Mestre
16 de maio de 2005.
Fortaleza.
4 de dezembro de 1946.
O bairro das Goiabeiras, no lado oeste de Fortaleza, é a zona de pertencimento do Mestre Zé Pio, onde ele mora desde criança. A comunidade toda conhece o Mestre e aponta, com facilidade, onde fica a Rua Vento Leste e o galpão do Boi Ceará. O boi alvinegro recebe majestoso os vistantes e em todo o espaço do galpão estão a indumentaria e os acessórios que enfeitam integrantes em dias de apresentação. É neste espaço que acontecem os ensaios, as festas, onde são construídos adereços, onde se dão os encontros. Zé Pio, ciente de seu trabalho e da sua responsabilidade, resolveu vivenciar o boi em tempo integral. Construiu sua casa sobre o galpão e, literalmente, vive em cima do boi.
Eu subi terra de fogo, com alpargarta de algodão. As alpargartas se queimaram eu desci com pé no chão. Desci na ponta da nuvem por um estralo de um trovão. Pisei em terra firme, com dois crucifixos na mão. De um lado São Cosme e do outro São Damião. Em prece acode o cruzeiro da virgem da Conceição.
“O boi é uma religião que a gente carrega dentro do peito.”
Eu me chamo José Francisco Rocha. Sou filho de Maria da Conceição Rocha. Eu sempre gostei de mostrar a cultura popular do estado do Ceará: o bumba-meu-boi. Comecei a brincar de bumba-meu boi com três anos de idade no boi Rei de Ouro. Eu brincava de índio. Lá eu brinquei cinco anos.
No Pirambú, pra onde eu me mudei, eu encontrei Chico Preto que tinha o Boi Garoto e ele me chamou prá brincar. Meu professor foi Chico Preto, ele sendo mais novo do que eu. Brinquei também no Boi Canário, dois anos, que era da professora Fransquinha. Depois, o pai do Mestre Assis, dono do Boi Ceará, tinha falecido. O boi ficou com o Assis, empregado da estrada de ferro. Ele foi chamar o Chico Preto pra resgatar o Boi Ceará. E Chico Preto foi. E lá no Boi Ceará eu brinquei mais oito anos. Saí do Boi Ceará e formei meu primeiro grupo, o Boi Terra e Mar, eu sendo dono. Também fiz o boi Fortaleza. De lá pra cá eu fiquei brincando o bumba-meu-boi.
Quando a TV Tupi chegou por aqui o povo não ia assistir mais bumba-meu-boi. Então a televisão veio derrotando tudo, acabando. Os próprios vaqueiros e brincantes se empenhavam mais em olhar a televisão. Naquela época, quando um pobre possuia uma televisão podia considerar que ele era um rico. Pra assistir televisão a gente pagava uma entradazinha para sentar na sala. Mesmo assim eu fiquei acreditando, brincando sempre com o boi.
Minha profissão sempre era pescador. Quando vivia pescando passei muita fome, muita necessidade. Porque eu vivia na profissão errada. Era pra eu resgatar a cultura viva. E aguentei o rojão. Em 2005 fui reconhecido como um dos Mestres da Cultura quando viram eu fazer o Boi Juventude e ficaram admirado. Fui mestre pelo Boi Juventude.
Depois eu dei o Boi Juventude para o meu irmão e fui resgatar o Boi Ceará. E hoje, graças a Deus, tenho o boi, convivo com esse boi desde 2005, quando eu recebi o título de mestre das mão do Dr. Lúcio Alcântara e do Ministro Gilberto Gil. Desde de 2005 que eu ganho um salário por mês. Ganhei meu título de mestre e fui trabalhar de educador social.
De pescador pulei para educador social. Mudou muito a minha vida. Tá mudando sempre. Em 2007 fui premiado pelo Ministério da Cultura. Ganhei um prêmio de dez mil reais. Com esses dez mil reais eu podia fazer o que eu quisesse. Como eu, muito mestres foram premiados. Eu não sei o que eles fizeram dos trocados deles. Do meu, eu construí a sede do Boi Ceará. Embaixo é a sede, o galpão e em cima é a minha casa. E cada dia que passa eu amplio mais a minha sede. Só minha sede, não. Do grupo!
Eu tenho um prazer imenso de ser um dos mestres da cultura. Eu nem esperava receber esse título, que me entregaram em Juazeiro. Eu fiquei muito surpreso e tô muito feliz demais com meu título de mestre. Aonde a gente chega é bem recebido. Aqui dentro das Goiabeiras, onde eu vivo, quando o povo me vê, diz: ali é o homem que possui mais chifre nas Goiabeiras, o dono do Boi. Porque eles reconhecem que eu sou um dos Mestres da Cultura. Pra mim é um orgulho muito grande. Que isso não é pra todo mundo!
O boi é uma coisa muito importante dentro da nossa comunidade. Nós temos pessoal pra ensinar a tradição. Quando eu pego algumas aulas, oficinas e eu vou dar depoimento das minhas histórias do boi tem um momento quando os professores, os alunos pedem para passar a dança. Eu canto e as minhas passistas, Brenda e Maria, representam a dança.
O Boi Ceará trabalha com 35 pessoas. Sendo para viajar são 16 pessoas. A gente não se importa se é jovem ou é criança. Tanto faz se está com 60, 70, 80, cem anos.
Eu diria pra uma pessoa que nunca viu o boi que se aproxime mais, venha ter conhecimento do boi, da dança com a burrinha, com o Jaraguá, com a ema, com o bode cheiroso, com o cordão vermelho, com o cordão azul, com reis, capitão, cigana, vassalo, principe e Rainha, doutô. Que o boi tem comédia, tem paródia.
Aqui na comunidade, quando chega no mês de agosto, a gente promove os ensaios que é para preparar o povo para o dia 20 de janeiro do ano seguinte quando a gente faz a morte do Boi Ceará. Todos os anos se comemora no dia 20 de janeiro, que é dia de São Sebastião, aqui na rua Vento Leste, número 94, Goiabeiras, Barra do Ceará.
Manter a tradição, com certeza, é muito importante. O governo, o prefeito tem que olhar mais para a cultura do bumba-meu-boi. Porque o bumba-meu-boi vive. Eu trago o boi como uma religião. Porque a gente tem que ter aquele compromisso com ele. Se a gente não fizer aquele compromisso certo com o bumba-meu-boi ele mete-lhe a pêia, as coisas se atrapalham. É por isso que eu acho que a coisa mais importante é ter o compromisso. O boi é uma religião que a gente carrega dentro do peito.
99th Keliling street, Pekanbaru
62+5200-1500-250
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