Mestre
16 de maio de 2005.
Barbalha (Sítio Barro Vermelho).
13 de junho de 1929.
Um amplo sítio com uma grande casa avarandada, com outras casas menores ao redor. É neste universo familiar criado pelo Mestre Zé Pedro que ele vive e mantém acesa a tradição do seu reisado de couro há mais de 40 anos. O respeito e a reverência familiar e dos amigos ao bem humurado e risonho e ao mesmo tempo firme Mestre é de fácil percepção. Muitas risadas permearam a conversa e quando terminamos era hora do almoço e um banquete nos aguardava na cozinha.
Escolhemos ir à Barbalha na semana que antecedeu à Festa de Santo Antonio e encontramos Mestre Zé Gonçalo poucos dias antes da festa. O mestre gripado, andando devagar e sem firmeza nas pernas, foi taxativo em dizer que não ia para o tradicional cortejo dos grupos folclóricos. No entanto, no dia da festa, para nossa surpreza, encontramos o Mestre, amparado pelos brincantes do grupo, tocando o pandeiro e dançando. Andou todo o percurso, em pleno sol de meio dia. Pleno de alegria!
Eu subi terra de fogo, com alpargarta de algodão. As alpargartas se queimaram eu desci com pé no chão. Desci na ponta da nuvem por um estralo de um trovão. Pisei em terra firme, com dois crucifixos na mão. De um lado São Cosme e do outro São Damião. Em prece acode o cruzeiro da virgem da Conceição.
“Reisado é uma brincadeira, mas é uma brincadeira séria.”
Eu sou o mestre Zé Pedro, do município de Barbalha. O meu nome certo é José Pedro de Oliveira. O meu apelido José Gonçalo. Finado meu pai botou esse apelido em mim porque tinha um irmão meu, da primeira mulher dele, que se chamava também José Pedro de Oliveira. Aí, mode não ser dois José Pedro de Oliveira, ele botou esse apelido.
Então eu vou começar agora a falar sobre a cultura popular do Estado do Ceará. A cultura, pra mim, começou eu com idade de 12 pra 13 anos. Os mestres que eu trabalhei com eles já morreram todos. Só tem eu e Antoin Café, lá no Araticum.
Esse reisado que eu tenho agora foi renovado. Só eram três personagens: o boi, a burrinha e o cavalo. Chamaram para ir ao folclore, em Barbalha… O pessoal de fora. Então eu reuni os meninos pra renovar o reisado de couro mode eu ir pra lá representar Barbalha e o estado do Ceará todo.
Eu recomecei numa base de 50 anos anos. Porque eu já tô na idade e meu censo não tá mais aprumado que nem tava. Mas eu regulo que é por aí, viu! O mestre ia ser Antoin Café. Na hora da apresentação ele não soube fazer direito. Aí o finado Chiquinho Bernardes disse: o reisado vai ser o de Zé Gonçalo mesmo! Porque ele tem a cabeça boa. Ele vai representar tudo. Eu juntei os meninos. Com a cruz eu não quis ir. Fui com o reisado de couro. Tá com uns quarenta pra cinquenta anos. Mais ou menos.
Daí prá frente ficaram chamando pra fora, pra aqui, pra acolá, aqui no Brasil. Porque nós somos brasileiros… é daqui mesmo. Fiquei percorrendo Crato, Barbalha, Juazeiro. Só não fui pro Jardim. Iam levar mais eu não fui. Paraíba, Russas, Mato Grosso do Sul, Limoeiro do Norte. O lugar que eu achei melhor para representar o folclore foi o Limoeiro do Norte. Todo canto deu bom mas eu achei melhor no Limoeiro do Norte.
Eu achei muito bom ser um mestre da cultura popular no estado do Ceará. Porque eu sou brasileiro, nascido nas Cabeceiras, Barbalha. Vim com seis meses de idade pra mata, que os políticos apelidaram de Barro Vermelho. Mas aqui toda vida foi Mata de Araçá. Meus documentos é tudo Mata de Araçá. Aí mudaram… tá bom. A culpa é deles. Minha não!
Daí pro diante eu achei bom eu ser representante do folclore aqui de Barro Vermelho, aqui ao redor tudo! Nesse meio de mundo todo. Não me sinto orgulhoso, porque não tenho orgulho. Mas eu me sinto feliz. Eu já disse: enquanto eu for vivo, eu não vou acabar com o folclore. Agora quando eu desaparecer… Se quiserem continuar, continue.
Eu gosto muito de tirar o reisado. Se eu não gostasse, na idade que eu tô, eu não ia mais sair pra representar o reisado. Outro dia vieram buscar mode eu levar os meninos pro Canadá. Mas disseram que o frio estava abaixo de zero. O que eu ia ver lá? Eu ia morrer lá? Não! Eu, se morrer, é em casa. Porque a minha família está toda em redor de mim. Fico satisfeito quando eu morrer ser em casa. Nem no hospital eu não quero. Uma vez eu tava doente e pedi alta ao doutô e vim pra casa doente porque tava com grande saudade de minha família. Grande saudade!
É importante eu representar o reisado do couro. Importante botar meus netos mode eles apresentarem pra não faltar cultura popular no estado do Ceará. Por que? Tá acabando, tá acabando. Vocês prestem atenção… ali na festa de Santo Antonio tinha folclore mas agora não tem. Eu me atrevo ir doente pra Barbalha pra levar o reisado de couro. Todo ano no pau da bandeira de Santo Antonio eu tô lá.
Vou porque os meninos – já tá com tempo – mas não faz que nem eu mando. Mas, se Deus quiser e antes de eu desaparecer, eles vão aprender. Justamente os meus netos que são novos, estão estudando, tem inteligência. Eu sei que eles vão aprender. Mas é duro! Por que? O camarada dentro de 45 / 50 anos não aprender tudo direitinho, é duro. Eu aprendi foi por conta própria, quase. Quando eu renovei. Foi quase por conta própria. E toda vida a minha cabeça foi boa mode eu fazer tudo. E eu não tenho estudo. O estudo meu foi cabo de enxada.
No começo eu saía fugido pro reisado Eu botava uma mão de pilão dentro da rede, cobria com as beradas da rede e o finado meu pai quando se levantava cuidava que era eu que estava lá! Mas eu tava era lá no reisado, brincando o mateu no reisado do finado Zé Rufino. Ele foi pedir ao meu pai para eu ir com ele mode ganhar dinheiro no sertão. Meu pai disse: você pode me pedir o que quiser Zé Rufino – eu gosto muito de você – mas meu filho sair pra ganhar dinheiro por aí pelo sertão, não! E eu não vou perder meu trabalhador. Ele nunca saiu daqui e o pouquinho estudo quem deu fui eu e não posso deixar ele no mundão grande não. Ele tem que trabalhar porque eu já tô velho e empancando o trabalho e ele têm de continuar o trabalho mode arrumar o pão.
Porque naquele tempo não tinha esse aposento. Naquele tempo só era a força de Jesus pra criar a família. Até eu, criei minha familia todinha, doze filhos – seis homens e seis mulheres com muito trabalho.
Sobre o meu reisado de couro eu tô caçando outro. Eu não sei se tem por aí não – pode até ser que tenha que nem ele por ai afora, porque tem muito folclore, mas esse reisado de couro meu é querido aqui nessa região, de Fortaleza pra cá. Que eu já brinquei muito aí fora. Brinquei muito aqui na sede ensinando. Tô ensinando. Senão eles se esquecem. Dando ensaio eles fazem bem feito na Festa de Barbalha. Eu não posso mais tomar a frente, mas tem dois que puxam e os outros vão atrás.
É muita diferença do reisado de couro pro reisado de congo. Porque o reisado de couro não corre perigo. Os reisados de congo tem aquelas espadas – eu brinquei muito neles. Faz medo. Eu não chego mais nem perto. Porque teve um acidente com a minha mão numa tomação de rainha, em Juazeiro do Norte. Meu mestre entregou a espada mode não deixar tomar a rainha… O mateu do outro grupo botou a espada pra furar meu olho. Eu muito jovem, muito valente no corpo, rebati. Quando eu botei nele, ele não rebateu, aí furou, lá nele, quase furava o olho. Foi aí que eu entreguei a espada ao mestre e disse: não pego mais nunca numa espada de reisado de congo. Parei de tudo.
Então eu formei o reisado de couro: o boi, a burrinha e o cavalo, seis caretas, a véia, o menino da véia, o urubu. Agora formei o reisado de baile por minha jurisdição. E o reisado de baile é bonito. Não tem espada. Eu trabalho com quatro damas, dois caretas e dois mateus, o Rei e a Rainha. A espada que tem é de plástico, só mode armar mesmo o reisado. O reisado de couro não corre perigo. O reisado de baile também não. Eu tô ensinado essas meninas, esses meninos. Agora é cabeça dura. É obrigado ter muita paciência. Eu tenho muita paciência, na idade que eu tô… Mas os meninos são dormente! O reisado é uma brincadeira, mas é uma brincadeira séria.
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