como xilógrafo se funde a esse desmantelo que foi a venda da gráfica. Isso me desestruturou totalmente, porque eu não vi mais a gráfica cumprindo o seu papel. Então, em 1985, um grupo de alemães, da cidade de Colônia, vieram à Juazeiro, conheceram as minhas xilogravuras e me fizeram um convite para que eu fosse à Alemanha. Aceitei o convite, mesmo pagando a passagem do meu bolso. O que aconteceu foi que, como eu demorei a pagar as primeiras prestações das passagens, – o juro era muito alto nessa época, então triplicava o valor – a dívida ficou praticamente impagável. A essa altura eu não podia voltar da Alemanha. Mas foi bom, porque me obrigou a ficar praticamente dois anos na Europa, entre Alemanha, França, Portugal, Bélgica. Rodei um bocado para angariar o dinheiro para pagar os débitos e trazer algum dinheirinho.
Antigamente a xilogravura era feita somente para o cordel, não tinha gravuras de outras dimensões. Ou seja, você só ia ver uma gravura nova quando fosse publicado um cordel. Mas hoje não. Dezenas de xilógrafos fazem trabalhos de dimensões maiores, independente de ter encomenda. Fazem o trabalho próprio. Eu acho difícil que a arte da xilogravura se acabe. Com esses fomentos de cursos, o nome, vira uma badalação também… Xilogravura, xilogravura – Deus queira que aconteça isso também com o cordel. Dê uma badalação e comece a ativar mais o cordel. Não conheço uma cidade sequer que tenha um terço dos xilógrafos que tem em Juazeiro, e olhe que que eu já rodei – só prá Europa fui 13 vezes. Aqui é uma cidadezinha do interior, mas nenhuma cidade grande que tem por aí tem tantos xilógrafos. E com trabalho de qualidade. Os xilógrafos capricham. O zelo é tanto que a gente sabe que virou escola. A gente sabe que tem a escola de Caruaru, de Recife, com J. Borges, com Dila, com o o próprio Samico que era mais erudito. Mas tudo numa escola pernambucana. Nós aqui temos uma escola, não dá pra dizer o nome: escola “x”! Mas Juazeiro, Cariri criou uma escola de xilógravos importantes, ao ponto de quando a gente chega por aí, alguém diz: essa xilogravuras foram feitas prá banda de Juazeiro, não é do Pernambuco.Nas gravuras de Pernambuco existe muito branco no fundo, então esse vento que aparece nas daqui não se coloca na gravura de lá. Tem muitos espaços vazios. Elas são bem chapativas, as distâncias. Aqui, as dessa região, já são mais preenchidas.
A inspiração é uma coisa meio louca de se explicar. Comigo é tudo na espontaneidade. Deu vontade. Como se diz, deu na telha… Vem aquela coisa… eu posso citar exemplos :
– da época da ditadura militar – naquele momento, me vinha a inspiração de ter a arte como uma arma, como denúncia porque a ditadura era uma coisa altamente periculosa, prejudicial mesmo ao artista, e eu partia para mostrar a realidade. Para tentar dar minha contribuição em cima da anistia.
– A retratação de períodos de seca… eu retratei muito. Hoje a gente olha aquele material e sente até medo… muita gente faminta, retirantes. Mas as gravuras serviram para mostrar um retrato de época, de fazer uma coisa que tenha a ver com aquele momento. Então, essa coisa da época é muito importante para mim.
– Uma gravura chamada “peregrinação no rio São Francisco” – de uma peregrinação que algumas pessoas fizeram, junto com um padre que fez greve de fome para defender o Rio.
No penúltimo encontro dos Mestres, lá no Crato, um amigo chegou e perguntou pra mim: Stênio, o que é que eu faço para ser mestre? A minha resposta foi: seja! Não é diploma que vai torná-lo mestre. Porque se fosse assim, muitos que não tem esse diploma, não seriam mestres. O diploma vem só para beneficiar alguns mestres. Mas a coisa do mestre em si, nenhum diploma pode dizer. Porque ser mestre é uma coisa natural. E o mestre verdadeiro, pode-se assim dizer, ele faz a obra dele, ele pratica com muito amor, carinho, garra, muito profissionalismo. O mestre tem o dom de repassar seu saber. Uma pessoa que sabe uma técnica valorosa, então ele é mestre naquele assunto. Mas a parte que falta é o do repassar adiante, de formar as pessoas naquela matéria, naquele trabalho que ele faz. E isso aqui em Juazeiro tem passando da conta. São centenas e centenas de mestres e mestras. Ainda sem o diploma mas altamente qualificados, dado o título de mestre pela própria natureza do trabalho que faz.
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