logo.png

Mestre

Totonho

Antônio Gomes da Silva

Mestre em Luthieria

Publicação no Diário Oficial do Estado

24 de setembro de 2007

Cidade/Residência

Mauriti (Distrito de Mararupá, agora conhecido como São Felix) – Região do Cariri

Nascimento

13 de fevereiro de 1960

Relato de Viagem

O distrito de São Felix ou Mararupá, que fica a dezoito quilômetros da sede de Mauriti, sofria com a seca e o sol causticante quando fomos visitar o mestre. Chegamos ao distrito por estrada de terra por onde vislumbra-se a Chapada do Araripe.

A oficina do Mestre, local da nossa conversa – que fica contígua à sala de estar de sua ampla casa, com quintal, fruteiras, galinhas, gatos – é arrumada com esmero onde ferramentas e utensillios, imprescindíveis ao ofício, estão disponíveis nas bancadas.

Percebemos que o Mestre detém, domina e tranfere seu conhecimento sofisticado para materia-prima na qual trabalha e constrói instrumentos muito precisos e lapidados.

“Fazer violino prá mim é uma coisa muito importante e eu acho uma terapia. E é um orgulho quando um instrumento está pronto na posição de tocar.”

Meu nome é Antonio Gomes da Silva. Sou conhecido no estado como Mestre Totonho. Luthier de violino, violoncelo, viola e, às vezes, até de contrabaixo acústico. Agora por último também estou construindo rabeca porque as rabecas foram intituladas como o violino do Nordeste. O Nordeste gosta muito de forró, então a rabeca pega bem na região. O violino é mais para música clássica, lírica, esses tipos de música da Europa, Estados Unidos, França e outros países.

Eu vou contar um pouco da minha história e de como eu comecei a fabricar os violinos.

Eu sou nascido aqui num distrito de Mauriti, que está a 18km da sede. O nome do povoado é Mararupá, agora conhecido como São Felix.

Hoje trabalho e vivo aqui nesse lugar, onde nasci e me criei. Fiquei fora, num período de oito anos, em São Paulo. Voltei e estou aqui desde os anos 80.

Eu sou agricultor.  Eu fabrico violino, mas eu vou prá roça também porque é da roça que sai o feijão, o milho, mamona, batata doce, a mandioca, como se diz aqui, a macaxeira… A gente planta que é prá gente ter a produção. Porque a gente depender de só comprar é ruim. Então eu não posso largar a roça por nada. É tão bom na época que tem feijão verde, tem milho verde… Quando a gente tá muito apertado com o serviço da construção do violin, a gente paga o pessoal da roça e vai lá só levar o almoço e o lanche e continua na oficina trabalhando.

Quando eu fui prá São Paulo, eu não me acostumei lá. Chovia muito e quando eu via a chuva caindo no chão, eu lembrava daqui, da nossa terra. Eu sentia muita saudade e trabalhando naquelas fábricas fedidas, tanto veneno tóxico que tinha lá e poluição e tudo… Não teve jeito… Eu tive de voltar pra cá. Quando eu ouvia o ronco do trovão eu lembrava de comer uma pamonha, um milho assado, um milho cozinhado, o feijão verde que lá não tem. Aí não teve jeito, eu tive que voltar. Tô aqui na terra seca mas feliz da vida. Não senti mais desejo de voltar para lá. Ir embora pra São Paulo, nunca mais. Pra morar, não! Aqui, Deus dando o que comer é bom demais.

Foi em São Paulo que eu aprendi a arte de luthieria. Eu comecei estudando o Bona, o Paschoal Bona, que hoje pouca gente estuda.  Mas eu estudei o método dele que é a divisão musical. Com ele eu aprendi bastante coisa na parte  da música. E aí me despertou a curiosidade e o interesse para fabricar violino. Foi então que eu conheci um italiano, por nome de Augusto Lombardi, na Vila Pompéia, e ele me passou as dicas de como construir um violino.

O primeiro que eu fiz não deu certo. Eu continuo com ele guardado até hoje. Ele não produziu som, não funcionou e parecia mais uma rabeca que um violino. Mas, com os estudos de alguns livros que eu adquiri e por algumas apostilas e dicas de outros luthiers, eu fui me aperfeiçoando e hoje, graças a Deus, sou profissional na parte da luthieria. Já não sou mais um fabricante de violino e sim um luthier profissional de violino.

Já fabriquei violinos para várias orquestras de fora do Brasil, como a orquestra do músico holandês, André Rieu. Daqui do Brasil mesmo foram poucas.  Fabriquei alguns violinos, violas e violoncelos para as igrejas evangélicas. Tem violino meu em um memorial na Holanda. No Museu do Stradivarius, tem violino meu lá, tem viola. Já foi violino para o Paraguai, Japão, Áustria  e para vários países. A minha venda principal é fora do Brasil.

Para a  fabricação do instrumento são vários os tipos de madeiras. Trabalho com madeira nacional e também com madeiras importadas. As importadas são o ébano, para fazer os acessórios,  o abeto  para fazer a caixa acústica e o maple para fazer as costas, os braços e as ilhargas do violino.Tanto o violino como o violoncelo. As importadas são madeiras de primeira,  apropriadas para orquestra. Madeiras que vem da Alemanha e da Itália. São madeiras cortadas em tempo certo, preparadas para fazer o serviço adequado. A gente compra os kits e eles vêm prontinhos. A madeira  tirada na posição correta pois não pode ser cortada de qualquer maneira para se fazer um violino de qualidade. A madeira não pode ser serrada em prancha. Ela tem de ser serrada como fatia de bolo pra poder dar um violino de qualidade. Essas coisas todas a gente aprendeu em livros.  Para importar as madeiras, que vem da Europa, eu tenho contatos no Espirito Santo e em São Paulo. Eu compro deles os kits. Eles compram em Cremona, na Itália e em outros lugares da Alemanha.

Ser mestre pra mim… eu tenho como uma grande honra porque isso já está no sangue, é hereditário. Meu pai também era mestre, ele fazia viola, ele era repentista, ele era cantador de viola.  Ele fazia versos, fazia repentes. Então ele deixou para mim, no  sangue, essa parte de ser mestre. Prá mim é uma honra porque muitos querem e não conseguem. Eu acho que seja uma coisa muito valiosa quando o Estado considera a gente como um Tesouro Vivo. A gente está trabalhando, está vivo, com disposição e toda garra para ensinar, transmitir para aqueles que também têm o mesmo dom e que não sabe que tem e a gente está disponível.

Trabalhei num projeto para ensinar dez alunos. Esses alunos começaram a aprender e quando estava no terceiro mês eles começaram a exigir uma bolsa. Como não houve, eles se desestimularam e pararam. Só que quando eles pararam já tinham aprendido bastante coisa na parte da teoria, na parte do meio ambiente, da construção do instrumento,  já serravam a madeira, já poliam o instrumento. Já sabiam fazer cravelha, estandarte, queixeira. Uns foram embora para São Paulo e lá eles continuaram os estudos. Tem deles que já tem fábrica de instrumentos. Outros trabalham por conta  própria em casa.  Mas não saíram daqui inocentes, aprenderam bastante coisas

Tem um rapaz, muito meu amigo, na cidade de Aurora, chamado Gil Chagas. Esse eu ensino como voluntário, é por conta da cultura. Ele está se aperfeiçoando comigo e já está fazendo instrumentos e vendendo. Gil faz violino, rabeca e violoncelo. Só que não é com a perfeição que eu faço. Eu faço perfeito para orquestra. Mas mesmo assim ele está fazendo uns instrumentos bom de som. Os primeiros que ele fez o som era bem baixinho, não chegava perto do som dos meus. Mas eu ensinei para ele o segredo, o pulo do gato, chamado de harmonização do instrumento. Agora ele está tentando… Ele não tem o especímetro, uma peça de medir pra fazer a harmonização, mas ele mede na mente e está dando certo. Está conseguindo fazer e vender.

Fazer violino pra mim é uma coisa muito importante e também uma terapia. Enquanto eu estou aqui, estou me distraindo, esquecendo o estresse do dia a dia. Eu fico muito orgulhoso quando termino o violino, quando ele está pronto prá tocar, coloco acordoamento, passo o arco nas cordas, ouço a sonoridade dele. Eu fico muito feliz em trabalhar na minha oficina.